capítulo único

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Kelvin olhou para o anel dourado na mão direita, ele ainda sentia uma euforia louca sempre que seus olhos caiam na aliança, depois que Ramiro começou a trabalhar na cooperativa como faz tudo, o homem usou parte do primeiro salário para comprar uma aliança, mas ainda enrolava uma flor no anelar do ruivo todo dia 1º.

Se passaram 4 meses desde aquele dia, o primeiro do ano veio batizado com a melhor lembrança de todas, o baixinho ainda consegue ouvir o sussurro emocionado de Luana, e se lembra de como os olhos da amiga brilharam para ele, ele sentiu o mesmo quando viu um anel na mão da mulher, eles conseguiram encontrar um amor, um amor real e lindo.

A cumplicidade compartilhada pelo olhar entre os dois era algo que somente eles entendiam. Só os dois sabem o quanto o passado deixou cicatrizes e feridas mal curadas para trás, e só eles sabem o quanto esse amor alivia qualquer dor deixada. As outras meninas reagiram tão felizes quanto, mas havia algo naquele conforto e entendimento que só Kelvin e Luana compartilham, aquele mundinho seguro que foram para si durante tantos anos.

Kelvin ainda se lembra quando chegou, Luana tinha passado pela última cirurgia que fez recentemente, mas ainda assim estava de pé e foi a primeira a acolher ele depois de Cândida. Ao olhar nos olhos escuros da mais alta, Kelvin sentiu uma compreensão e um cuidado que só sentiu com sua avó.

A velha dona Santa, que sempre apoiou seus sonhos e desejos, que foi a única pessoa que não julgou Kelvin por fugir para dançar em um cabaré da cidade, a mais velha várias vezes sentava ao lado do neto depois de alguma surra que ele levou por suas fugas, onde Kelvin deitava no colo de dona Santa e contava sobre suas escapadas enquanto recebia um carinho suave no cabelo, ele sempre dormia no meio dos relatos e acordava no outro dia com cheiro de ervas grudado no corpo.

Sua avó esperava que o cansaço do dia e da coça que o pai deu o fizessem dormir, para então passar alguma pomada ou mistura de ervas de cura nos machucados do neto. Ela entrava e saía sem ser notada pela filha e pelo genro, e se perguntava todos os dias como sua filha era capaz de deixar o carrasco com quem se casou encostar no filho que tanto quis, que tanto pediu para Deus.

Kelvin veio depois de dois abortos da mãe, os médicos desiludiram a mulher sobre filhos, seu útero não era saudável o suficiente para gerar uma criança, mas Ananda rezava todos os dias pedindo que seu ventre fosse abençoado, mesmo que somente um milagre saísse de si, que ela fosse permitida a ter um filho. Por isso dona Santa nunca entendeu sua filha deixar o marido desprezível encostar na criança que tanto pediu para ser abençoada, a mais velha não entendia porque alguém pediria tanto um filho se não fosse capaz de ser mãe de verdade.

Kelvin se lembrava com dor da avó, ele foi embora com o dinheiro da passagem contado, a última vez que a viu foi quando a mais velha colocou disfarçado o pouco que tinha de economias para que o neto fugisse. Ele nunca mais falou com a mais velha, nunca conseguiu notícias, Odilon era do outro lado da família, não tinha contato real com a mais velha. Mas Kelvin nunca perguntou, ele sentia seu peito apertar sempre que pensava na falta de notícias, mas o primo nunca foi capaz de ser discreto e arrumaria problemas para a mais velha.

Ramiro observou Kelvin, viu o olhar empolgado se tornar emocionado, o ruivo sempre ficava eufórico e depois emotivo quando se lembrava que estava noivo. Mas o olhar emocionado se tornou distante, era como se Kelvin não estivesse mais conectado com o mundo, ele notou uma lágrima escorrer pela bochecha do baixinho, ele viu Iná se aproximar e abraçar o ruivo, tinha algo na dinâmica de Kelvin e das meninas que ele nunca entendeu realmente.

Era como uma bolha que o bar criou ao redor daquelas meninas e do ruivo, cada um tinha sua história, cada um tinha suas dores, suas cicatrizes, seus traumas e medos. Isso Ramiro entendia, ele também estava quebrado em muitos pontos, Kelvin ainda estava curando suas feridas abertas, era um processo lento, mas que funcionava baseado no amor. Mas o bar tinha um aspecto acolhedor para eles, era como se Cândida tivesse adotado cada um, tivesse acolhido cada história.

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