O pecador

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— Não me toque... — Murmurou Lggj ajoelhado no chão, e várias flechas fincadas nas costas. — Você não consegue ver Apuh? Você não deveria me ajudar... Eu sou um demônio, um pecador sujo e imundo...
  — Lg, me ouça somente por um segundo... Você irá morrer se continuar assim! Aceite que você precisa de ajuda e me deixe dar isso a você! — Disse Apuh, tentando se aproximar de seu amigo ferido.
  E então de repente Lggj gritou, sua voz mergulhada em ódio e angústia:
  — NÃO OUSE ME CHAMAR POR ESTE NOME! ME CHAME PELO QUE EU REALMENTE SOU, UM DEMÔNIO IMUNDO CONDENADO A QUEIMAR POR SEUS PECADOS!
  — Eu não vou te chamar assim... Você não merece ser chamado assim... Você não merece passar por tudo isso sozinho! Então, por favor, não gente se distanciar de mim... Eu só quero te ajudar... — Apuh disse, tentando não revelar o medo e o desespero o qual inundava seu coração. Era tão difícil para ele... Ele só queria que Lggj se liberasse das "correntes" em que colocou em si mesmo...
   — Oh, seu idiota... O que de bom eu posso dar a um santo como você? Eu não sou nada além de um ser inútil e sujo que mataria alegremente um de seus semelhantes para apenas chegar mais perto de um pequeno pedaço de paz — As palavras de Lggj estavam cheias de veneno e de um desespero tão grande que era difícil de suportar. Seus olhos cheios de ódio e uma pitada de dor se tornaram para o Apuh e ele riu amargamente:
  — Você é ingênuo a ponto de ser ridículo...
  — Não... Eu... Eu estou apenas desesperado — Apuh exclamou, tentando chegar o mais perto possível de Lggj e gentilmente tocou seu ombro esquerdo, querendo tanto ajudá-lo e confortar ele... Mesmo que fosse morto por sua tolice, ele iria correr o risco não importa o que dissessem — Ninguém merece tamanho sofrimento.... Então só.. só me deixa te ajudar.. Você está se machucando tanto, não consigo mais assistir isso... Você não precisa ficar segurando essa dor sozinho! — Ele disse, se ajoelhando no chão e colocando suas mãos por cima das mãos de Lggj e as segurando.

  De repente, Lggj ficou em silêncio, olhando para Apuh com surpresa estampada em seu rosto. Ele não conseguia sequer acreditar no que ele acabou de ouvir... E ele não conseguia entender como apuh não se sentia enojado por Lggj...

  — Como você pode... Dizer isso? — A voz de Lggj, agora mais silenciosa e cheia de choque, era quase um sussurro. A raiva que o consumia se foi, deixando sua mente em confusão. Ele não esperava ouvir essas palavras dirigidas a ele, especialmente de uma pessoa tão boa e gentil... E por que isso dói tanto?
  — Estou dizendo isso porque realmente me importo com você! — Apuh exclamou com firmeza, agora segurando as mãos de Lggj mais firmemente, não querendo que ele se levante, a ideia de Lggj se machucando era... Agonizante, para dizer o mínimo. — Então... Por favor... Me escute... Pare de se esforçar tanto e me deixe te ajudar... Isso não é um fardo o qual você tem que carregar sozinho...!
 
  Lggj ficou em silêncio novamente, com os olhos fixos no chão. Nesse momento ele pareceu tão perdido e vulnerável, como um cão abandonado. A dor que ele sentia era tão grande que lentamente o estava destruindo, e a única coisa que o impedia de sucumbir completamente eram as mãos de Apuh segurando suas mãos.

  — Por favor, Lg... — Apuh continuou, quase que implorando, com um toque de desespero. A visão de seu melhor amigo com tanta dor o estava destruindo, e tudo o que ele queria aliviar seu sofrimento. — Apenas aceite minha ajuda... Você merece, mesmo que não consiga ver isso sozinho... —

  Os olhos de Lggj começaram a se encher de lágrimas, como se o simples fato de alguém se importar com ele fosse tão chocante que era quase insuportável, o fato de que alguém finalmente reconheceu que ele tinha sentimentos e também podia sentir dor...! Ele tentou falar, mas apenas um soluço escapou de seus lábios. Parecia que o mundo desmoronava ao seu redor, seu coração se apertava com uma preocupação tão simples e gentil...
 
  Apuh sequer conseguia conter as lágrimas, ouvindo os soluços patéticos de Lggj. Ele colocou a mão no rosto de Lggj, gentilmente pedindo que ele olhasse para ele. Sua voz tremeu enquanto ele falava:
  — Você consegue olhar para mim...? —
Ele perguntou suavemente, seu coração acelerado. Ele estava tão, tão preocupado...

  De maneira hesitante, Lggj olhou para cima, seus olhos encontrando os de Apuh. A expressão em seu rosto era vulnerável e cheia de dor, e lágrimas agora escorriam pelo seu rosto pálido. Seus olhos se arregalaram ao ver o olhar preocupado de Apuh, percebendo que ele estava realmente preocupado com ele, um demônio imundo.

  — Eu 'to aqui, ok?... — Apuh sussurrou, continuando a segurar gentilmente o rosto de Lggj em suas mãos. Seu coração doía cada vez mais ao ver seu querido amigo em tanto desespero... — Eu 'to aqui e não vou a lugar nenhum... Eu não vou te abandonar, eu prometo... Agora, por favor, deixe-me te levar para o hospital...

  A respiração de Lggj prendeu em sua garganta ao ouvir tamanhas gentilezas. Lagrimas escorriam pelo seu rosto sem parar ao perceber o que lhe estava sendo oferecido... Uma oportunidade talvez única dr sentir compaixão, gentileza e, acima de tudo, amor. Era de enorme estranheza à ele para ele, afinal, acima de tudo ele era um demônio, mas também o causava tanta dor e alívio que era quase que insuportável. Ele fechou os olhos, lutando para que sua voz não tremesse, e finalmente conseguiu falar:
  — Me leve... por favor... — o coração de Apuh foi mergulhado numa onda de tristeza e alívio quando ele ouviu a voz frágil de Lggj. Finalmente... finalmente, ele cedeu...

  — Graças a Deus... — Apuh sussurrou, pegando Lggj em seus braços cuidadosamente. Lggj quase que  imediatamente enterrou o rosto no ombro de Apuh, envolvendo os seus braços em volta do pescoço dele... Tudo que apuh desejava era abraçar Lggj e nunca mais deixá-lo ir.. — Eu vou cuidar de você... —  Apuh o tranquilizou mais uma vez, segurando Lggj perto e se levantando do chão para levá-lo ao hospital. Ele podia sentir o corpo do demônio tremer de dor e os soluços que o atormentam. Parecia que ele não sentia tanta gentileza há muitos anos...

  Quando ambos chegaram ao hospital, Apuh tentou ficar ao lado de Lggj o máximo que ele pôde, mas foi tudo em vão... Foi tudo fútil! Inútil! A condições de Lggj somente piorou...

  Não importa quanto tempo se passe após este acontecimento, Apuh nunca se recuperou da perda de Lggj, a culpa estava o matando lentamente, porém mais rápido do que o álcool do whisky que intoxicava seu corpo, ele não pode deixar de se culpar...

  Todos os dias pareciam se passar mais devagar... Ou mais rápido... Mas quem se importa com o tempo que se passa? Ninguém, ninguém além do coveiro o qual diariamente via Apuh passar horas conversando "sozinho" ao lado do túmulo de Lg, algumas vezes era preciso lembrar Apuh de que o cemitério tinha horário para fechar.

  Não importa quanto álcool Apuh consuma, o vazio não para de crescer, não importa o quanto a cor roxo o lembrem de Lggj, o vazio lhe consumiu tão rápido quanto os vermes consumiram a carne do cadáver de Lggj; a dor consumiu tudo o que de humano o ruivo tinha. Seu corpo, o qual já havia começado a sofrer os efeitos colaterais de todo o sofrimento e álcool, não suportou e por fim, numa noite fria de inverno, Apuh faleceu de overdose de álcool/envenenamento por álcool.

  E agora Lggj e Apuh estão juntos, a sete palmos abaixo da terra.

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