Caralho.
Há alguma outra palavra que me descreva? "Caralho" é funcional pra tudo.
"Ain,fulano me bateu"
Caralho.
"Ain, fulano tá fazendo bullying"
Caralho.
"Ain,eu tô fugindo de casa pq minha é narcisista, tóxica, puta e me bate"
Caralho, talvez isso foi um pouco
específico? talvez.Nesse momento,eu estou me olhando no espelho,que por sinal tem um pedaço quebrado.
Com um moletom velho,uma mochila pequena e um medo do caralho,eu paro em frente a porta de saída.
A máquina de lavar roupa está batendo, aproveito o barulho pra abrir a porta e sair, não tranco ela de volta... tenho medo de fazer barulho.Sabe a sensação de um homem,um estrupador,te seguindo? Vc fica ansioso,olha pra trás a cada dois segundos e acelera o passo? Tô assim.
Só que no meu caso, não é um homem assustador que quer me estrupar...É minha mãe.
No meio do caminho eu vejo o carro do meu tio virando a esquina e vindo na minha direção.
Tudo que passa pela minha cabeça é " por favor Deus, faça que ele não me veja"
Deus foi um abutre.
Ele me viu e parou o carro na mesma hora.
- Alex? Onde vc está indo?
Forço um sorriso e aperto a alça da mochila.
- Vou pro campo,vou ver o jogo dos meus amigos.
- Quer carona?
Por um instante eu penso se devo falar a verdade mas acho melhor esperar e recusar.
- Não, obrigado
Começo a acelerar o passo, derrepente,todos os carros parecem iguais o da minha mãe.
Espero tempo o suficiente para que meu tio acelere o carro e suma de vista para eu mudar a rota do caminho.
O plano principal era ir pro campo, especificamente em uma escada que tinha lá.
Passar a noite até a polícia me achar e ficar tudo bem,mas agora que meu tio me viu...mudei todo plano.
A delegacia mais próxima era lá na puta que pariu,era longe o suficiente para minha mãe me achar a qualquer momento então tive que correr.
Sinceramente, acho que nunca fiquei com tanta falta de ar na vida,olhei para atrás várias vezes para verificar se minha mãe tinha me achado ou se estava tudo bem.Eu devo ser muito azarado ou Deus é um abutre comigo.
A delegacia tava fechada.O desespero bateu.
"Oq eu faço Deus?"
Pensei comigo mesmo.Corri para a padaria do outro lado da rua chorando desesperadamente.
"- tem algum telefone que eu possa usar?"
Eu tinha telefone mas aquela porra só acaba a bateria quando eu preciso.
" - só temos fixo, você está bem?"
A mulher me entrega o celular e minha respiração falha.
"- por favor, liga pra polícia"
Começo a ofegar e duas mulheres que trabalham na padaria me levam pro fundo da loja,um banheiro para funcionários.
Elas arrumam meu cabelo bagunçado,me dão água e tentam me acalmar.Ah, esqueci de mencionar.
Eu tinha uma faca no bolso do moletom.As duas mulheres se encaram preocupadas ao ver a faca e tiram ela de mim,tiram meu moletom por causa do calor e ficam comigo até a polícia chegar.
A viatura chega e uma policial vêem em minha direção,tento não fazer contato vizual, é a primeira vez que vejo uma policial tão de perto.
"- Olá,eu sou a oficial Telma"
A moça se apresenta.
Por um momento eu olho para o distintivo dela pra confiar o nome e análiso o rosto dela. Ela não aparenta ser uma pessoa ruim.
" - oi"
Respondo se forma desajeitada.
"- pode me dizer o que aconteceu? Estou aqui para te ajudar"
"- minha mãe me bateu"
A policial parece me examinar por um momento.
Mostro meu braço marcado para ela.Depois de um tempo explicando toda a situação a oficial me leva até a casa da minha tia.
Nesse momento, todos os meus familiares já estavam me procurando fazia quase duas horas.Acho que nunca fiquei tão aliviado por abraçar minha tia igual eu fiquei.
Era quente, aconchegante e seguro.
"- não vou deixar sua mãe tocar em você"
Ela sussurra em meu ouvido várias e várias vezes.Após alguns minutos, minha mãe chega.
Gritando xingamentos e chutando o portão.Os policiais tentam acalmar ela, não sei o que está acontecendo.
Estou tampando meus ouvidos com tanta força que tenho quase certeza que estão sangrando.
"- ela não vai tocar em você"
Minha tia, Néia, sempre gostou da minha mãe.
Nesse dia, acho que ela odiou minha mãe tanto quando eu.Olho pela janela e vejo minha mãe sentada na calçada conversando com um policial e o carro dela estacionado de um jeito que parecia que ele está no meio da rua.
" - ela vai distorcer toda a história,eles não vão acreditar em mim"
Minha tia me abraça.
" - Ela não engana ninguém,os polícias sabem quando alguém tá mentindo"Caralho,uma criança de 13 anos debatendo com uma adulta de 38 anos.
Quem você acha que eles vão ouvir?
Eu que não vai ser.Pelo meu estado,os polícias me levaram para o hospital, minha tia foi comigo.
No hospital,eles me deram alguns remédios e uma marmita.
Pensa numa marmita horrível,era essa.A fome era tanta que nem questionei,comi tudo sem reclamar.
Uma coisa que ninguém da minha família sabia, minha mãe me deixava passando fome.
"Ain, mãe! Estou com fome"
" Faz arroz"
Essa era a resposta dela.
Uma criança vivendo só de arroz por muito tempo não faiza bem pro desenvolvimento.
Eu era puro osso e carne.Osso e carne.
Não tomava banho, não comia direto, não escovava os dentes, não tinha roupas cheirosas.
Eu não tinha nada.Fui corajoso o suficiente para sair daquela casa,fui corajoso por aceitar que mereço mais que uma vida de merda.
"Ain mas sua mãe tentava te dar do bom e do melhor"
NÃO!
Ela vivia igual uma prostituta,saia toda noite com homens pelo puro prazer do sexo.
As vezes ela nem voltava pra casa...
Ela saia cedo pra trabalhar e voltava às 23:00 e depois ia transar com algum doido que ela conheceu o tinder.Enquanto isso,eu chorava e implorava pra ela ficar em casa e me dar um pouco de afeto.
" Se você chorar eu te arrebento! Eu te mato!"
Ela dizia.Aaah que vida boa, muito saudável.
Fui irônico.Era uma merda.
A fome era grande,o frio era grande,as paredes tinham mofo e as roupas fediam.
Se eu não lavasse a louça,ela me batia.
Se eu chorasse,ela me batia.
Se eu pedisse afeto, ela me batia.Ninguém sabia disso,nem meu pai.
Eles eram separados e eu só o via a cada 15 dias.Eu não tive coragem de contar pra ninguém.
Tive medo...
Continua....
Escrever em um app sobre sua vida pessoal é perigoso.
Apenas finja que essas histórias são fictícias,eu mesmo faço isso.
Fingo que minha vida é fictícia.
Ass: Alex do passado.
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diferente e igual
Não Ficção"- Escrevo cartas para o meu eu do futuro...ele me entende, você não." "- Você enlouqueceu?" "- Sim, completamente."