ÚLTIMOS SUSPIROS

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Na quietude do vilarejo, onde os sussurros do vento eram os únicos companheiros constantes, nasceu Lyaris

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Na quietude do vilarejo, onde os sussurros do vento eram os únicos companheiros constantes, nasceu Lyaris. Filho de uma escrava, cresceu com um brilho especial nos olhos castanhos profundos, uma beleza que o destacava e, muitas vezes, o colocava em situações complicadas. Seu comportamento afeminado atraía olhares e murmúrios, mas ele carregava sua dignidade com a mesma elegância de seus longos e cheios cabelos negros e grossos.

Enquanto crescia logo aprendeu que não deveria desrespeitar seu meistre, ou seria punido severamente. E antes de alcançar puberdade foi castrado, seus testículos arrancados fora com uma lamina fervente.

Assim acontecia com todos os escravos que nasciam sob tutela de seus meistres, mulheres tinham suas mamas cortadas e homens os testículos eram arrancados. E eles eram marcados como uma simples mercadoria.

Os que tinham mais  porte eram propícios serem soldados emaculados, e outros que eram inteligentes viravam criados e ensinados a falar línguas estrangeiras. E os que não tinham nada disso iam para o mercado de escravos. Mas Lyaris que possuía uma aparência agradável e o corpo parecido a de uma garota, logo chamou a atenção de uma madame proprietária de um bordel que o comprou e o vestiu de forma feminina

Aos 18 anos, sua existência tornou-se uma série de noites intermináveis e dias preenchidos com um vazio opressor. No entanto, mesmo nas circunstâncias mais difíceis, Lyaris encontrou maneiras de preservar sua humanidade, escondendo pequenos lampejos de esperança e amizade em seu coração

Uma noite, um visitante especial chegou ao bordel. Disfarçado, o príncipe Azhar buscava uma fuga das pressões da corte. Sua fama de bravura e liderança contrastava com a inquietação que ele sentia internamente. Quando os olhos de Azhar se encontraram com os de Lyaris, não houve faíscas de conexão, apenas a fria determinação de um homem acostumado a obter o que desejava.

- Venha- disse Azhar, sua voz carregada de autoridade e indiferença. Lyaris, com um olhar resignado, seguiu o príncipe até um dos quartos luxuosos. A opulência do ambiente era um contraste cruel com a frieza que emanava do homem à sua frente.

Azhar não buscava amor nem conexão, apenas um momento de prazer fugaz para afogar suas angústias. E Lyaris, como tantas outras vezes, estava lá para ser usado, um objeto de desejo em um jogo cruel de poder e ilusão.

Enquanto as horas avançavam e os suspiros da noite envolviam o ar carregado de promessas vazias, Lyaris sentia-se cada vez mais vazio por dentro. O toque do príncipe, antes tão esperado, agora era como uma chaga ardente em sua alma, marcando-o com a dor da rejeição e da solidão.

Cada carícia, cada palavra sussurrada ao seu ouvido, era um lembrete cruel de sua própria insignificância, uma prova de que, para alguém como Azhar, ele não passava de um brinquedo descartável, um objeto de prazer momentâneo.

Enquanto o príncipe se afundava em seus próprios demônios, Lyaris se afogava na amargura e na tristeza, suas lágrimas misturando-se com os gemidos abafados da noite. Ele queria gritar, queria rasgar aquela máscara de indiferença e mostrar ao mundo a dor que carregava em seu coração.

Mas ele permaneceu em silêncio, seus olhos brilhando desespero, enquanto o príncipe, satisfeito por ter usado mais um entre tantos, virava as costas e desaparecia na escuridão da noite.

Os dias seguintes foram uma névoa de dor e vergonha. A notícia do encontro com o príncipe se espalhou rapidamente pela capital, e logo chegou aos ouvidos dos conselheiros reais. A honra de Azhar estava em jogo, e um dos conselheiros instruiu ao príncipe que se Lyaris fizessea caminhada da vergonha poderia restaurar sua honra e demonstrar seu poder.

Para aqueles que duvidaram de sua reivindicação ao trono. O sacerdote real disse a Lyaris que se ele arrepender-se de seus pecados e conseguisse sobreviver a caminhada inteira ele seria dissolvido de seus pecados aos olhos dos deuses.

Enquanto o sol dava suas primeiras raios prematuras, garoto foi levado ate os Portões dos Deuses. Nu e amarrado.

- Caminhe Lyaris e vc pagara todos seus pecados de sodomia - o velho exclamou em alto e bom som. - Pague seus pecados sob os olhos dos Deuses

Ele deu o primeiro passo, talvez ele pudesse ser livre se conseguisse sobreviver...talvez talvez apenas talvez ele pudesse sair daquele bordel e deixar a capital.

A multidão o cercava como abutres ávidos por sua dor, olhares de desprezo e satisfação perfurando sua alma mais do que qualquer chicote. Cada passo era um suplício, não só pela dor física dos açoites, mas pela humilhação nauseante de ter suas cicatrizes expostas ao mundo, como feridas abertas para todos verem. As palavras maldosas e os risos cruéis ecoavam em seus ouvidos, cada insulto cortando mais fundo do que qualquer lâmina.

Lyaris lutava para manter a cabeça erguida, para mostrar ao mundo que ainda possuía uma centelha de dignidade. Mas era uma batalha perdida desde o início, pois a multidão não via um ser humano, apenas um objeto de sua aversão e desprezo. Sentia-se sujo, contaminado pela sujeira que lhe era lançada, pela comida estragada e fezes que manchava sua pele e sua alma.

Seus olhos ardiam com as lágrimas que se misturavam com o suor e o sangue, mas ele se recusava a deixar que a multidão visse sua fraqueza. Ele era Lyaris, o afeminado vendido como mercadoria, mas ainda assim, um homem de dignidade inabalável.

No meio da turba ensandecida, sua força finalmente cedeu. Seu corpo frágil e exausto não suportava mais o peso da dor e da humilhação. Ele caiu de joelhos, o impacto enviando ondas de agonia por todo o seu ser. Enquanto a multidão rugia ao seu redor, ele ergueu os olhos para o céu, sua visão embaçada capturando apenas um vislumbre do azul infinito.

E então, em um último suspiro de esperança e desespero, Lyaris fechou os olhos. Não houve grito de dor, apenas um suspiro silencioso que se perdeu na cacofonia da multidão. Sua morte foi silenciosa, como sua vida, mas sua memória ecoaria nos corações daqueles que ousavam sonhar com um mundo onde o amor e a compaixão triunfariam sobre o ódio e a crueldade.

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