1 // Kumbaya

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EUROPA CENTRAL

Os pássaros cantavam lá fora e a conversa alta vinda da rua distraía um pouco o som da TV, mas Randy conseguia prestar atenção na tela. Seu prato estava voltado para ela na mesinha de centro, agora vazio, junto com um copo meio cheio de suco de maçã. Devia passar do meio-dia enquanto ela se divertia muito, deitada naquele sofá velho e sujo, assistindo a algum programa tcheco aleatório. E por "divertir", ela secretamente queria dizer que estava entediada como pra caralho. Acompanhar Jack Ryan nem estava na lista das piores coisas que poderiam ter acontecido com ela dadas as circunstâncias, aliás; ela está bem ciente disso — visto que sua vida estava em risco e ele estava apenas lá para protegê-la — mas, caramba, aquela TV a cabo era uma merda. As coisas que ela fazia pra deixar Jim mais calmo.

Embora a garota não concordasse com suas táticas para fazer isso, óbvio, porém Johnson simplesmente sabia que era melhor não discutir com Greer. Depois que ela começou a irritá-lo com sua insistência em usar as informações que adquiriu e ele realmente a levou a sério, ficou perceptível que o homem passou a se autoconsiderar uma figura paterna, já que ela era uma novata no departamento de missões. E Randy simplesmente deixou que ele se sentisse assim. Estar longe da família sempre afetou o cara e, ao contrário da crença popular, ela não era a vadia fria que todos achavam que ela era. Não sempre, pelo menos.

— Tá assistindo o quê? — Jack fita-a espalhada no sofá, tentando controlar seu aborrecimento e falhando miseravelmente. Sua voz sugere que ele está muito afetado pelo fato de a própria Randy não parecer perturbada pela situação atual.

Presos naquele buraco há seis horas, ambos permaneciam sem saber onde estavam com a missão depois que a organização obscura do momento — como Johnson gostava de chamar — invadiu seus quartos de hotel e os expulsou da cidade. E apesar de não considerar exatamente a capital da República Tcheca sob uma ameaça terrorista como sua ideia de férias, de certo ainda era melhor do que ter de partilhar agora uma kitchenette suja nos subúrbios de Praga com a mulher mais insuportável que ele já conheceu. Jack percebeu as discrepâncias na forma como eles faziam seu trabalho desde o início e dizer que não estava satisfeito com o trabalho dela era um eufemismo. Sua suposta inteligência os levou àquele lugar e sua negligência acima de tudo o incomodava profundamente. Isso e o sarcasmo sempre presente. Ele se perguntava como diabos aquele personagem sequer chegou à agência. Ela deveria estar fazendo algo em publicidade, isso sim.

— Um programa de TV sobre pessoas comuns querendo se tornar influenciadores, muito interessante. — Johnson responde naquele mesmo tom sarcástico, com um sorriso quase doce. A boca de Ryan se move como se ele fosse dizer alguma coisa, mas decide não fazê-lo. Ele tem coisas melhores para fazer do que discutir com uma pirralha. Jack encara os olhos verdes dela e suspira, voltando para a tela do computador, e Randy bufa: — Bem que o Jim falou que você não gosta de ter pessoas por perto. — seus pés se movem para frente e para trás enquanto ela o observa digitar. — Eu sou tipo você nesse aspecto, sabia? — diminuindo a distância entre eles, ela tira algo da pálpebra do rapaz com cuidado, e fica claro que ele não esperava por isso, tamanha é a tensão em seu semblante. — Então, foi mal. Não quero tá aqui mais do que você, acredite, mas você conhece o Greer.

— Sério? — Jack pisca, examinando o rosto dela de cima a baixo comcerta ironia. — Nesse caso, você está livre pra ir embora quando quiser. — Johnson dá uma risada gostosa, contrastando com o comportamento impassível dele. 

— Você tem senso de humor, Jackie! Tenho que admitir. — ela dá de ombros e sorri, com certo drama em sua voz. — E respondendo à sua pergunta: talvez eu tente, mas acho que não sou habilidosa o suficiente pra ser mais esperta que um fuzileiro naval, infelizmente. — Jack desvia o olhar, ainda digitando mecanicamente no teclado. 

— Você parece uma fã.

— Bem que você queria. — suas orbes brilham com travessura e ela se senta um pouco mais ereta para fazer uma pose jocosa. — Eu não me importaria de aprender alguns golpes, adoraria dar uma surra em alguém. Aposto que consigo te dar uma, grandalhão. — Ryan ri baixinho, contra sua vontade. 

Era surreal pra ele, essa garota. 

— Você certamente tem um jeito... único. — ele afirma sem rodeios, erguendo as sobrancelhas enquanto fecha o laptop e o coloca na mesinha ao lado. — Não parece alguém da Logística. — Randy acena com a cabeça, cruzando as pernas com uma expressão presunçosa. 

— Não recebi o memorando antes de aceitar o emprego, eu acho.

— É.

— Ah, relaxa! — ela se senta e se recosta no sofá, sua atenção voltada para o programa em execução em segundo plano por um segundo. — A gente vai ficar aqui por um bom tempo, pelo que parece. É melhor já darmos as mãos e começarmos a cantar Kumbaya. — Jack balança a cabeça levemente, seu rosto ficando mais sério. 

— Você precisa se concentrar na missão, Johnson. Isso não é um jogo.

— Claro que não, papai. — ela ri, passando a mão preguiçosamente pelo cabelo curto. — Você fala como se fosse a sua cabeça que aqueles filhos da puta querem.

— E eles querem, também. — Ryan franze a testa. Esse é o comportamento que ele não gosta. — Eu sugiro que você esqueça o próprio umbigo o mais rápido possível. Muitas pessoas já morreram por sua causa. — embora as palavras cutuquem, Randy mantém seu humor descontraído.

— Então é por isso que cê está se comportando como um idiota desde que pousamos, só tá preocupado com a própria pele? — ela move as sobrancelhas, arrumando alguns fios loiros suavemente e estalando a língua. — E eu aqui pensando que você só não gostava de mim...

— Não tenho tempo pra isso. — Jack murmura para si mesmo e deixa o local, fechando a porta do quarto silenciosamente.

Johnson soltou um grunhido baixo, assistindo ao vencedor do episódio comemorar na tela. Ela sabia que Ryan não estava fazendo nada além de seu dever, é claro, no entanto era estranhamente decepcionante que ele, de todo mundo, parecesse julgá-la tanto por suas atitudes até aquele ponto. Randy agiu pelas costas de seus superiores para vasculhar as informações que agora ameaçavam sua própria segurança, claro, mas quantas vezes ele fez a mesma coisa? De qualquer forma, discutir com ele era apenas mostrar que ela se importava com a sua opinião — o que não era verdade, só pra constar. 

Aquela programação era uma droga e ela continuava entediada, de todo modo. Com um suspiro pesado, a garota se levantou para desligar a TV quando um som fez seus ouvidos arrepiarem. Ela franziu a testa, inspecionando o espaço vazio. Algo caiu no chão com um barulho alto na outra sala e Randy deu um passo para trás.

— Jack? — ela chama, sem obter resposta.

Seus pés se moveram em direção à porta dele, que abriu com um baque bem diante de seus olhos, fazendo-a se afastar por reflexo quando dois homens ensanguentados foram jogados no chão junto com ela. Sem tempo para processar o que estava acontecendo, Ryan a pegou pelo braço e a arrastou para fora do apartamento sem delicadeza alguma. Eles desceram as escadas correndo enquanto ele engatilhava a arma e sussurrava algo ininteligível. Ela agarrou seu antebraço quando outras duas figuras encapuzadas começaram a se aproximar. Jack rapidamente se livrou dos agressores e lançou uma olhada para Randy antes de puxá-la para fora do prédio e colocá-la em um carro.

— Dirige. — ele comanda, mantendo os olhos para trás, à espreita de mais perseguidores. Ela obedece sem pensar duas vezes, pisando no acelerador com toda sua força. 

Johnson segura o volante firmemente e murmura, com a respiração trêmula:

— Que porra tá acontecendo, Jack? Fala comigo. — Ryan se prepara enquanto eles fazem uma curva brusca, um filete de sangue escorrendo de sua sobrancelha. 

— Eles nos encontraram de novo.

— E eu deveria saber o que isso significa? — Randy engasga quando uma picape aparece do nada, atirando neles sem parar. Ela dá meia-volta e pisa no pedal, seus olhos grudados no retrovisor. — Como foi que isso aconteceu?

— Não sei, só dirige! — Jack abaixa a janela e dispara toda a munição no veículo que ainda está atrás deles. Ele volta ao seu lugar e recarrega a pistola, olhando para frente. — Precisamos ir pra Embaixada.

— Certo.

PRAGUE GETAWAY | 𝐣𝐚𝐜𝐤 𝐫𝐲𝐚𝐧Onde histórias criam vida. Descubra agora