O Bruxo da Clareira

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O tempo que levei para chegar tão longe muito me custou. Tive de me disfarçar de inúmeras formas até que eu conseguisse atingir a segurança e chegar àquela clareira me foi completamente exaustivo, agora eu já não sabia como sair daquela maldita mata. Estava perdido, muito provavelmente fadado a morrer e deixar meu corpo como comida aos animais que cercavam a região.

Haviam alguns cogumelos marrons próximos aos troncos de árvore tombados, mas eu não queria arriscar minha saúde debilitada ao tentar brincar com a sorte em me alimentar. Os dias foram se passando, e cada vez mais meu corpo sentia fome, sede, dores. Eu não sabia quanto tempo mais teria naquela clareira, e por mais tentador que fosse usar magia para não definhar naquela maldita mata, eu não tinha força alguma.

O sol ardia um calor inexplicável em minha pele, eu simplesmente não resisti às intempéries. Ali, largado — em meio a árvores e cogumelos — encontrava-se desacordado o meu corpo. Fecho meus olhos. Sinto-me mais leve, eu estava sendo suspenso e, a esta altura, era muito provável que fosse minh'alma se dissociando de meu corpo para atingir o mundo dos mortos.

Sinto o vento soprar de maneira tênue contra meu rosto, acho que isto era um sinal de que eu não estava morto — agora eu desconhecia se haveria de ser um bom ou mau sinal —, mas eu poderia estar logo em breve, poderia ser morto pelos homens de meu pai ou por algum outro clã bruxo que habita as redondezas.

Ao abrir os olhos, eu percebo que havia sucumbido ao cansaço, e aquilo nada era além de sono. Despertei em uma cama, dentro de um quarto que me era desconhecido até então.

Um homem estranho grita em um idioma que não conheço. Ele era baixo, grisalho, usava óculos e tinha seu cabelo amarrado por um rabo de cavalo, estava sentado em um banco de madeira próximo à cama em que eu havia acordado. Entrou então um garoto da minha idade, ele tinha um olhar desesperado, parecia apressado.

Ele falou comigo naquela língua estranha, eu estava completamente perdido e os dois notaram minha confusão. O mais velho começou a gesticular algo, mas o jovem virou-se para ele e logo foi em direção à porta.

Estávamos a sós no quarto.

— Você consegue me entender? — ele começa a falar comigo na minha língua, finalmente consigo entendê-lo. Ele tem uma marca de cicatriz em sua bochecha, mesmo sendo branco, a cicatriz deixa uma marca ainda mais clara em sua pele.

— Olá... — começo a falar meio mareado — Quem é você? Onde estou?

Este simples par de perguntas fez com que ele ficasse agitado, e nunca é bom quando um bruxo fica assim — meus pais me falavam que sempre sabemos quando nos sentimos em perigo, essa agitação é nosso senso de autopreservação —, e eu não deixaria me enganar por seus olhos marrons reluzentes, ou pela mecha de seu cabelo castanho que ele constantemente jogava para o lado, tampouco pelas suas sardas no rosto, seu casaco azul ou a coroa de folhas em sua cabeça (a quem eu quero enganar, ele era estonteante). Nunca pode-se confiar nas intenções supostamente verdadeiras de um bruxo, porque nós não somos confiáveis.

— Olá, meu nome é Hanvar e você está na aldeia de Kärví, na Ilha Ëvar. — Sua mão inquieta encosta na minha. — Você estava desacordado na clareira da floresta, eu e meu pai te encontramos lá quando estávamos procurando por trufas.

Inspira. Expira.

— Qual o seu nome? — ele me pergunta.

— Eu me chamo Bernardo.

Um silêncio toma o ambiente.

— Eu acho que estou bem longe da casa de meus pais... — digo em voz alta. Obviamente eu não achava, eu tinha certeza disso.

O Bruxo da ClareiraOnde histórias criam vida. Descubra agora