Me afoguei

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Eu não sei amar ninguém como eu amei o Bruno. Nunca superei a ligação de outro mundo que a gente tinha, como se fossemos mais complementos um do outro do que de si mesmos, duas ondas do mesmo mar. Ao menos eu sentia que ele era grande parte de mim, não sei quanto a ele. Passei tanto tempo presa dentro dele, naquela visão do seu corpo estirado. Uma visão que tirou tudo de mim por vinte e cinco anos. Cada dia menos vida. Cada dia menos amor, cada dia menos Bruno, cada dia menos eu. Meus rios secaram. Ele me esgotou por inteiro.

Até que eu reencontrei a Carol. Pela primeira vez, alguém acreditou em mim. Ela me mostrou cuidado, gentileza, carinho, paciência, afeto, tantas coisas que eu já tinha esquecido o gosto. Suas palavras têm cheiro de esperança e suas mãos parecem ser feitas de memórias.  Eu reencontro todos nós de 25 anos atrás nos olhos dela. Quando ela me abraça eu sinto a amizade da Ana Carolina de '98. A Ana que sempre escondeu um coração do tamanho do mundo emaranhado num bolo de timidez, medo e uma franja mais longa que a de hoje. 

Quando vi Carol se escondendo dos amigos, na própria festa de aniversário, não me contive. Sorri. Não por felicidade de vê-la insegura, mas por nostalgia de vê-la tão nova, infantil, quase boba, brincando com aquele balão. Eu quase levantei minha câmera, por impulso, antes de lembrar que eu não a carregava. A carinha emburrada que ela nem tentava esconder me lembrou nossas antigas festas, quanto todos dançavam, bebiam, viviam de forma barulhenta, exceto ela. No meio de tantas cachoeiras e tempestades, a Carol sempre se guardou em um oceano privado. Uma piscina natural quente e rochosa.

Perdi a chance de assistir a ela crescer, mas é tão bom ver o que ela se tornou, essa nova versão mais segura do que ela sempre foi. Me lembro de como ela sofreu com a partida de Ester, quando, ainda adolescente, me disse que não tinha mãe e chorou nos meus ombros até sua lágrimas molharem minha camisa. Enquanto minha roupa secava, eu passava a mão nos seus cabelos, tentando entender o motivo de eu sentir que nós duas eramos dois grãos de areia no fundo do mesmo mar.

A presença dela sempre me atraiu, a água cristalina do seu olhar preenche todos os meus lugares e, ao mesmo tempo, me dá sede. De corpo, toque, voz. Mas essa nova Carol foi uma chuva tímida na vida dessa Natália(será que eu também sou uma nova versão de mim?). Sua companhia veio garoando em mim até me encher de novo. Lembrei de quem eu era: alguém que podia abraçar uma amiga aos prantos no banheiro de uma festa, alguém que tinha amor para dar e alegria em receber, alguém que planejava uma exposição de fotos. Alguém que eu consigo revisitar, trocar paixões e aprendizados. Posso dizer que sou uma nova Natália.

Não pude resistir. Quando notei, já estava apaixonada, mergulhando no seu calor. Só posso amá-la. Não sei segurar essa enxurada de sentimentos que me afoga quando eu a vejo, esse sabor doce e viciante que ela tem. Infelizmente, Bruno já me ensinou que eu sempre transbordo nas horas erradas. Ela não me quer como eu a quero. 

Desde que ouvi uma conversa dela com Adriana, a única coisa que consigo sentir é o eco das suas palavras em mim. "É assustador ver a Natália me olhando com tanto amor."

E, como se não bastasse minha declaração falida, ainda contei para todos nossos conhecidos o que aconteceu. Contei como eu a amo e ela não me ama.

"É assustador ver a Natália me olhando com tanto amor."

Idiota. 

"É assustador ver a Natália me olhando com tanto amor."

Eu já devia ter aprendido com o Bruno que eu nunca sei amar ninguém na medida certa.

Natália não sabe nadarOnde histórias criam vida. Descubra agora