Capítulo 01 - O Capitão, os Coronéis e a Santa

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O capitão Maximiliano foi um grandioso espectador da história dos homens — e numa época em que a vida se ganhava pela luta e não pela contemplação, isso fazia muita diferença. Antes de se tornar fantasma, correu por toda extensão do sertão na garupa de seu azalão negro de olhos vermelhos, o presente dado por um diabo em épocas que ele já não se recordava mais. E por suas viagens insólitas e sem rumo, conheceu os homens e seus temores, seus amores e suas dores, provou do mais sórdido da raça humana, mas também contemplou a alegria na miséria e a tristeza na abundância. Andou entre os santos e conheceu mulheres milagrosas — uma delas leu seu futuro e disse que ele reinaria por trezentos anos como o rei do cangaço, o que encheu o capitão de orgulho e inflou seu ego. Mal sabia ele que a benção premeditada pela vidente era também sua maldição e sua ruína anunciadas.

Antes de enlouquecer, por onde corria, a poeira deixada pelo seu cavalo arrastava multidões de fiéis, sertanejos e sertanejas, pobres, que viam nele o aspecto da rebeldia contra o sistema, erguido para alegrar os ricos e abandonar os pobres. Os filhos da terra do sol e da açucena, que cantavam cânticos religiosos e erguiam as mãos para o céu pedindo que Nossa Senhora abençoasse a benevolência de Maximiliano, e quando ele estacionava um rancho qualquer ou um vilarejo do tamanho de um feijão, lhe serviam charque, arroz, água, para ele, para seus companheiros e para seus animais. E o povo fazia de bom grado, com sorrisos amarelos e extrema respeitabilidade, pois sabiam que se havia alguém que podia livrar o sertão da maldade dos coronéis esse seria o Capitão Maximiliano.

Bem na época que essa terra ainda era dividida em sesmarias, mesmo antes da existência do cangaço e dos homens que o compunham, o capitão Maximiliano já juntava amizades e inimigos por todos os lados. E ele costumava subestimar demais seus inimigos. Talvez seja essa a razão de sua queda.

Em um raro dia chuvoso, cuja tempestade torrencial foi recebida com euforia e alegria pelos cangaceiros do capitão, ele teve, pela primeira vez, o vislumbre daquela ave de penas douradas, com um diâmetro excepcional, talvez tão grande quanto um cachorro ou um homem, que voava alto, longe dos urubus, como se navegasse pelas nuvens e acima delas. Seu piano era assombroso, algo como uma canção triste e solitária, um arauto do porvir e da desgraça que não lhe cabia vontade. Quando o capitão ergueu o rosto marcado pelo sol, encontrou os olhos daquela ave tão horripilante, e viu ali os olhos frios de um homem, mesmo na distância que estavam. E isso fez cada um dos pelos do seu corpo se arrepiarem e, pela primeira vez desde que se descobriu homem, o capitão sentiu um frio de medo no estômago. Naquele mesmo instante ele soube o que se passava diante dos seus olhos.

— Maldito rasga-mortalha — ele excomungou, enquanto todos os companheiros de cangaço fizeram sinal da cruz e rezaram meio a chuva interminável, que agora se tornava mais assustadora que acalentadora. No horizonte, relâmpagos escarlate e trovões tão altos quanto tambores.

A rasga-mortalha acompanhou o bando durante todo seu trajeto pelo sertão meridional, até que chegassem nas terras entre sesmarias, onde erguia-se o curioso vilarejo dividido por uma muralha de mandacarus. Cada lado pertencia a uma sesmaria e, consequentemente, a um coronel. Poucos homens tinham coragem de andar por aquelas bandas, pois diziam que o trecho de sertão que rodeava aquela região era amaldiçoado por fantasmas e diabos. Mas o capitão já havia conhecido o diabo, no passado, naquele mesmo lugar, na forma de um homem excêntrico, com um minerês evidente no sotaque, que se apresentou como:

— Artesão — e sorriu, com um olhar de diabo, selvagem e inescrupuloso, algo maquiavélico, de suplicar por exorcismos. — O que posso fazer por você, meu amigo?

E com um aperto de mãos com o estrangeiro, um jovem audacioso que andava por aquelas bandas com a precisão de quem conhecia o mundo inteiro, o capitão ganhou em recíproco acordo o primeiro e único cavalo de lata do sertão. Só que o cavalo estava tão indistinto, tão perto do real que assustava. Num primeiro momento, o capitão cuspiu no chão e exclamou, irritado:

Os Reis do Sertão de MármoreOnde histórias criam vida. Descubra agora