O que fazer quando o fogo da paixão deixa de acalentar o coração e passa a queimar a pele? As chamas avançam pela corrente sanguínea, causando marcas no corpo que, até então, não são compreendidas. Quanto mais o tempo passa, pior fica a sensação de queimação; rasgando a derme e dilacerando a carne. É nesse fatídico instante em que o ser humano se torna cru: presenciando a decomposição da alma. É o momento em que a lágrima é afiada e deixa rachaduras por onde escapa. Os olhos, afogados pelas próprias mágoas, já não brilham e sequer possuem força de encarar além daquele sofrimento. Há de julgar alguém nesse estado? Um alguém que sente os ossos perfurando as entranhas, pisando sobre espinhos e cortando cada parte de si com urgência.
O amor não correspondido é violento, impessoal.
Ele não se compadece com a cena que presencia todos os dias; a destruição em seu estado mais puro. Sair de casa já não é agradável, comer já não é necessário, viver já não é uma escolha. Sofrer nas garras dessa ausência de amor, de olhar, é entregar-se a existência, é caminhar sobre as incertezas e desejar que tudo tenha um fim rápido. Não era correspondida e vivia um nós intensamente; sozinha em seu quarto, coração e sentimentos. Quem é, então, o mais egoísta? Aquele que ama por dois, ou o que não nutre amor nenhum.
Se acha que a comparação é incongruente, defendo a minha tese: quando o sofrimento de duas pessoas distintas é colocado à prova, é válido considerar ambos os lados. Isso implica não usar argumentos como: ela não é obrigada a corresponder, ou amou porque quis, o sentimento nasce de repente mas pode ser cortado pela raiz. Mas essa é uma dor compartilhada, não há como separar o que é intrínseco, ou como medir quem está na pior, pois cada um está dolorido dentro do seu próprio limite. De um lado a espera pela mudança, aquela que conecta os olhares em um entendimento mútuo, como quem diz claramente um eu te amo de volta. Devido a isso vem a crítica, a raiva pelo outro, questionando os porquês de não receber todo o amor que entrega. Não pode dizer que é injusto, é o que julga ser de direito nessa situação: apenas sofro por alguém que não consegue me querer. É um erro? Confessar o quanto meu coração está despedaçado, largado à beira da rua, sujeito a ser esmagado e culpar quem realmente tem culpa?
Mas a vida não é um morango e toda história tem dois lados. Alheio a tudo e todos, o inocente. É esse quem recebe os panos da sociedade, que limpam seus passos, as vezes cruéis e profundos, como se a estrada fosse uma lama na altura do palmo, marcando o trajeto com afinco. Desse lado podem até achar que não há sofrimento, porém, nesse caso por exemplo, a dimensão do sentir era absurda. Sentia por não amar, por não estar. O ato de não escolher ficar, não olhar de volta e segurar a mão de quem a estendeu com a alma entre os dedos, preenchia a mente vazia. Até tentava lutar por sua defesa; eu não imaginava, eu não sabia, eu a considero uma grande amiga, eu a quero mas não como ela espera. Eu; eu.
E ela? Pensava em seguida. E como ela está?
Assim seguiam Natália Cardoso e Ana Carolina Soffredini, perdidas em seus lugares de fala, de conforto, de casa, evitando uma a outra para não triplicar as complicações. A cientista se martirizava e deixava uma única pergunta martelar seu cérebro por horas. Por que não consigo amar alguém que verdadeiramente me quer? Sabia que a fotógrafa só tinha o melhor a oferecer, e queria muito querer. O que acontecia com ela? Qual era o problema? Cardoso apresentava tudo que alguém adoraria receber: segurança, admiração, entrega, companheirismo, e até fofoca. Nesse momento ela riu.
A morena deixou a risada fluir levemente, sem notar que por isso adorava a amiga; não se transformava em alguém melhor com ela, não, voltava a ser a garota perdida em vinte e cinco anos. Uma garota que esperava um amor avassalador, que ao mesmo tempo é simples e descomplicado. Uma garota que esperava flores, um jantar romântico ou simplesmente uma mensagem confidenciando que foi motivo de saudades. Isso não era tudo em um relacionamento, mas a sensação de ser cuidada não lhe invadia com frequência. E lá estava Natália, aparecendo em sua casa, levando café da manhã ou um japonês e um bom vinho para o jantar. Questionava-lhe sobre seus projetos, sobre suas conquistas, sobre coisas que claramente não entendia, só para observar os olhos verdes brilhando ao explicar cada mínimo detalhe.
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Estilhaços de Amor ─ coletânea Narol.
Romance، a vida é feita de possibilidades, e em decorrência dos "e se" que nos cercam: os relatos de outros finais, outros encontros. ─── narrações curtas, provavelmente divididas em partes, a depender do tema.