O Amor Perfeito

Há muito tempo aquele sentimento estava adormecido.

No passado, viveram o calor típico das paixões, as promessas feitas mutuamente e as juras de amor eterno.

A distância, no entanto, fez com que se perdessem e seguissem outros caminhos.

Ele seguiu carreira fora da cidade, lá encontrou outro mundo, casou-se e teve filhos.

Ela desbravou o mundo, com muitas aventuras e sem grandes apegos.

A história começou ao se conheceram na firma em que trabalhavam, lado a lado, bem no início da vida independente. Era um emprego desses sem graça, cinza, mas bom o suficiente para pagar as contas.

O dia-a-dia das planilhas, balancetes e prazos não eram necessariamente um sonho profissional, por outro lado, o convívio e a delícia de suas conversas, permeadas de troca de experiências faziam grande diferença no cotidiano de ambos.

Conversavam bastante e até chamava um pouco a atenção, gerando olhares curiosos., mas quando se falavam, era como se vivessem uma espécie de universo particular, como se tudo ao redor desaparecesse naqueles momentos.

Adoravam falar sobre tudo, especialmente sobre o extravasar da vida que se dava nos finais de semana, em bares, shows, peças, exposições e afins.

A segunda-feira era um dia especial, por mais incrível que pareça, pois, no caso deles, havia muita empolgação em contar um para o outro o que haviam feito e, obviamente, notaram que gostavam basicamente das mesmas coisas.

Uma afinidade quase inexplicável que gerava mais conversas e tempo juntos.

Passaram a sair e tudo continuava fluindo fácil, naturalmente, mas viram tudo explodir após o primeiro beijo.

Não houve qualquer estranhamento, mas um entrelaçar frenético e rítmico de bocas e abraços, como se já tivesse acontecido antes, um encaixe inacreditável.

O convívio continuou muito feliz, mas agora em outra instância, pois além de toda a diversão, perceberam que eram extremamente parceiros.

Todos notavam e diziam que tratava-se de um belo caso, invejável.

Entre eles, combinaram que ficariam juntos enquanto estivessem felizes, sem pressão, sem neuras, apenas o amor em estado puro.

A vida, contudo, nem sempre escreve os caminhos a favor dos relacionamentos.

O cotidiano profissional, o mesma que os uniu, passou a mudar gradativamente, pois começaram a ascender e novas oportunidades surgiram. Eram jovens e algumas dessas eram imperdíveis, pois faziam parte do sonho de cada um, uma parte de suas vidas que não se encontrava.

Ela mudou de empresa e ele foi estudar fora da cidade.

No início havia as promessas para que não deixassem o amor se perder e que distância não os separaria, mas as novas vidas os colocaram em caminhos singulares, recheados de novas rotinas, experiências e desafios.

Naturalmente novas pessoas também.

O tempo e a distância costumam ser fatores impiedosos quando trata-se da manutenção de uma paixão. Começaram a esquecer o quanto era bom estar juntos e a vida seguiu.

Aquele grande amor agora era apenas uma ponta de saudade e boas lembranças.

Perderam o contato e viveram bem as suas novas existências.

Dez anos depois, num desses caprichos da vida, reencontraram-se bem no meio de uma viagem em família para um e para o outro uma viagem com os amigos. O local era um restaurante de comida italiana, favorito de ambos, como tinha que ser.

A certa altura, naquele ambiente, os olhos se encontraram em choque, num momento de vontade e hesitação, numa explosão de coisas que queriam dizer um ao outro.

Ao se olharem, mesmo à distância, as memórias verteram como correntezas em suas mentes.

A lembrança coloriu-se, os cheiros afloraram-se, as sensações dos toques foram rememoradas.

Havia agora um arrepio pelo recordar da extrema intimidade.

Era como se somente os dois estivessem naquele gigantesco salão do restaurante. Estavam distantes fisicamente, mas em comunhão pelo momento compartilhado.

Não tiveram coragem de falar um com o outro, preferiram viver o reencontro daquela forma. A única certeza que tinham era o do ineditismo da situação e a certeza que o que estavam vivendo só era possível por serem eles os protagonistas.

A canção que tocava na caixa de som do restaurante resultava na trilha daquele encontro e, coincidentemente, marcou o tempo exato desse momento ímpar que viveram.

Nunca um olhar disse e significou tanto, nunca um instante pareceu uma vida, nunca uma sensação foi tão perfeita, mesmo à distância.

Findada a canção, é como se aquela catarse, aquela grande descarga de sentimentos e emoções, acabasse por tabela. O som das pessoas conversando, os talheres batendo nervosos nos pratos, os passos rápidos dos garçons voltaram a ressoar, trazendo-os para a realidade e o momento de vida atual. A partir dali a família de um voltou a ser o foco de sua atenção e os amigos voltaram a ser o foco do outro. A noite seguiu normalmente, assim como a vida de deles.

Era como se mostrasse que a realidade presente era bem distante daquele sentimento passado.

Nem sempre as pessoas que compartilharão a vida conosco serão aquelas que geram esse tipo de magnetismo.

Ao fim da noite, ela saiu pelo salão após pagar a conta, mas não resistiu e deu uma olhada para trás ao cruzar o pórtico do restaurante. A cabeça dele estava baixa e ela sentiu um certo vazio. Deu um novo passo para fora e não resistiu, olhando uma última vez, mas agora havia um olhar fixo dele em sua direção e um sorriso de canto de boca, daqueles que confirmam mais uma vez que a sintonia ainda estava lá. Um olhar cruzado e derradeiro, como se dissessem:

- É você, eu sei.

Logo em seguida ela virou para frente e andou meio que flutuando para fora do restaurante.

A vida novamente os separou. Dessa vez para sempre.

A sensação que ficou em cada um deles após aquele encontro beirou a frustração, por conta de toda situação, mas logo foi suplantada pela gratidão que ambos tinham por ter encontrado alguém assim em suas vidas e terem vivido aquele grande amor.

Se não foi eterno, foi único, completo.

Perfeito à sua maneira.