Um

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Nunew estava na sarjeta e daquela vez, infelizmente, não era só uma força de expressão.

Ele estava, de fato, estirado como uma estrela-do-mar no chão de um beco, perto do vômito que torcia para que não fosse o seu ou muito em breve seu estômago vazio reclamaria de fome e não haveria nada que pudesse fazer a respeito, uma vez que, seu corpo ainda levaria algum tempo antes de lhe devolver o pleno comando de seus movimentos.

Enquanto gradativamente recuperava seus sentidos, Nunew fez a coisa mais sensata a ser feita em um momento como aquele: tentou lembrar no que diabos tinha se metido daquela vez, mas, tudo o que vinha a sua mente não passava de um enorme borrão. Lembrava-se de Samantha aconselhando-o a prestar atenção no que comia ou bebia, porque estavam em uma festa no pior lugar possível em Bangkok e, embora já estivessem familiarizados com o ambiente, certamente toda a comida estava batizada de sabe-se lá do quê. E Nunew se atentou a isso, ao menos enquanto esteve sóbrio, mas, depois de algumas horas, suas memórias daquela noite estavam um pouco embaralhadas, como flash's de luz no meio da escuridão.

O garoto tentou se levantar, mas logo desistiu, ainda não havia forças suficiente nos braços ou nas pernas, e por isso continuou com sua investigação mental, sentindo-se verdadeiramente deprimente — coisa que estava se tornando cada vez mais recorrente. Há muito tempo Nunew vinha se autosabotando, podendo usar como perfeito exemplo, sua presente situação, onde não sabia dizer exatamente onde estava e como se isso já não fosse degradante o suficiente, em sua última lembrança (e essa não era exatamente coerente), estava com Charlie, mesmo depois de dizer que aquele cara era coisa do passado. E ele só precisou de cinco latas de cerveja, um beque e a conversinha mole de sempre, para então estar montado no colo de seu... bem, do seu alguma-coisa no banco de trás de seu carro. Nunew ao menos sabia o que Charlie significava para ele... se ele realmente significa alguma coisa. Nunca namoraram, Nunew sentia uma repulsa clichê ao compromisso, então ele tinha transas de uma noite com caras desconhecidos. Mas Charlie era diferente. Apesar de sempre dizer a si mesmo que aquela vez seria a última, Nunew continuava a dormir com ele, ainda que o considerasse repulsivo e que aquilo fosse contra a um de seus princípios mais básicos.

Não se apegue.

Sentindo que podia finalmente se movimentar, sentou-se devagar, podendo agora se afastar para longe da poça de vômito até a parede de uma das extremidades do beco, sem se importar realmente em estar ao lado de uma caçamba de lixo que cheirava como se houvesse algo morto lá dentro. Esperava, no entanto, que realmente não houvesse cadáver algum, especialmente um cadáver humano. A situação por si só já era desgastante o suficiente.

Aos poucos, a madrugada finalmente dava lugar ao amanhecer. O azul marinho fundia-se com o rosa e o laranja suavemente, em um degradê sutil e Nunew, por um momento, apenas observou enquanto as cores se consumiam entre si. Apesar de tudo o que aconteceu na sua vida até ali, o amanhecer permanecia puro e lindo — nem tudo estava perdido, afinal. Alguns meses atrás, em algum momento, ele acordaria para ir a universidade. Cursava artes plásticas, ou cursou em outra vida, já não sabia dizer.

Nos últimos dias, seus momentos de lucidez estavam cada vez mais presentes. Passada toda a loucura da noite anterior, Nunew se perguntava como pode perder o controle de sua vida dessa forma. Claro que, quando outra noite anunciasse sua chegada, prometendo-lhe uma nova diversão, todo pensamento sensato sobre como precisava sair do fundo de poço em que se meteu, desapareceria e seria como se os resquícios do bom garoto que já foi um dia fossem novamente adormecidos, dando lugar àquela outra versão que só pensava em se destruir. Só estava terminando o que haviam começado, era como se justificava. Mas, daquela vez, algo além do usual "você está se matando aos poucos" passou por sua mente.

Prukdestiny | ZNN • SUBMERSOOnde histórias criam vida. Descubra agora