O Início

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Amália tinha 14 anos e a vida para ela era uma constante oscilação entre a rotina monótona da escola e os momentos de introspecção no seu quarto. A sua casa, uma moradia modesta no subúrbio, tornou-se um lugar de novas emoções e desafios desde que a sua mãe, Catarina, se casara novamente, Miguel, um homem gentil e bem-humorado que trouxe consigo a sua própria família para a já dinâmica vida de Amália.

Entre as adições à nova família estava João, o irmão mais novo de Miguel, um jovem de 20 anos que estudava Engenharia na universidade e que, por acaso, era a nova paixoneta de Amália. João era tudo o que ela imaginava num rapaz mais velho: inteligente, calmo e, aos olhos dela, incrivelmente bonito. Contudo, João via Amália como uma miúda simpática, filha da sua cunhada, sem qualquer noção dos sentimentos que ela nutria por ele.

Durante os primeiros meses após a fusão das famílias, Amália mal conseguia encarar João. Sentia o rosto arder e as palavras a desaparecerem quando ele estava por perto. No entanto, a sua determinação juvenil e a necessidade de se sentir mais próxima dele começaram a dar-lhe coragem para pelo menos trocar algumas palavras com ele.

Foi num desses fins de tarde preguiçosos, enquanto a família se reunia para um churrasco no quintal, que Amália viu a oportunidade de se aproximar de João. Ele estava encostado a uma árvore, mexendo no telemóvel, aparentemente alheio ao que se passava à sua volta. Amália pegou numa raquete de badminton, um desporto que ela adorava, e começou a bater levemente no volante, observando João de soslaio.

"Ei, João, queres jogar um pouco de badminton?" perguntou ela, tentando soar casual, mas com o coração aos pulos.

João levantou os olhos do telemóvel e olhou para Amália com um leve sorriso. "Eu? Claro, por que não?"

Amália quase não acreditou na sua sorte. Entregou-lhe uma raquete e foi buscar outra para si. Ajeitaram-se no pequeno gramado, com Amália tentando controlar o entusiasmo.

"Então, sabes jogar bem?" perguntou João, girando a raquete nas mãos.

"Sei um pouco", respondeu Amália, tentando parecer descontraída. "Nada de profissional, mas acho que posso dar-te luta."

"Vamos ver então", disse João, lançando o volante ao ar com um pequeno golpe.

Amália conseguiu devolver a jogada, começando uma troca lenta e descontraída. A princípio, o jogo foi marcado por silêncios tímidos e algumas risadas nervosas de Amália sempre que errava um golpe fácil.

"És boa nisso", comentou João, após alguns minutos.

"Obrigada", disse Amália, corando ligeiramente. "E tu, jogas outras coisas, além de badminton?"

"Sim, gosto de futebol e às vezes jogo ténis com amigos. E tu? Além do badminton, o que gostas de fazer?"

"Gosto de ouvir música e escrever", respondeu Amália. "E ler. Gosto muito de ler."

"Interessante", disse João, parecendo genuinamente interessado. "O que estás a ler agora?"

"Um livro de Drama/biográfico. É sobre uma rapariga órfã que é separada dos irmãos e entra num comboio cheio de órfãos que vai descendo nas suas paragens/famílias, mas ela não tem muita sorte nas dela", explicou Amália, sentindo-se mais à vontade.

"Biografico, hein? Sempre achei interessante. Alguma vez pensaste em escrever uma história tua?"

"Já pensei, mas não sei se seria boa nisso", admitiu Amália, batendo novamente no volante que quase caiu no chão.

"Deves tentar. Nunca se sabe até experimentar, certo?"

"Talvez um dia", respondeu Amália, sorrindo.

Enquanto o jogo continuava, Amália começou a sentir-se mais confiante, tentando fazer algumas jogadas mais ousadas. Queria impressionar João, mostrar que ela era mais do que apenas uma rapariga tímida.

"Vai buscar essa!" disse ela, rindo, enquanto tentava bater o volante para o lado de João com um golpe forte.

João riu e devolveu o golpe com facilidade. "Boa tentativa, mas vais ter de fazer melhor do que isso."

Determinada a mostrar-lhe que era capaz, Amália tentou uma jogada mais complicada, dando um salto para acertar o volante. No entanto, ao pousar, torceu o tornozelo e caiu com um gemido de dor.

"Amália!" exclamou João, largando a raquete e correndo para ela. "Estás bem?"

Ela mordeu o lábio, segurando o tornozelo que agora doía intensamente. "Acho que torci o tornozelo. Tentei ser corajosa demais."

João ajoelhou-se ao lado dela, examinando seu tornozelo com cuidado. "Isso parece doloroso. Vamos te levar para dentro."

Com a ajuda dele, Amália conseguiu se levantar, apoiando-se fortemente em João. Cada passo era uma tortura, mas o toque dele em seu braço a fazia esquecer momentaneamente da dor. João a ajudou a se acomodar no sofá, onde a mãe de Amália e o padrasto logo apareceram, preocupados.

Enquanto os adultos cuidavam dela, com compressas e palavras de conforto, Amália sentiu uma mistura de vergonha e humilhação. João permaneceu por perto, segurando sua mão de vez em quando, oferecendo um sorriso reconfortante. "Você foi muito boa, Amália," disse ele suavemente. "Mas não precisa se machucar para mostrar isso."

Ela sorriu, os olhos brilhando com lágrimas contidas.

Enquanto a dor no tornozelo diminuía sob os cuidados atenciosos da mãe, Amália reflete sobre o dia. A tentativa desastrada de impressionar João havia terminado em uma lesão, mas também havia quebrado a barreira de silêncio entre eles. Mesmo que tenha piorado o facto de ele ver me ainda mais como uma criança.

AINDA ESTOU AQUIOnde histórias criam vida. Descubra agora