0. DESEJO

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DESEJO

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AS ESTRELAS PARECIAM CINTILAR com maior intensidade quando ela olhava para elas. Como se a preparar um espetáculo apenas para os olhos da pequena criança escondida debaixo dos lençóis da sua cama, acordada bem para além da sua hora de dormir. Como se as estrelas, tão inalcançáveis, soubessem que as palavras que ela murmurava pela noite adentro eram dedicadas a elas, apenas a elas.

Olivia acreditava vivamente em tudo o que o seu pai lhe dizia. Todas as histórias que ele lhe contava quando a pequena criança não conseguia dormir ou depois de mais um desastre de visita por parte do médico. Urs Weitzman parecia ter sempre uma história pronta debaixo da sua língua, pronta para ser partilhada a cada segundo do dia. E Olivia ouvia todas elas com atenção, o seu olhar atento na figura austera do seu pai, o mesmo homem que apenas parecia feliz quando ao seu lado.

De todas as histórias partilhadas por Urs, de todos os mais vibrantes mundos imaginados e partilhados pelo seu pai, nada parecia fazer Olivia vibrar mais do que a história da infância dele. Dos dias passados no litoral da Alemanha, ele e o seu irmão sentados lado a lado no penhasco, o mar por baixo deles e a vastidão do universo ali, à frente deles. Do tempo em que ele realmente era feliz, antes das guerras, antes de uma Europa dividida e de um país que não parecia compreender que ninguém queria lutar por ele.

Urs sempre lhe dizia, enquanto encaravam o céu negro pela pequena janela do quarto de Olivia, que, quando realmente era feliz, ele tinha sonhos, tantos sonhos, que não sabia o que fazer com eles. Não sabia com quem partilhar os seus objetivos, nem se quer se alguma vez os iria atingir. Mas ele queria acreditar que sim. Que ia viajar pelo vasto mundo. Que iria encontrar o real amor da sua vida. Que iria ter uma vida repleta de amor, de paixão. Que iria ser feliz até ao dia da sua inevitável morte. Todos estes sonhos e ninguém com quem os partilhar.

Então, olhava para as estrelas e contava-lhes tudo o que alguma vez sonhou. Todas as suas ambições, todos os seus desejos. As estrelas eram o seu confidente e ele acreditava que elas iriam ajudá-lo.

Até que surgiu a guerra e as estrelas deixaram de brilhar.

Olivia era demasiado nova para compreender naquela altura. Era demasiado jovem para entender o desespero dos seus pais ou até mesmo o porquê de haver tão pouca comida à mesa. Para não falar do médico, aquela tão presente figura no seu dia-a-dia que ninguém lhe conseguia explicar concretamente o porquê de estar ali, sempre a examiná-la. Ou o facto de não poder sair de casa, de ir brincar com as outras crianças da sua rua, de ser feliz como elas enquanto faziam pequenos bonecos de neve no meio do Inverno. Olivia era uma criança que os seus pais decidiram manter na ignorância, ao menos por agora.

E, como qualquer criança, ela tinha demasiados sonhos para partilhar.

Naquela noite, depois de ouvir a televisão a ser desligada e os passos dos seus pais para o quarto ao lado, Olivia abriu um pouco a sua janela, mesmo atrás da cabeceira da sua cama, e encarou o céu estrelado. Sem nuvens, sem nada que impedisse de admirar o brilho tão intenso das estrelas, que a impedisse de falar com elas.

Nada a impediu de pedir aquele que, apenas mais tarde, se apercebeu que foi o pior desejo que alguma vez poderia ter pedido às estrelas.

"Eu apenas quero ser livre."

Khione | bucky barnesOnde histórias criam vida. Descubra agora