Agora, fevereiro de 1998, Cristiano Andrade é um rapaz paulista de 28 anos, com cabelos pretos, olhos âmbar e pele morena. Cris, para os mais próximos, acabará de conseguir vaga em sua tão sonhada multinacional. Sempre se esforçou muito para isso, desde bem pequeno, quando ainda era pobre, leu livros, estudou matemática, física, química, história..., aprendeu luta corpo a corpo, entre outras coisas interessantes. Agora, depois de tanto sofrer, conseguiu. Mal podia acreditar! Nunca em toda sua vida esteve tão feliz.
Enquanto arrumava sua gravata vermelha em frente ao espelho de seu quarto, Cris pensava o quão perfeito aquele eu lá tinha que ser. Ele faria ele ser. Lembrava com clareza quando tinha por volta de seus 6 anos de idade, quando fez uma aposta com o pai no leito de morte: conseguir o emprego em uma empresa que não aceitava os mais pobres, os latinos e os africanos. Entrar lá e provar que eles eram muito capazes, muitas vezes muito mais capazes do que algum norte americano ou europeu. Cris claramente tinha ganhado, ele estava indo para a grande Silverluxe service, uma empresa grande, que antes só operava fora do Brasil e, muito recentemente, veio para São Paulo, ainda não aceitando brasileiros, sempre trazendo gente de fora. Portanto, Cristiano seria o primeiro latino a entrar na empresa. Isso deixava o garoto mais animado que nunca. Em meio seus pensamentos ouviu o som estridente da campainha do apartamento.
-Quem será às 7h30 da manhã?! —O rapaz se perguntava. Andou tropicando até a porta branca e abriu a:
-Pois nã...
-Maninho!!! —Ricardo, irmão mais novo de Cris, pulou e abraçou o mais velho antes que ele pudesse terminar a frase.
-Wow, oi... —Olhou melhor para o indivíduo, ainda se reequilibrando— Ric! Oi, mano! Tudo bem?
-Tudo, tudo ótimo... Eu vim aqui pra fazer um surpresa, tô orgulhoso de você pela aceitação na empresa, Cristi!!
-Hahah, obrigado... —Disse tímido.
-Que horas começa o turno???
-Daqui uma hora mais ou menos... 8h30.
-Entendi, entendi! É longe?
-Dá uns 40 minutos daqui pra lá...
-Nossa! Longe...
-Nem tanto. Poderia ser pior!
-Talvez... Ah, tanto faz. Queria levar você pra lá hoje, só hoje! Por favor???
-Bem... —Considerou o oferta. Afinal, não finja mal nenhum nisso, certo? — Claro. Se você insiste... —Disse com tom de brincadeira.
-Ótimo, ótimo, ótimo!
-Eu só vou terminar de me arrumar. — Lá se foi o rapaz até o banheiro. Cristiano nunca foi muito carinhoso, mas quando se tratava de seus irmãos, ou alguém bem próximo, ele sempre dava seu melhor para que se sentissem à vontade. Quando acabou de escovar os dentes, suspirou e foi.
-Acabei... Vamos?
-Com certeza, antes que você se atrase, porque já são 7h40.
-É, tem razão. —Dito e feito, andaram com pressa até o carro vermelho de Ricardo e adentraram o veículo. Enquanto Cris colocava no Waze a localização do prédio, o mais novo colocava alguma música de rock nacional, não porque ele goste disso, na verdade seu gosto musical era mais pra samba, pagode ou funk, mas Cristiano sempre gostou mais de rock, MPB ou pop. Hoje, somente hoje, Ricardo seguiria o gosto do mais velho. Depois de 38 minutos chegaram, a frente do estabelecimento era linda, tinham plantas em toda parte e uma porta gigante de vidro.
-Tchau, Ric, valeu pela carona. Me deseje sorte.
-Eu desejo!!! Falou, Cris, até depois!
Adentrando o prédio, a ficha do rapaz finalmente começou a cair, ainda incrédulo sussurrou:
-Acho que você me deve 20 cruzeiros, papai... —Logo sentiu seus olhos marejarem de emoção, seu coração estava disparado. Andou mais alguns passos, recompondo se, até chegar na recepção.
-Olá, bom dia! Meu nome é Cristiano Andrade, eu fui contratado, começo hoje. —A senhora olhou o garoto com notável nojo. Todos na empresa sabiam português, assim como Cris sabia inglês (e outras 3 línguas), porém a maioria dos trabalhadores não gostavam de falar nossa língua.
-Hm... Good morning. Or boa tarde, se preferir. Como disse que era seu nome mesmo?
-Cristiano. Cristiano Andrade.
-Oh, right. Pode entrar, boa sorte.
-Obrigado. —Apesar do deboche no diálogo prevalecer, Cris não deixaria que isso incomodasse seu dia. Ultrapassou a catraca e sentiu o nervosismo subir a cabeça, suas mãos começaram a tremer, "boa sorte? O que ela quis dizer com boa sorte???", pensou o rapaz. Andando devagar pelo corredor enorme. Logo um senhor que devia ter entre 45 e 50 anos veio até ele:
-Hello!!! Você deve ser o Cristiano, certo?
-Sim, sou eu mesmo.
-Muito prazer, sou o supervisor deste prédio! Pode me chamar de Charles. —O português dele era perfeito, não era à toa que ele era o supervisor.
-O... O prazer é meu. —Respondeu gaguejando.
-Venha, siga-me! Mostrarei lhe sua nova sala. —Andaram até o final do corredor e chegaram em uma portinha pequena, meio velha, bem escondida. —Sinto muito, mas como nenhum deles queria ficar perto de você, tivemos que te colocar aqui. Espero que não seja incômodo.
-Não ficar perto de mim? —Cristiano repetiu com tom de dúvida— Por que não querem ficar perto de mim?
-Well... Você sabe... Muitos aqui são preconceituosos, não ligue para isso. —Ouvir aquilo não vou nada encorajador para o rapaz, que começou a ficar mais nervoso e preocupado ainda.
-E... Entendi.
-Ótimo! Veja, não é uma sala muito grande, mas é confortável. —Charles abriu a pequena porta e Cris teve um breve flash Back de seu quarto quando ele era mais novo. A sala era pequena, tinha um sofá vermelho, com algumas almofadas brancas encostado na mesma parede da porta, indo mais pra frente um banheiro bem pequeno, com uma pia e uma privada bem apertados, olhando para frente uma mesa com uma cadeira dessa de rodinha e um computador simples, logo atrás uma pequena janela com uma dessas cortinas de filme de suspense. Charles não mentiu, era confortável mesmo. —E então? O que me diz?
-Não é ruim.
-Well, ótimo. Daqui alguns minutos eu mando alguém te trazer as primeiras papeladas para relatórios, okay? Pode ir de acostumando com a sala. —Disse com um sorriso encorajador.
-Tudo bem.
O supervisor saiu e, de imediato, Cris soltou um ar que ele nem sabia que estava prendendo. Logo fechou a porta e andou até o sofá, se sentando nele de qualquer jeito. Aproveitou o silêncio da última sala do corredor por um longo tempo. Longo tempo. Longo, longo, longo.
-Mas, meu Deus... Já são 10h08, aonde foi que enfiaram esses papéis?! —Cris se perguntava. Logo veio a sua mente: "não querem ficar perto de mim", claro. Não duvidava que fosse isso.
—Que gente mais babaca. —Comentou. Mais alguns minutos se passaram e, finalmente, ouviu alguém bater na porta. Se levantou e abriu.
-Hi, Cristiano Andrade?
-Sou eu.
-Aqui, isto aqui é para você. —Esticou uma pilha gigante de papéis para o rapaz, que aceitou de bom grado. Cris observou melhor a moça que entregava os relatórios e ela era linda. Cabelos longos castanho claro, olhos verdes e pele branca, muito, muito branca. Estava vestindo um moletom azul marinho e uma saia branca, saltos altos também brancos e brincos longos, com uma pérola na ponta.
-Obrigado...
-Hey, você é o man novo, rigth?
-Uhum, isso mesmo.
-Hm... Achei que você fosse different...
-Diferente? Diferente como?
-Don't know... Você só não é o esperado.
-Não sou o que você esperava, mas isso é bom ou ruim?
-Bom, eu acho... Quer dizer, você não tentou me atacar, então...
-Quer dizer que você esperava que eu fosse... —nem terminou a frase.
-Selvagem...
-Selvagem?! De onde você tirou essa ideia, moça?
-Ouvi dizer enquanto eu vinha dos Estados Unidos para cá... Nada contra.
-Claro que ouviu... Vem cá, é verdade que você não sabe nem aonde fica o Canadá?
-Wow, quanta criatividade em forma de question. —O sotaque dela era engraçado aos ouvidos do paulista.
-Então eu posso considerar que é verdade?
-Obviously not!!
-Hm... Mas... Foi exatamente o que você fez quando achava que eu era selvagem e que ia tentar atacar você.
-No, é diferente...
-Não, não é. —Cris disse com um sorriso no rosto, ela ficava engraçada quando estava irritada. Sabia muito pouco sobre a moça, mas já sabia que seria divertido. Logo, já muito irritada, ela se virou e foi embora, porém antes que ela já não pudesse ouvir, Cristiano gritou:
-Ei! Você sabe meu nome, mas não sei o seu...
-Te interessa?
-Sim, na verdade.
-Ayla.
-Ayla? Isso sim que é different. —Disse imitando o sotaque da garota. Observou a andando brava até não conseguir mais. —Ayla...? Hm... Vai ser legal.
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Entre ódio, vingança e amor.
RomanceA história se passa em 1998, quando dois jovens se conhecem no trabalho e já começam se estranhando. Mas quem sabe por obra do destino isso acabe se tornando algo além.