[CONTO 1] - CAPÍTULO UM

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ELOARA VALENTE

O calor da raiva fervia dentro de mim enquanto engolia cada garfada do meu almoço na praça de alimentação. O shopping vibrava com os sons e cheiros das diferentes cozinhas, um pequeno refúgio momentâneo do meu trabalho como vendedora na loja de calçados onde eu trabalhava.

Amava meu trabalho, mas odiava a Mariane, a gerente, porque ela transformava meus dias em um pesadelo constante. Aquela vagabunda sempre encontrava motivos para humilhar e criticar, mas eu precisava daquele emprego para pagar meu aluguel e minhas contas, por isso aguentava tudo calada.

O momento em que ergui a minha cabeça e vi que ela se aproximava de mim, eu larguei meus talheres ao lado do prato, bufando de ódio.

A imagem brega da Mariane, com seu cabelo ruivo desbotado e o seu piercing de argola no nariz, me fez querer por me sentir completamente frustrada por não ter paz nem para comer.

— Como você sempre consegue fazer tudo errado, Eloara? — Sua voz sarcástica cortava o ar, e eu mantive meus olhos fixos nela, tentando ignorar a vontade de mandá-la tomar no cu. — Eu não tenho tempo para os seus erros constantes. Se continuar assim, eu vou ter que te demitir, porque nós precisamos de alguém mais competente.

A minha vontade de surtar com a Mariane foi interrompida pela lembrança do motivo da minha saída de casa, o que me fez engolir a minha fúria ao passar por mais uma humilhação pública por causa da Mariane. Mas não podia negar que a paciência estava se esgotando, e o ódio começou a se manifestar em minhas mãos trêmulas.

Aos dezesseis anos, iniciei meu primeiro namoro com um homem vinte anos mais velho que eu. Quando a minha mãe descobriu sobre o relacionamento, desferiu uma surra em mim e me forçou a terminar tudo com ele. Semanas depois, o choque foi inevitável quando ela apresentou seu novo namorado, que era nada menos que o meu ex que ela jurava que não era homem para mim.

A partir desse dia, minha vida tornou-se uma tortura devido as más escolhas de minha mãe. Ainda não acredito que a minha mãe se apaixonou exatamente pelo mesmo homem que eu.

O Rafael é um homem de má índole, mas eu ainda nutria um sentimento forte e proibido quando ele virou meu padrasto.

Por todos esses motivos, recusava-me a aceitar esse novo relacionamento, transformando cada discussão familiar em um motivo para me afastar daquela casa. Ao atingir a maioridade, decidi viver sozinha, buscando minha independência financeira.

—  Se você tem algum problema comigo, podemos resolver quando eu voltar para a loja, não precisa descontar sua raiva frente na frente de todos. — Tentei manter a calma, mas minhas palavras escapavam chorosas de meus lábios trêmulos.

— E você acha que os nossos patrões são obrigados a esperar a rainha da favela terminar a sua refeição?

— Eu faço o meu melhor, Mariane. A única coisa que estou te pedindo é um pouco de paz para poder terminar a minha primeira refeição do dia. — Olhei para o prato com a comida quase intacta.

— O problema é que até o seu melhor é patético.  — Ela jogou alguns papéis na mesa. — Olha só o que você fez, sua idiota! Você deu a entrada nos produtos em quantidades muito maiores. Tenho certeza que você faz isso de propósito… Ninguém é tão burra assim.

— Quê? Eu não fiz isso não. — Peguei as notas fiscais e comecei a analisá-las, constatando que o erro realmente aconteceu. — Eu tenho certeza que fiz tudo certo, só se alguém mexeu no sistema e alterou, mas eu posso tentar resolver isso.

— Como você é sonsa, garota! É óbvio que foi você quem fez! — Mariane elevou o tom, ignorando minha tentativa de apaziguar a situação.

— Dá pra você esperar o meu intervalo acabar para podermos conversar e tentar achar uma solução, por favor? — Minha voz saiu como uma súplica.

SEDUZIDAS PELO PECADO [degustação]Onde histórias criam vida. Descubra agora