Sobre sonhos e verdades

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Xiao acorda assustado. 

Em meio à desorientação de ainda estar meio dormindo e meio acordado, tudo que ele consegue enxergar é luz. Não tão desperto para poder compreender, Xiao não tem certeza se a luz pertence ao Sol ou se a fonte é na verdade a jovem que adora tanto perambular por seus sonhos recentemente. 

A silhueta dela parece mesclar com a luminosidade. Sombras tentam se formar nos cantos, mas falham ao serem apagadas por aquele brilho. 

E então ele abre os olhos, e Lumine não está lá. 

O Adeptus franze o cenho. 

O Sol da tarde brilha no meio do dia, lançando sua proteção e seu calor sobre as terras de Teyvat. Xiao ouve cigarras cantando, e mais além, o riacho borbulhando em seu caminho quase eterno. A sombra antes garantida pela copa da árvore onde ele se sentou aos pés agora já não era mais oferecida, o Sol se exibindo em toda sua glória e resplandecência. 

Xiao sente o calor sob sua pele, quase como um gentil toque reconfortante. Ele se lembra da sensação de ter as mãos dela acariciando seus braços e pescoço, e com um terrível pesar recobra que a memória na verdade é apenas um resquício de mais um de seus sonhos. 

Ele recorda estar andando ao lado dela, as mãos entrelaçadas. Ele se lembra com muita facilidade de como ele se sentiu bem, em paz.

O peso em seu peito retorna. 

Essa tem sido uma sensação recorrente nestes últimos dias. Xiao sempre emergia do reino dos sonhos com um gosto residual daquela mesma tranquilidade, o sabor doce da felicidade, o néctar mais doce bem na ponta da língua, e então a amargura do mundo dos acordados enche seu paladar, apagando qualquer resquício do que Xiao tanto queria provar. 

Todas as vezes que ele abria os olhos e percebia que Lumine não estava ao seu lado de verdade era como se o peso do mundo recaísse em seu peito. Ele ansiava ter ela ali, ansiava tocá-la e ouvi-la e simplesmente se deixar mergulhar em sua presença. 

A história se repetia todos os dias — Xiao levanta com as corujas e os morcegos, e assim que os primeiros raios de sol rasgam o céu e os últimos dos demônios é expurgado, o Adeptus se deixa descansar. 

Ele disse uma vez para Lumine que não precisava dormir. Essa não é uma necessidade real, imediata, na maioria das vezes. Mas tem sido bem gratificante ter a companhia da loira em seus sonhos. Pois, se ele não pode tê-la acordado, ele busca estar ao lado dela enquanto sonha. E ele se questiona: será que ele realmente merece essa dádiva? Sonhos tão doces assim foram feitos para alguém como ele? 

E, ainda mais, será que a Lumine de verdade, aquela que ele raramente via hoje em dia, ainda teria os mesmos desejos que a sua contraparte dos sonhos? 

A verdade só poderia ser dita por seus lábios — e Xiao necessitava ouvir ela dizer que sim, que ela também sonhava com ele, que ela também rogava aos céus que uma oportunidade surgisse e os dois finalmente se encontrariam, e que tudo que ele mais deseja se tornaria realidade, e não apenas mera criação de uma mente cobiçosa.

Tudo que ela precisava era dizer o nome dele.

Então porque ele não ouvia seu chamado? 

Lumine já não mais ansiava pela companhia do Adeptus? Teria ela, em toda sua gloriosa jornada, finalmente encontrado outro alguém? 

Nenhuma das flores e nem nenhum dos insetos parecia ter a resposta para essa questão. Xiao observa uma borboleta pairar pelo ar, tão graciosa quanto sua amada. 

Ele sente tanta falta dela.

🌸

— Xiao…

É a voz de Lumine, e Xiao é imediatamente lançado em um turbilhão de emoções. E, em um instante, ele está diante dela, e, em um instante, todo o mundo congela. Ele só consegue enxergar ela, e nada mais. Tudo que ele vê é o rosto dela: as sardas presenteadas pelo Sol, as flores no cabelo loiro, o dourado dos olhos dela. A luz que ilumina a vida de Xiao, aquela que deu um fim nos pesadelos mais cruéis e que guia seu caminho todos os dias, mesmo estando tão, oh tão distante.

Boa parte da vida de Xiao foi restringida por correntes. Seus sonhos — pesadelos — eram análogos à vida, e ele não conseguia controlar ou escapar em nenhum aspecto. 

Mas Lumine mudou isso.

— Xiao! — ela repete, agora com um grande sorriso — Você veio.

Isso é algo que Lumine sempre diz, quase que em um tom surpreso, como se ela não soubesse a dimensão da devoção de Xiao. Como se ela não percebesse que ele é incapaz de resistir estar ao lado dela. 

— Sempre. — ele responde, e é uma promessa não explícita, e ele só pode esperar que ela entenda o quanto essa afirmação é verdadeira. — Está tudo bem?

O primeiro instinto de Xiao é pegar o rosto dela em suas mão, procurar por machucados e arranhões, mas ele só é agraciado pela beleza estonteante de Lumine, e ele amaldiçoa sua própria mente por ser tão indiligente, por não ser capaz de guardar e recriar uma versão perfeita de Lumine. Ele se vê assombrado, pois a versão de Lumine que permeia seus sonhos não se compara com a realidade. Ele queria poder estar com ela todos os dias e não precisar se apoiar em sonhos tão distantes da verdade.

Ela se inclina no toque, contente. 

— Na verdade, não. — ela diz, e antes que Xiao possa sequer questionar ela continua — O dia está quase acabando, e eu não tive tempo de passar com meu amado aniversariante.

Xiao pisca, confuso. 

Oh. Aniversariante?

— Você nunca se lembra, não é? — ela ri, e Xiao é pego em seu encanto — Feliz aniversário, Xiao.

Lumine o puxa para mais perto, selando um beijo em seus lábios. É mais do que Xiao se lembrava ser, é um presente ao qual ele nem ao menos esperava. Qualquer dúvida se desfaz bem ali diante de seus olhos, diante do sentimento que preenche o coração do Adeptus. 

Ele teria lido em algum livro que esse momento pareceria um sonho. Poetas de Inazuma adoram utilizar essa expressão em momentos como esse, toda vez que lábios se encontram, quando amantes se reencontram. Mas nem mesmo o sonho mais doce poderia rivalizar com isso. O toque das mãos de Lumine, o calor do corpo dela contra o dele. 

A verdade é que Xiao nunca gostou de sonhar. E Lumine ensinou para ele que a realidade valia a pena ser vivida. 

Sobre sonhos e verdades [xiaolumi]Onde histórias criam vida. Descubra agora