Paraíso na Noite

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Merda. 

Tô fudido, todo vomitado. Apaguei por alguns minutos, estou sentado em cima desse vaso sanitário imundo, uma garrafa de 51 no chão, o pau de fora. Que merda que eu estava fazendo? Não consigo lembrar. Bebi pra caralho, pra caralho mesmo, disso eu sei. Essa garrafa aí é só uma pequena amostra do espetáculo. Sinto um forte gosto de vodka e ele está ressecando na minha garganta. 

Puxo um cigarro e acendo. A nicotina faz o seu serviço e preenche meus pulmões de prazer. Observo minha camisa, ela está uma desgraça. Está cheia de uma papa amarela e nojenta com nacos de alguma coisa que estava no meu estômago. Me sinto um pedaço de lixo, e eu amo essa sensação. 
Lá fora, o rock estourando. A banda cover de Three Days Grace está fazendo um barulho, um barulho foda, ouço a galera cantando em coro o refrão da música Pain.

“Pain, without love
Pain, I cant get enough
Pain, I like it rough
‘Cause I'd rather feel pain tan nothing at all”

Me levanto, ainda estou bêbado. Coloco o pau pra dentro das calças, encaro minha camisa com nojo, tiro e deixo jogado ao lado do vaso. Pego a garra de 51 e abro a porta do boxe sanitário, dando alguns passos na área de circulação. Estou sozinho, me encaro no grande espelho fixo da parede.

— Como tu é feio — digo.

Um corpo magro e escuro, com uma tira de pelos sobre a barriga, há mais pelo sobre o peito. Um rosto magro, orelha grande com alargadores, um cavanhaque e um cabelo crespo ereto, máquina baixa socada nas laterais. 
Me aproximo do espelho e me encaro de perto, estou acostumado com esses olhos verdes, existe um aspecto perdido neles, maculado pelas tantas, incessantes, porradas e desilusões dessa vida. 

Dou um sorriso, reparo no canino faltante, outra de minhas marcas registradas. Perdi durante uma briga. Foi um murro cheio que espalhou meu sangue pelo ar. Caí no chão atordoado, caí de joelhos, e recebi uma bicuda que me levou à lona. Tempo depois, quando já estava acordado, conferi no retrovisor de um carro e ali estava aquele buraco.

Ouço alguém abrindo a porta do banheiro, se trata de um gordão com a cabeça raspada, o cara é alto pra caralho, veste uma camisa do Led Zeppelin e um short jeans manchado. Viro o rosto para ele e faço um sinal com a cabeça, o gordão corresponde fazendo outro. Retorno para o espelho a minha frente, retorno para a miséria que sou. Ligo a torneira, lavo a cara, encho a boca com um pouco de água e cuspo ela em seguida, só queria aliviar o gosto de vômito emprenhado em minha boca. Encho de água de novo, mas dessa vez, bebo. Um gole. Levo a boca até a torneira e permaneço alguns segundos enquanto encho minha barriga de água. Termino, me afasto e fecho o registro. Me encaro uma última vez, franzindo o cenho, e digo: 

— É, meu amigo. Foi o que Deus te deu.

Caminho até a saída do banheiro enquanto o gordão esvazia o saco no mictório. Saio pela porta, dando num corredor estreito, há uma área maior a céu aberto onde uma galera bebe, fuma e joga conversa fora, foco em duas garotas vestidas de preto que estão conversando no início do corredor, caminho para o meu retorno à zona, observo as garotas, uma delas é baixinha, loira e usa chiquinhas, a outra é uma gigante, magra, de cabelos negros curtos e uma blusa que se detém acima, exibindo sua barriga magra e definida. A loirinha fala e gesticula sem parar enquanto a grandona traga um cigarro e move a cabeça para cima e para baixo com aparente desinteresse. As duas viram a cabeça e me observam, estou a alguma distância, a primeira usa seus dois olhos e oferece uma piscada analítica, a segunda, uma expressão séria e metálica. Não perdem muito tempo, logo retornam a conversa. 

Passo por elas e dou uma última olhada, foco na altona, que devolve o olhar… ele ainda é sério e metálico, mas noto uma certa intensidade. É quando vejo um sorrisinho debochado, canalha, com ar de superioridade. Que mulher gostosa, meu chapa. Sigo meu caminho, lamentando cada um dos passos que me afastam daquela beldade de abdômen definido. Não é pra mim, simplesmente não é. Eu conheço meus limites, conheço onde posso chegar. Esse tipo de mulher não é pra mim. Está longe do meu alcance, e eu prefiro passar mal desejando do que sendo pisoteado. 

Cemitério dos AlcoólicosOnde histórias criam vida. Descubra agora