ÚNICO

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You can take this heart

Heal it or break it all apart

No, this isn't fair

Love me or leave me here

Ambos sabiam, desde o começo, como uma história escrita entre os dois podia terminar. Sabiam que caminhos ruins cruzavam-se com os bons o tempo todo e, sem qualquer sinalização, algumas relações estavam destinadas a tomar os mesmos, mas ainda assim uma pequena parte de cada um deles sussurrou: me ame. Me ame sem pensar duas vezes. Me ame por todo o tempo, ou por parte deste se for tudo o que tivermos. Me ame sem imaginar tanto assim o que será do amanhã e sem se acorrentar ao que passou.

Quando se conheceram naquele bar de uma cidade pequena chamada Nova Primavera, Kelvin era um rapaz sonhador ganhando a vida da forma como podia, Ramiro era um homem acorrentado ao poder de uma pessoa pelo resto de seus dias, e aquilo já deveria significar que estradas erradas eram as únicas possíveis.

No entanto, ao conhecer o mais novo de verdade, Ramiro descobriu, após tanto tempo, o significado de união e cumplicidade, como era dar e receber carinho ou sorrir sem impedimentos mesmo com anos confinado numa vida ao lado pessoas que o tratavam como ninguém; e Kelvin, com toda a coragem que dizia ter – mas  que era restrita a lugares e pessoas específicas –, se arriscou pela primeira vez no processo quase doloroso que era nutrir sentimentos tão grandiosos por outro alguém.

Com o passar dos dias – e então meses –, a família encontrada de Santana começou a reconhecer Neves como parte de quem eles eram, e estes, convivendo com mais frequência e assistindo o que se passava entre um um do outro, notaram junto aos próprios as mudanças em seus sentimentos. Kelvin e Ramiro então se viram desejando algo a mais, e ainda sem admitir em voz alta, imploraram em ações não planejadas outra vez: me ame.

Não foi fácil para os rapazes dar ouvidos para si mesmos no momento em que isso aconteceu – sabendo o que havia em seus próprios corações, mas incapazes de ver que era recíproco ou lidar com a ideia da permissão para assim se sentirem.

Impuseram, inconscientemente, uma distância segura em determinados momentos. Tentaram não ficar sozinhos um com o outro durante mais tempo do que era necessário, limitando seus diálogos e interações a frases cada vez menores, mas que sempre pareciam dizer mais. Quase falharam uma dezena de vezes. Foram e voltaram. Contudo, no fim das contas, acabaram derrotados, pois amavam, queriam ser amados, e a vontade de estarem naquilo juntos falava mais alto, se contorcendo tanto no interior de cada um que uma hora os venceu… Dentro de um carro, em um breve selar de lábios pela primeira vez.

Apesar dos desafios enfrentados, de cada briga, lágrima ou muro construído por si mesmos e por quem os cercava, apesar de palavras e ações que mesmo sem querer machucavam um ao outro, ainda havia algo maior pelo o que lutar. Havia o desejo de estarem próximos. Havia a vontade de nomear e possuir aquela emoção tão bela e brilhante. E em seus corações, quando finalmente disseram o que tinha que ser dito, não era necessário nada mais.

Diferentemente do que acreditavam, o mundo ao redor deles não mudou realmente quando as coisas por fim se ajeitaram em suas vidas, só se acomodaram, tornando os dias e noites no Naitandei convencionais e fazendo daquela cidade um espaço para viver de verdade. Os beijos e sorrisos mais calorosos, sem o medo ou a vergonha os perseguindo, eram apenas um acréscimo ao que já existia ali, e por essa razão deu certo – por isso e porque, no começo, todas as coisas sempre dão.

Fizeram funcionar durante o período que Neves passou preso, apesar da dificuldade e distância. Após o pedido de casamento e a cerimônia. Quando finalmente puderam se ver juntos outra vez. O relacionamento que haviam construído era perfeito para quem quisesse assisti-los de fora, e foi tudo tão simples a partir dali que um passo adiante não pareceu uma escolha perigosa quando o deram, apesar de ser.

Juntaram seus pertences, suas vontades e seus sonhos, acabando em uma casa pequena, ainda em Nova Primavera, mas que pertencia aos dois e a mais ninguém.

Ali, sob o mesmo teto, reconheceram de forma realista suas qualidades e defeitos, aceitaram cada um deles, e sentiram-se vitoriosos por isso. Todos diziam que a mudança era arriscada, mas o casal haviam se provado para o mundo de sua própria maneira mais de uma vez, jurando que continuariam fazendo.

As questões que tanto ignoravam eram, no entanto, os primeiros avisos de perigo. Tinham feito aquilo somente por si mesmos ou também pelos outros? Para mostrar que todos estavam errados e que um romance nascido em meio aos caos que viveram podia seguir, crescer e dar certo ou porque amavam-se sem começo, meio ou fim? Para mostrar que estavam prontos a qualquer momento? Prontos desde sempre? Bem… Se não faziam as perguntas, não tinham respostas, mas a ignorância nem sempre era uma benção e talvez, por esta razão, em algum ponto o relacionamento deixou de ser tão fácil.

De uma hora para a outra não eram mais manhãs completamente tranquilas, tardes equilibradas e preenchidas por sorrisos, noites passadas inteiramente no calor dos braços um do outro. Era também a irritação matutina, trabalhos estressantes ao longo de horas que afetavam seus humores, noites silenciosas nas quais tudo o que os dois desejavam era fechar os olhos e torcer para aquele dia terminar de uma vez por todas.

Ramiro não tinha onde buscar conselhos – os La Selva haviam sido o pouco que conheceu de uma família, uma que nunca fora sua ou boa –, mas Luana, em uma conversa sincera e um tanto quanto inesperada, disse para Kelvin que o momento pelo o qual passavam era normal, que eles encontrariam barreiras as quais pareceriam difíceis de ultrapassar, mas o amor faria valer a pena. Que conseguiriam lidar com as partes ruins, pois as partes boas sempre seriam mais do qualquer um deles poderia pedir.

Só que não valeu. Não foi assim. Ficou somente pior.

Os maus dias superaram todo o resto e as emoções falaram mais alto quando não deveriam, fazendo com que, em certa ocasião, a frase que os perseguia desde sempre acabasse alterada. Desta forma, quando tiveram a chance só pensavam em dizer: "Faça sua escolha de uma vez por todas: Me ame ou me deixe".

Só que não o fizeram. O erro de se calar vez ou outra os perseguia e os dois se esqueceram que, da última vez em que silenciaram suas emoções – me ame, me ame, me ame… eu te amo –, não suportaram mantê-las guardadas por muito tempo.

Era uma guerra silenciosa. Batalhas que travaram não apenas um contra o outro, mas contra si mesmos, e ambos estavam cientes de que não podiam simplesmente esperar que tudo funcionasse perfeitamente quando se viam pendurados por fios tão frágeis, mas ainda assim tentaram. Tentaram com tudo o que lhes restava, esgotando-se pouco a pouco, até serem um nada quando estavam juntos.

Não eram mais aqueles que foram um dia, ao cruzarem olhares entre as mesas do Naitandei pela primeira vez – um garoto ousado, mas de grande coração; um capataz quebrado que nunca sonhou com um amanhã –, nem as pessoas que trocaram um primeiro beijo tão singelo – mais conscientes de tudo o que começavam a querer para suas vidas, mas não do preço que precisariam pagar.

Muito diferentes para continuar fazendo funcionar, Ramiro pensava a cada nova discussão. Muito parecidos para continuar fazendo funcionar, Kelvin percebia sempre que chegavam ao fim de alguma delas.

E num dia particularmente complicado, após dizerem coisas que não queriam – “Isso não existe, você sempre quer dizer o que diz, mas nem sempre deve”, Zeza falaria para qualquer um deles, e se ele estava certo ou errado não era uma questão –, se deitaram sobre a mesma cama, de costas um para o outro, com a luz de uma pequena luminária criando uma faixa mais clara nos cobertores. Orgulhosos demais para dizer que sentiam muito. Feridos de maneira irreparável.

Sabiam que havia tantas coisas em suas cabeças que, se tentassem conversar mais uma vez, acabariam gritando de novo – com os gritos viriam mais palavras escolhidas para machucar, e com essas palavras se criaria um vazio ainda maior em seus corações. Kelvin não fechou os olhos por um segundo sequer e lágrimas quase silenciosas – de raiva e tristeza – foram enxugadas antes de chegarem a qualquer lugar; ao mesmo tempo, Ramiro apertou as pálpebras e controlou sua respiração o suficiente para fazer o outro acreditar que estava dormindo, não querendo vê-lo chorar.

Enquanto os ponteiros do relógio se moviam ao longo da madrugada, as palavras mudaram mais uma vez, parte delas perdendo-se como eles mesmos haviam se perdido. Em suas cabeças, suas próprias vozes diziam apenas: se for para ser para sempre desse jeito, me deixe.

Love Me or Leave MeOnde histórias criam vida. Descubra agora