Boubela

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Quando adolescente, gostava muito de plantas. Eu tinha minha horta, e cuidava muito bem dela; colhia, plantava e regava com zelo, e era como um grande alívio, um banho fresco na minh’alma.

Mas naquela horta, faltava algo: a beleza. É claro; cebolinhas, alfaces e couves não têm obrigação de serem graciosas, e ninguém pode exigir pétalas de um pé de quiabo. Ainda assim, estava insatisfeito, e decidi enfeitar algum canto da casa com flores e plantinhas mais formosas.

***

Meu quarto tinha uma janela longa, mais ou menos dois metros de comprimento, fechada por duas camadas: uma de madeira; e uma de vidro. Ao abrir-se a primeira – a de madeira – via-se um vasto céu, casas baixas de telhados belos como uma multidão de singelos origamis; montanhas distantes e misteriosas à esquerda; uma rica e biodiversa floresta à frente, na borda da cidade; e à esquerda, longínqua e silenciosa, uma extensa praia azulada. Ao abrir-se a segunda – a de vidro –, sentia-se a brisa fresca e limpa, a luz delicada do sol fechando olhos e abrindo sorrisos, e também o som pacato e tímido de uma cidade onde não havia muitos problemas a perturbar seus habitantes.

Essa vista parecia pedir um enfeite, como a moldura de um lindo quadro cuja arte exalta a beleza do mundo, a lindeza da vida. Decidi, então, montar ali uma longa calha percorrendo todo a parte externa do parapeito, e comecei meu microcosmos de jardinzinho.

Plantei um girassol, plantei uma rosa canina, enfim, preenchi a calha com toda raça de flor, e terminei a obra preparando uma orquídea que enfeitasse as laterais. A princípio não era muito agradável, mas desde cedo aprendi a ter paciência; reguei-a todos os dias, adubei, fiz o que pude para manter e acelerar o progresso. Minha mãe ficava orgulhosa da minha dedicação, e incentivava meu esforço. 

***

Depois de seis meses, mesmo que nem todas elas houvessem atingido a estatura máxima, meu jardinzinho estava colorido e saudável. Eu acordava pela manhã, escancarava a janela e contemplava como as coisas harmonizavam entre si, qualquer fosse o clima. Num dia ensolarado, as flores cantavam alegres, radiantes; num dia chuvoso, elas sussurravam palavras de esperança. Eram minhas amigas; uma delas, da corola vermelha, chamei de Arthur, como chamava um peixinho de estimação que tive quando mais novo. Segui afetuoso com meu jardim, e olhava orgulhoso para o alto quando passava na calçada de casa.

Certo dia, deixei ali umas cascas de frutas picadas para fertilizar o solo. Tendo-o feito, sentei à minha escrivaninha para desenhar. Fiquei ali, flutuando em minha cabeça, imaginando mil cousas como sempre fiz. Ah, como era bom ter paz em meu mundo, sem preocupar-me com o que viria. Sentia-me preparado para tudo, e nada ameaçava meu imo.

Naquela mesma tarde, quando já sombreava o desenho, ouvi umas batidas no vidro da janela. Virei-me e vi, atrás do vidro, um passarinho. Com os pezinhos na calha, bicava sutilmente os estalinhos inofensivos. Era um pássaro pequenino, bem pequenino. Seu rostinho amarelo, sua penugem de pontas pretas, não era muito atraente. Tinha, sobre a cabeça, penas sembrando uma desordem, como um cabelo que não foi penteado pela manhã. Apesar de ser chamativo e um tanto interessante, não era tão belo quanto uma andorinha, nem tão fofo quanto um caneleiro. Era uma boubela; a mais simples e banal entre elas.

Abri a janela de vidro, e ela me olhou enérgica e alegre:

“Que jardinzinho bonito, meu bonito!”, disse, desajeitada.

  “Obrigado.”

  “Posso comer uma casquinha de banana?”

  “Fique à vontade”, permiti, indiferente; “só não arranque as raízes.”

Boubela - [CONTO]Onde histórias criam vida. Descubra agora