Prólogo

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       O céu noturno estava limpo, sem sinal de nuvens, a lua cheia iluminava o grande salão real através das grandes janelas e das claraboias no teto. As pessoas naquele salão estavam agitadas, todos eles nobres apreciadores de carnificina e não de justiça. O rei dos lobos observava a agitação e as conversas paralelas com ar de superioridade. A agitação só cessou quando ele projetou sua voz sob as demais e disse em tom grave:

       — Tragam a prisioneira.

       Um dos guardas em frente a grande porta confirmou com a cabeça e abriu um lado ao mesmo tempo que o outro guarda abria o outro lado da porta. Soldados entraram arrastando pelos braços alguém que parecia muito fraco para lutar, mas ao mesmo tempo parecia ser perigoso, já que vinha com uma escolta de oito soldados, estando três na frente, três atrás e um segurando cada braço. Em seu pescoço tinha uma coleira feita especialmente para essa pessoa, com grossas correntes quase impossíveis de serem quebradas, que ligavam às algemas e tornozeleiras, dificultando ao prisioneiro andar normalmente.

       Quando chegaram na presença do rei os soldados jogaram a pessoa, como se fosse um saco de batatas, na frente da grande escadaria em frente ao trono do rei. A pessoa estava com a cabeça baixa, suja, machucada no corpo e principalmente na alma, seu corpo fedia tanto que os nobres do salão seguraram os narizes na tentativa de não senti-lo, embora não adiantasse muito. Seus olfatos apurados sempre iria potencializar os cheiros. O burburinho só silenciou quando o rei começou a falar:

       — Escute a sua sentença.

      A pessoa prisioneira, que estava de cabeça baixa, tentou endireitar-se para escutar o que o rei tinha a dizer. A fraqueza do seu corpo dificultava os seus movimentos, seu corpo todo doía em um nível que nem mesmo ela sabia que poderia existir, mas enfim ela conseguiu sentar em suas pernas, ainda de joelhos e de cabeça baixa para escutar a sentença:

     — Pelos seus crimes, te condeno a fogueira.

       O salão que estava em silêncio lentamente começou a ser preenchido pelos murmúrios baixos entre os nobres quando o condenado começou a rir baixinho, para si mesmo, fazendo os comentários cessarem imediatamente e despertando a ira do rei:

      — O que há de tão engraçado? Está questionando a minha decisão…’bruxa’? - o rei disse enfatizando a palavra bruxa, fazendo todos do salão tremerem de medo ao mencionar essa raça de seres poderosos e assustadores. O condenado então levantou a cabeça e todos puderam ver seu rosto, que apesar de magro e maltratado ainda era lindo. Ainda olhando para o chão, ela falou:

       — O que fiz de tão errado para merecer a pena de morte, caro rei? - sua voz era forte e ao mesmo tempo melodiosa. Seu meio sorriso que mostrava sua ironia com um toque de desprezo não passou despercebido ao rei, porém ela continuou - Será que o fato de ter ajudado o seu povo não diz nada? Ainda assim mereço morrer?

     — O que você fez pelo meu povo te permitiu ouvir a sua sentença diretamente de mim e não do carrasco.

       Enquanto o rei falava o que ele julgava serem motivos suficientes para matá-la, seu corpo fraco e mente esgotada não conseguia mais entender o que ele dizia. Seu falatório parecia mais murmúrios incoerentes. Ela estava exausta, seu corpo tremia de fome, frio e medo, mas sua mente estava alheia às sensações do seu corpo maltratado. Em um dado momento do discurso do rei, ela viu a esposa de um dos príncipes que estava grávida e pensou: ‘Será que essa criança também me odiará tanto quanto o seu povo?’ Esse pensamento a entristeceu e quando o rei terminou de falar chamou a atenção dela quase com um grito:

       — Você está me escutando, bruxa? Você entendeu o motivo da sua sentença? Não tenho obrigação alguma de te justificar nada, mas devido aos seus préstimos a esta alcateia, decidi abrir essa exceção.

       A jovem mulher então disse para que todos daquele salão pudessem escutar, com olhar insondável.

       — Que assim seja, então. - seu tom era calmo e assustador.

        O rei a observou com ódio e temor, porém apenas a jovem condenada percebeu, então ela completou, deixando todos confusos:

       — A morte não é o fim… - antes que ela pudesse completar a frase todo o salão explodiu e queimou até restar apenas o pó. E assim todos foram silenciados.

       Ao longe, o grande salão queimava como uma grande fogueira, iluminando ainda mais aquela noite enluarada.

Crônicas de um Imortal: Mensageiro Noturno.Onde histórias criam vida. Descubra agora