Parte 4

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[Voltei, amores! Já estamos na reta final da fic porque nunca planejei algo muito prolongado para essa história, inclusive, à principio, era para ser somente uma one]

● NATÁLIA ●

Os dias passam sem muita emoção, apenas a mesmice cinzenta que perturba minha cabeça. Quando dou por mim, duas semanas já se foram e percebo que dei origem a um buraco negro no lugar do meu coração, como se a destruição do próprio órgão fosse a responsável por essa escuridão em meu peito.

Olho para Ulisses, mais uma vez deitado ao meu lado. Seu braço queima minha cintura nos lugares em que ele me abraça e não aquela queimação gostosa que te faz sentir vivo, mas aquela dor torturante de chamas enrugando sua pele. Me inseri em um novo ciclo vicioso e destrutivo, e não posso culpar ninguém além de mim pelos pedaços que venho perdendo ao longo do caminho.

A tela do meu celular acende e o rosto perfeito de Carol ilumina o quarto. Ela está me ligando de novo, da mesma maneira que vem me ligando desde o primeiro dia do ano. Nunca atendo. Não suporto a ideia de escutar sua voz porque sei, lá no fundo da minha alma, que vou me desfazer em poeira assim que escutá-la. Ainda assim, passo os dedos pela tela do celular, pelos olhos verdes brilhantes na foto, pelo sorriso que não vejo há tanto tempo.

Rendo-me e atendo a chamada. Levo o aparelho ao ouvido antes que Ulisses acorde com o barulho e a movimentação.

Natália? — Carol sussurra.

Sua voz me penetra como um fantasma e arrepios percorrem meu corpo. Sou terra e ela é água, me invadindo e me invadindo até preencher todo o meu solo. Há coisas que quero dizer a ela, coisas que quero escutar da boca dela, mas não consigo vencer essa barreira invisível que me paralisa. Suspiro, forte e dolorosamente, de uma maneira que eu sei que ela consegue escutar.

Não consigo dormir — A voz dela retorna — Não consigo comer. Não consigo trabalhar! — Ela ri, histérica, e o ronronar de sua risada faz meu peito pulsar pela primeira vez desde o Ano Novo — Conversa comigo, por favor. Ou com a Lígia, se você estiver me odiando demais nesse exato momento, só converse com alguém! Não suporto a ideia de que você esteja mal.

Desligo.

Não consigo respirar. O ar é pesado e meus órgãos imploram por oxigênio. Sinto lágrimas queimando meus olhos, caindo no travesseiro, inundando o espaço ao meu redor. Suas palavras machucam e ressoam por minha cabeça durante as horas seguintes da madrugada. Será que ela se sente tão confusa quanto eu? Não. Conheço Carol o suficiente para saber que ela não faria o que vem fazendo se não fosse cheia de certezas.

Pela primeira vez considero a ideia de que talvez ela realmente me ama e o pensamento é tão abstrato, tão absurdamente dubitável que não sei como aceitá-lo. Passei tanto tempo negando esses sentimentos, fingindo que tudo não passava de tolices adolescentes, que libertá-lo agora é como abrir as jaulas de uma besta há muito adormecida.

Mas Carol não está comendo, não está trabalhando por minha culpa, e essa noção de que ela está sofrendo por minhas ações é mais aterrorizante que qualquer um dos meus outros medos.

Finalmente entendo, não posso me entregar a esse pedaço profundo de tristeza que sempre esteve atrelado à minha existência, pois ao me destruir eu levaria Carol junto e como eu poderia fazer isso com a única divindade que já fui capaz de adorar? O ar volta aos meus pulmões e percebo que já tenho medo de perdê-la, mesmo sem nunca a ter tido.

Nesta manhã, sento na cama com duas certezas, talvez as únicas que já tive na vida: preciso acabar essa penitência com Ulisses e preciso de uma semana intensiva com Lígia, pois me recuso a continuar esse caminho de destruição.

Redamancy - NarolOnde histórias criam vida. Descubra agora