LIBERDADE

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Pego minha mala de mão, que era da minha mãe, minhas chaves na mesa e meu casaco na porta, antes de sair apressada e descer as escadas do prédio velho que morei durante meus vinte e seis anos. Não paro para olhar pela última vez as paredes descascadas, a pintura velha e mofada, o corrimão enferrujado e as portas de cada apartamento pichadas com poemas e ofensas. Não paro para me despedir do meu passado.

Essa seria a última vez que o senhor Carlo sorriria para mim, a última vez que ajudaria a senhora Nina a subir com as compras, a última vez que compraria pirulitos para as crianças, a última vez que daria conselhos para Bianca sobre seu relacionamento tóxico. Essa seria a última vez que sentaria no chão da minha sala e choraria horas por mais um dia comum e sem sentido em minha vida.

Assim que passo pelo senhor Carlo e ele sorri, não permito que as lágrimas desçam. Apenas beijo o topo de sua cabeça e corro para o carro parado na frente, me esperando...Meu carro. Anos trabalhando e lutando para realizar um sonho que me levaria a outros.

Hoje é o dia que meu passado envelheceria junto ao prédio velho da esquina 43. É o dia que cada lágrima derramada em minha sala mofaria junto a pintura gasta. Tudo ficará para trás junto de cada pedaço quebrado deste lugar.

Entro no carro e jogo minha mala no banco ao lado. Ligo o rádio e sorrio como uma adolescente que descobre que está apaixonada. Uma sensação que não sentia há muitos anos, desde que meu pai nos abandonou e minha mãe se foi. Sabe aquela sensação de frio na barriga? Uma mistura de medo e excitação. Era isso que o momento inicial da minha nova vida me trazia. Medo e excitação. Medo por não saber como as coisas serão daqui pra frente. Excitação por saber que finalmente estou dando o primeiro passo e que estou pronta para descobrir. A vida é assim, não é? Um eterno andar no escuro, até achar uma fresta de luz.

Ligo o carro e sigo meu caminho. Serão horas de viagem, mas pela primeira vez, não estava com pressa. Queria aproveitar cada momento na estrada, escutando todas as músicas que não tive tempo de escutar, sentindo o vento gelado tocar meu rosto. Estou ansiosa para tudo o que virá, mas não me permitirei deixar de aproveitar os momentos enquanto acontecem. Pois a vida acontece em cada momento criado. É tudo uma fração de segundos.

                                                                                                                                 FIM.

Por Hingrid Stefany (@relatodelivro)

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