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— Faz três semanas que esse paciente está conosco, senhores. Foi necessária a amputação de ambas as pernas e ambos os braços; além disso, não foi possível realizar reconstrução facial, e portanto ele está com a audição comprometida, perdeu totalmente a visão e capacidade de fala. A maior parte do cérebro sofreu danos, mas ainda apresenta atividade sináptica regular em algumas áreas, e o sistema digestivo vem respondendo bem à alimentação por sonda — anunciou a enfermeira, apresentando o diagnóstico atual do paciente do quarto 04, João.

Havia três visitantes no quarto úmido e escuro: o sargento Kowalski, que estivera estacionado no hospital de campanha desde o último e derradeiro ataque, e os dois recém-chegados; o padre Michael e o soldado Mizaki, que vinha escoltando-o em sua estadia na área militarizada da fronteira francesa.

— Já vi muitos homens feridos em toda a vida que me dediquei ao serviço da Pátria, mas o que aconteceu com esse soldado é... não tem explicação. Nunca vi um homem que estivesse tão perto da morte, mas ao mesmo tempo se agarrando à vida dessa forma. Parece um milagre... — disse o sargento, apertando a mão junto ao peito esquerdo repleto de medalhas de honra.

— Não sei se podemos chamar isso de milagre. Que Deus tenha piedade. E por que ele está amarrado desse jeito, sendo que nem é capaz de sair da cama? — questionou o padre, esfregando os olhos debaixo dos óculos arredondados.

— Tivemos que fazer isso desde o último domingo. O paciente ficava o tempo inteiro se debatendo no colchão. Não tivemos outra escolha, pois os pacientes do andar abaixo não estavam conseguindo dormir com o barulho — respondeu a enfermeira, que olhava fixamente com suas pupilas opacas ao projeto de homem repousado no colchão.

— Debatendo, como assim? — retrucou o sacerdote.

— Sim, padre. Ele ficava todo o dia e toda a noite, sem parar, batendo com o corpo na cama. Depois de algum tempo, notamos que existia um certo padrão nas batidas; um padrão bem regular e reconhecível. Era uma mensagem. João passava o dia inteiro dizendo - ME MATE - em código Morse. Sem parar. — complementou o militar.

— Por Deus... — Michael ficou sem palavras. — Mas por que me chamaram aqui então?

— Nós só queríamos saber se o senhor poderia dizer algo para ele, algo para ajudar.

— Veja bem, sargento. Este jovem homem é um produto da sua profissão, não da minha. Deus fará o que for devido para suavizar seu sofrimento, mas... se quiser que não surjam mais outros Joãos, façam a sua parte. O resultado do que vocês fazem não é obra de Deus.

O padre partiu sem sequer fazer uma oração, e seu guarda o acompanhou. O sargento e a enfermeira se entreolharam por um instante, e retornaram a um silêncio tão angustiante quanto o estrondo de qualquer máquina de guerra. Era a sinfonia silenciosa do Inferno.

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