1 O Paraíso.

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Pov Autora

 
  

   No último dia do século XV, Jung Hoseok voltou do armazém mais cedo e encontrou sua mãe cuspindo sangue sobre os finos lençóis de cânhamo.

- Por que não mandou me chamar? - Pergunta preocupado com a mesma que tossia, arfava, como se tivesse engolido um gato. - Tente acalmar-se. Vou preparar o chá.

   Assoprou as brasas, colocou a pequena panela de ferro sobre o fogo, com água e duas baratas grandes dentro.
   A asma piorara muito nos últimos meses. Segundo o médico, quando ela começasse a cuspir sangue é porque o fim estaria próximo.
   As baratas ferveram, expelindo um caldo marrom. Encheu uma xícara com aquilo, e deu para a velha beber e sentir-se melhor.

- Veja se consegue dormir.

   Foi banhar-se no córrego atrás da casa. A tarde caía; a água estava gelada demais, mas sempre fazia isso depois do trabalho, no inverno ou no verão, mesmo quando precisava quebrar a fina camada de gelo para poder mergulhar. Por coisas assim, todos em Daechwita o julgavam meio doido. Jung Hoseok não se importava.
   No inverno de 1496, por exemplo, viu num sonho as águas do rio subindo, alagando toda a aldeia, arrastando casas e matando muita gente. Tentou convencer as pessoas, mas não lhe deram crédito. Comprou então grande histórias de cortiça, trocou por elas o alicerce do pequeno armazém da família e amarrou-o com grossas cordas de navegação ao gigantesco carvalho que brotava no centro da praça principal.
   Até nas regiões mais afastadas da Coreia vinha gente ver o armazém amarrado na árvore, todos riam e o chamavam de maluco, mas no começo da primavera o tempo esquentou de repente. Nas montanhas o gelo derreteu de pressa demais, os afluentes engrossaram e as águas subiram, subiram muito, arrastando casas e pessoas, matando muita gente.
   O armazém de Jung flutuou; não foi arrastado porque estava preso, e quando as águas baixaram, voltou quase ao mesmo lugar.
   Ganhou uma estranha popularidade, o armazém virou atração pública, a freguesia aumentou e os negócios prosperaram.
   Jung Hoseok e a mãe não podiam se queixar da sorte. Seu pai, deixara ao morrer uma quinta com parreiras produtivas, uma pocilga e um abatedouro.
A casa ficava no alto de uma pequena colina. Da varanda via-se o largo estuário do rio e, ao fundo, O misterioso Oceano Pacífico.
   O pequeno armazém no centro de Daechwita vendiam vinho e derivados de porco. Seu tinto roscante sua morcela eram famosos. A maioria levava-os para casa, mas havia duas pequenas mesas de Carvalho com banquinhos para os fregueses que quisessem matar o tempo olhando o movimento dos homens do mar.
   Um dos personagens estranhos que por ali apareceu, atraído pela fama do armazém que boiava, foi um tal de Kim Namjoon, um tipo de olhos fundos e escuros, muito alto e agitado, talvez até um pouco atrapalhado, sempre a olhar para um lado e para o outro como se temesse uma emboscada a qualquer momento. Dizia-se genro de um burguês letrado, influente na corte, amigo pessoal do rei Min Yoongi.
   Hoseok e kim Namjoon ficaram amigos e, durante o breve período que este permaneceu na aldeia, costumavam beber até a tarde dentro do armazém trancado.
   Namjoon era muito viajado, já esteve em várias feitorias na África e fascinava o jovem de 30 anos de idade, que nunca sairá da Coreia. Hoseok ouvia maravilhado os relatos de viagem, e sua imaginação ardente era uma terra fértil para o que o outro plantava.
   Foi Kim Namjoon quem contou para Hoseok, numa noite chuvosa, no interior do armazém, iluminados por um pequeno candeeiro, cercado de goteiras e tão confidentes 4 garrafas de vinho podem deixar dois homens, sobre a grande viagem que o rei Min, preparava. Uma viagem envolta em mistério. Soubera de tudo através de seu sogro, que participaria como escrivão para a feitoria do Brasil.

- Sairão dez naus e três navios. Dizem que vão para o Brasil, comercializar especiarias, marfim e seda. Sinceramente eu não acredito. - Diz Namjoon bebendo mais um gole de seu tinto.

- Por quê? Não seria novidade alguma. - Rebateu Jung.

- Meu sogro contou-me... não disse claramente, você sabe, a coroa pune com muito rigor a quebra de sigilo sobre os assuntos d'além-mar.

- Sei. - Mentiu Hoseok.

- Eu mesmo não deveria estar contando isso a você, mas... - Tornou a encher o seu copo. - ...o caso é que há coisas muito estranhas acontecendo. Por exemplo, essa esquadra tão grande importante será comandada por um navegador obscuro, um tal de Jeon Jungkook, enquanto as naus menores levaram nomes importantes como Kim Taehyung, Park Jimin, Kim Seokjin e Seo Changbin.

- ...

- É como se quisessem encobrir algo; o real objetivo da viagem, por exemplo. Há um segredo oficial em matéria de descobrimentos; isso é certo, precisamos nos cuidar como concorrentes... Obrigam os navegadores a graves juramentos e infligem castigos cruéis a quem dá com a língua nos dentes. Mas Pedro Gonçalves, afinal sou o pai de seus netos, ele me conta coisas. - Fala Kim com o ego grande como se isso fosse realmente um grande benefício para si.

- Sim? - Hoseok ainda não levava muito a sério o que o mesmo falava com tanta cautela.

- ...como a questão dos marcos de pedra.

- Como? - O jovem ainda não conseguia compreender muito bem das coisas que lhe eram ditas.

- Aqueles marcos que se usam para tomar posse das novas terras. - Explica direitinho para o menor.

- Ah.

- É de desconfiar. Uma armada tão grande com gente tão importante oficialmente não levar nenhum marco. Há muitos espiões lá no Brasil, principalmente no porto. Quando uma nau parte carregada de marcos de pedra todos sabem que irá em missão de guerra, ocupação e domínio de novas terras. Chama muita atenção. Pois o tal Jeon não levará nenhuma. Quer que fique claro que vai apenas ao Brasil tratar de comércio. Mas esse excesso de zelo... Ainda mais que Gonçalves contou-me: estão levando um único marco. Um só. Muito bem escondido. - Enquanto Kim contava tudo que sabia, a chuva aumentava lá fora.

- Se continuar desse jeito, daqui a pouco começamos a boiar. - Hoseok nem percebeu a piada que fez. Fazia um grande esforço para compreender aonde o outro queria chegar.

- Este rascante... - Continuou Namjoon. - Bom, deixemos de conversa... Meu sogro não me disse isso assim, as claras, mas sabe o que eu acho?

- Por favor. - Tudo que Jung queria era da um fim naquele assunto, mas cada vez ficava mais curioso sobre.

- É o Paraíso.

- Quê? - Se assusta, afinal, o que era isso?

- O Paraíso, homem. Os malditos descobriram onde fica o paraíso e vão lá tomar posse dele.

   Depois disso ambos beberam mais um pouco, e Namjoon havia ido embora logo em seguida, estava muito bêbado para continuar. Já Jung, foi para casa ficar com a sua mãe, logo o ano acabaria para inciar um novo, não podia perder essas, não sabia mais por quanto tempo sua mãe estaria presente.
   A última noite do século começou com o frio intenso. Hoseok colocou o pote de brasa junto à cama de sua mãe. Entraria o ano novo ali, ao lado dela.
   Havia uma grande festa na aldeia. Podia escutar o barulho ao longe.
   Colocou uma posta de bacalhau no prato, cercou-a com batatas cozidas, ensopou tudo no azeite e desceu ao porão para pegar uma garrafa de seu melhor rascante. Os porcos dormiam. Nem desconfiavam que um novo século se aproximava.
   Acabou de comer e levou o resto da garrafa para beber na varanda. Noite estrelada. Viam-se as luzes de Daechwita. Quando a meia-noite se aproximou, ouviu as comemorações. As pessoas, em Terra e no mar, despedia-se do século com tiros para o alto.
   Junto com as explosões, a tosse de sua mãe. Correu para o quarto. A mesma acabará de cuspir muito sangue e agora apoiava as costas no espaldar da cama, com a expressão serena. Segurou suas mãos magras com um pouco de dificuldade.

- Viu mãe? Sempre disse que queria estar viva na virada do século. Aí está. - Deu um sorriso fraco e triste.

   A velha sorriu, beijou o dorso da mão de seu único filho, deu um longo suspiro e fechou seus pequenos olhos cansados lentamente, até por fim, sua respiração parar.

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⏰ Última atualização: Jun 03 ⏰

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