O capitão Maximiliano foi um grandioso espectador da história dos homens — e numa época em que a vida se ganhava pela luta e não pela contemplação, isso fazia muita diferença. Antes de se tornar fantasma, correu por toda extensão do sertão na garupa de seu azalão negro de olhos vermelhos, o presente dado por um diabo em épocas que ele já não se recordava mais. E por suas viagens insólitas e sem rumo, conheceu os homens e seus temores, seus amores e suas dores, provou do mais sórdido da raça humana, mas também contemplou a alegria na miséria e a tristeza na abundância. Andou entre os santos e conheceu mulheres milagrosas — uma delas leu seu futuro e disse que ele reinaria por trezentos anos como o rei do cangaço, o que encheu o capitão de orgulho e inflou seu ego. Mal sabia ele que a benção premeditada pela vidente era também sua maldição e sua ruína anunciadas.
Antes de enlouquecer, por onde corria, a poeira deixada pelo seu cavalo arrastava multidões de fiéis, sertanejos e sertanejas, pobres, que viam nele o aspecto da rebeldia contra o sistema, erguido para alegrar os ricos e abandonar os pobres. Os filhos da terra do sol e da açucena, que cantavam cânticos religiosos e erguiam as mãos para o céu pedindo que Nossa Senhora abençoasse a benevolência de Maximiliano, e quando ele estacionava um rancho qualquer ou um vilarejo do tamanho de um feijão, lhe serviam charque, arroz, água, para ele, para seus companheiros e para seus animais. E o povo fazia de bom grado, com sorrisos amarelos e extrema respeitabilidade, pois sabiam que se havia alguém que podia livrar o sertão da maldade dos coronéis esse seria o Capitão Maximiliano.
Bem na época que essa terra ainda era dividida em sesmarias, mesmo antes da existência do cangaço e dos homens que o compunham, o capitão Maximiliano já juntava amizades e inimigos por todos os lados. E ele costumava subestimar demais seus inimigos. Talvez seja essa a razão de sua queda.
Em um raro dia chuvoso, cuja tempestade torrencial foi recebida com euforia e alegria pelos cangaceiros do capitão, ele teve, pela primeira vez, o vislumbre daquela ave de penas douradas, com um diâmetro excepcional, talvez tão grande quanto um cachorro ou um homem, que voava alto, longe dos urubus, como se navegasse pelas nuvens e acima delas. Seu piano era assombroso, algo como uma canção triste e solitária, um arauto do porvir e da desgraça que não lhe cabia vontade. Quando o capitão ergueu o rosto marcado pelo sol, encontrou os olhos daquela ave tão horripilante, e viu ali os olhos frios de um homem, mesmo na distância que estavam. E isso fez cada um dos pelos do seu corpo se arrepiarem e, pela primeira vez desde que se descobriu homem, o capitão sentiu um frio de medo no estômago. Naquele mesmo instante ele soube o que se passava diante dos seus olhos.
— Maldito rasga-mortalha — ele excomungou, enquanto todos os companheiros de cangaço fizeram sinal da cruz e rezaram meio a chuva interminável, que agora se tornava mais assustadora que acalentadora. No horizonte, relâmpagos escarlate e trovões tão altos quanto tambores.
A rasga-mortalha acompanhou o bando durante todo seu trajeto pelo sertão meridional, até que chegassem nas terras entre sesmarias, onde erguia-se o curioso vilarejo dividido por uma muralha de mandacarus. Cada lado pertencia a uma sesmaria e, consequentemente, a um coronel. Poucos homens tinham coragem de andar por aquelas bandas, pois diziam que o trecho de sertão que rodeava aquela região era amaldiçoado por fantasmas e diabos. Mas o capitão já havia conhecido o diabo, no passado, naquele mesmo lugar, na forma de um homem excêntrico, com um minerês evidente no sotaque, que se apresentou como:
— Artesão — e sorriu, com um olhar de diabo, selvagem e inescrupuloso, algo maquiavélico, de suplicar por exorcismos. — O que posso fazer por você, meu amigo?
E com um aperto de mãos com o estrangeiro, um jovem audacioso que andava por aquelas bandas com a precisão de quem conhecia o mundo inteiro, o capitão ganhou em recíproco acordo o primeiro e único cavalo de lata do sertão. Só que o cavalo estava tão indistinto, tão perto do real que assustava. Num primeiro momento, o capitão cuspiu no chão e exclamou, irritado:
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Os Reis do Sertão de Mármore
FantasyA predição de uma santa diz que no Sertão só há de existir um rei e, quando surgirem mais, haverá uma grandiosa guerra, em que só um será a libertação da miséria e da violência dos outros. No sertão entre sesmarias, uma cidade política e fisicament...