O apitar do trem me acordou em súbito, já era a manhã do segundo dia de viagem, parecia que não iria chegar nunca, mas ali eu estava diante da última parada desta linha. Ao descer as escadas do vagão em direção ao bagageiro, a brisa gelada encontrou meu rosto, o inverno com certeza havia chegado, apesar do céu radiante livre de quaisquer nuvens, o sol era gelado e banhava com uma luz branca os cedros que limitavam o outro lado dos trilhos. A fumaça do carvão dominava a plataforma enquanto os passageiros saíam em montes. Quando consegui alcançar minhas malas me virei para ir em direção a saída, e segui para onde encontrar um táxi que conseguisse me levar até meu destino. Foi quando avistei um senhor, baixinho, parecia ter algo entorno de 50 anos, e se apoiava na porta do passageiro de um carro amarelado com uma placa aparentemente antiga escrita "TÁXI". Exatamente o que eu precisava, me aproximei e cumprimentei
- Olá, bom dia
- Bom dia, está buscando por uma viagem jovem? - bem na mosca - Sim, exatamente isso, quero ir para a Dusksmith Mansion.
Ele me examinou com os olhos, de cima a baixo, quando respirou profundamente e disse
- Tem certeza? - Não entendi o porquê do questionamento, mas confirmei com a cabeça.
- Bom, então pode me entregar suas malas que as guardarei no porta-malas, e você pode se acomodar no carro.
- Tudo bem.
Demos partida na viagem, enquanto eu observava a cidade pacata que decorava o cenário a beira da estrada, algumas casas e um centro como qualquer outro de interior, uma igreja no meio de uma praça envolta em alguns comércios e restaurantes. Até que um bosque absorveu toda a paisagem, as árvores sem folhagem faziam ali parecer um deserto de morte. A viagem seguiu estranha, ele não tirava os olhos de mim pelo retrovisor, a não ser quando eu olhava e ele desviava o olhar. Os portões principais da propriedade estavam abertos e eram altos, de grade recurvada em detalhes, pilastras de tijolos de pedra com musgos aparentes, além de um letreiro em hipérbole onde o "k" pendia prestes a cair. A estrada de pedregulhos seguia pelo bosque, onde se abria diante de uma casarão gigantesco com duas torres que se estendiam como espectros no céu. A porta de entrada parecia de um castelo medieval e deparava-se com uma rotatória onde no meio uma fonte se erguia. O táxi parou diante da porta, e quando desci ele já havia até pego minhas malas, as entregou, e voltou de pressa para o carro que não desligara. Antes de partir, virou-se para mim e disse com um olhar preocupado - Boa sorte - e arrancou com o carro em direção ao portão principal. Achei estranho, resolvi não levar em consideração.
Fiquei um tempo admirando a magnitude da casa, três andares, janelas por todas as partes, o telhado pontiagudo emoldurava na parede um vitral arredondado cujas repartições imitavam a uma teia de aranhas. as paredes de pedras envelhecidas serviam de base para uma trepadeira que se alastrou por toda uma lateral da casa. A varanda se estendia em L desde a porta até o final da lateral direita. Quando lembrei-me de que deveria entrar, vasculhei minha bolsa em busca das chaves, um molho que parecia segurar centenas de chaves, mas dentre elas uma única chave se destacava, não só pelo tamanho, mas também pelo padrão de cruz gótica que sua base fora escavada. Testei, e após aplicar alguma força, a fechadura cedeu e rodou. A porta ruía ao abrir, ecoava pelo salão que agora era banhado pela luz, uma escadaria que se abria no final para o segundo andar, o piso de mármore branco, as mobilias antigas, os milhares de quadros que se espalhavam pelas paredes de madeira escura, mas o que chamou minha atenção foi o gigantesco candelabro que pendia do teto que se estendia a escuridão, tão alto que a luz era quase incapaz de delinear as abóbadas.
Meus passos estalavam no piso e o som percorria todo o salão, fui a mesa mais próxima que achei onde larguei minhas malas e saí pela casa apenas com um livro em minha mão, onde minha tia havia deixado instruções. Buscava pelo quadro de luz da residência, que segundo o livro se encontrava na sala de máquinas, segui em direção a cozinha, por trás da escadaria se encontravam duas portas de correr que se abriam como um portão, entregando uma vista para um salão de jantar magnânimo, uma mesa de mais de 30 lugares se estendia até o final, as cadeiras de mogno contrastava com o piso. Os janelões na parede final davam vista para a parte de trás da propriedade, cobertos por cortinas pesadas. Na parede esquerda se destacava uma lareira de pedra, que se encontrava perfeitamente alinhada com meio da mesa. Apesar das grandes janelas e o teto mais baixo do que o resto da casa, a luz criava três feixos em direção ao chão e grande parte do salão se mantinha na penumbra.
Ao canto direto próximo as janelas, uma porta pequena, comparada a magnitude da casa, se destacava, ao abrir me encontrei com a cozinha, ampla, clara, de pedra polida e com armários brancos, duas geladeiras se erguiam ao lado de uma porta que dava acesso ao gramado direito, em frente a ilha da cozinha, na parede interna, uma porta de ferro com aberturas para respiro, era a sala de maquinas, não tinha muita coisa a não ser uma caldeira do sistema de aquecimento, algumas ferramentas guardadas e o quadro de luz.
Liguei quase todos os disjuntores, exceto um, com uma fita vermelha, o qual fui orientado a não ligar. Voltando em direção ao salão uma coisa a esquerda da porta do salão de jantar chamou minha atenção, um portal pontiagudo de madeira, que dava acesso a um salão com a quina arredondada, quina essa que se erguia em janelas até o limite do teto, acompanhado de uma mesa redonda consideravelmente grande, além de inúmeras prateleiras que também mantinham a altura padrão da mansão, livros de todos os tipos, alguns pareciam relíquias e exclusividades que só se encontrava em museus.
Quando fui a pegar um dos livros, ouvi o arrastar de pneus no cascalho da entrada. Três carros pretos e imponentes estacionavam, o do meio, mais comprido e com uma decoração de prata na beira do capô, de onde saí um homem de terno e com uma escuta no ouvido, segue a porta traseira a qual abre com cautela. De longe pude ver, os scarpin de solado vermelho, a perna branca coberta por uma meia calça preta, uma saia de alfaiataria perfeitamente alinhada e recém passada, o blazer acompanhava os recortes do corpo, e a emblemática bolsa dior que se destacava, apesar da cor tão profunda quanto o resto das roupas, o anel de diamante aparecia como um sol em sua mão esguia ao apoiar-se na porta para se erguer. Assim que o sol chegou a seu rosto, o cabelo preto, como o meu, sugava toda a luz, os olhos verdes como esmeraldas, e as linhas finas davam referência de idade.
A voz meio rouca ressoou com veemência
- Rider, sobrinho, você já chegou, como foi a viagem?
- Foi boa, até, achei que a senhora iria demorar mais.
- Senhora está no céu meu filho! Sabe que pode me chamar pelo nome.
- Desculpa, tia Cristina, melhor?
- Definitivamente, agora vem aqui e me abrace - abracei a ela e seguimos para dentro da casa.
- Leve os pertences dele para as acomodações - disse ela a um dos funcionários
- Quantos anos tem essa casa? Parece antiga. - perguntei no intuito de quebrar o silêncio
- Ora, a mansão existe a gerações em nossa família, dizem que a construção foi finalizada em 1774, mas tem quem diga que o terreno pertence aos Dusksmith desde 1300.
- Interessante, me pego pensando quanta história e pessoas passaram por aqui. - eu disse
- Sim, mas agora vamos ao o que interessa e a faculdade, começa quando? Já sabe se vai ficar no campus ou aqui? E os amigos já tem algum? Alguma namoradinha ha ha? - minha tia me bombardeava de perguntas, mas eu só conseguia pensar nas partes ainda secretas da casa.
- As aulas começam amanhã, não tenho ideia de nada além disso.
- Ah okay, bem venha comigo, vamos tomar um chá - ela me guiou em direção as escadas, as quais eram cobertas por um tapete grosso cor de sangue, ao final das escadas havia um pequeno salão cruzado por um corredor, e em frente a escadaria existia uma varanda, sem acesso exterior, apenas um pendente de vidro, com duas poltronas, que por sinal eram extremamente confortáveis, além de uma mesa de chá com um telefone em cima. Nós sentamos e a vista me hipnotizou imediatamente, o gramado se estendia até um lago que era rodeado por bétulas, algo se destacava, uma estufa de vidro esverdeado em formato de cruz. Quando meu olho desviava para buscar outro atrativo, vi perifericamente minha tia se inclinando em direção ao telefone, o qual pegou o gancho, discou apenas um botão e depois de alguns instantes ordenou.
- Me traga duas xícaras de chá preto e alguns aperitivos. - o modo de pedir me surpreendeu, nunca imaginaria que a casa mantinha um sistema de telefone para ordenar os funcionários.
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Apollo's poetry
Mystery / ThrillerUm romance que ultrapassa as barreiras terrenas, se é que me entende