A mudança

1 0 0
                                    

Seu marido nunca fora agressivo. Nos dois primeiros anos de casamento, ele tinha sido um marido perfeito. A agressividade começou de forma psicológica quando ela estava grávida; ele não batia nela, apenas a diminuía como mulher. Ele vivia repetindo o quanto ela tinha engordado, perdido seu corpo, falava de suas estrias e de todas as mudanças que a gravidez provoca no corpo de uma mulher. "É uma fase", ela dizia para si mesma, "muita tensão pela chegada do primeiro filho". Às vezes, ela chorava sozinha e se consolava pensando que tudo iria mudar, tudo iria melhorar.
Seu bebê nasceu pequeno e frágil. A gravidez, marcada por tanta violência verbal e uma alimentação deficiente devido à pressão do marido para que ela não engordasse, resultou em um parto prematuro. Na maternidade, Bernardo, seu pequeno milagre, era o mais bonito, com um choro alto e saudável. Seu marido não acompanhou o parto, deixando-a sozinha, pois seus pais haviam falecido quando ela era pequena. Quando ele foi buscá-la, mal olhou para o filho, demonstrando uma frieza que machucava sua alma. Como alguém poderia ignorar um ser tão puro e angelical?
Bernardo chorava muito à noite, e seu marido mandava ela calar a boca da criança. Tudo o irritava até que começaram as agressões físicas. Um dia, enquanto ela preparava o jantar, ele surtou, dizendo que, além de ser uma mulher relaxada, a comida estava uma porcaria. Jogou o prato na parede, e ela ganhou seu primeiro olho roxo. As agressões passaram a fazer parte de sua rotina até que um dia ele a agrediu com o bebê no colo. Ela o abraçou, se fechando em volta do filho como um casulo, enquanto levava socos nas costas em um ataque de pura fúria sem sentido.
Ela decidiu que não passaria mais uma noite ali. Aguentaria tudo, mas ele não respeitara nem o filho em seu colo. Esperou ele dormir — quando bebia, seu sono era profundo —, pegou algumas coisas para o bebê, um pouco de dinheiro e entrou no carro dele. Seu rumo era completamente desconhecido; queria apenas ir o mais longe possível.
Colocou Bernardo no bebê conforto, deu partida e começou sua fuga. Na estrada, olhou pelo retrovisor e jurava que seu marido a perseguia. Chorando, limpava o rosto e voltava a segurar firme o volante, com as mãos trêmulas de tanto medo e nervoso. Para desviar de um caminhão, perdeu o controle do carro e se chocou com violência na mureta que cercava a BR-153. Acordou confusa e viu seu bebê dormindo. Não conseguiu tirá-lo do bebê conforto, saiu do carro e começou a correr pela pista, balançando os braços para cada carro que passava. Saiu sem celular para que ele não pudesse encontrá-la. Andou quase 800 metros até que uma viatura parou. Ela começou a gritar.
— Policial, policial, por favor, meu filho!
Ele parou a viatura, abriu a porta, e ela adentrou, explicando que tinha sofrido um acidente e que não conseguia tirar seu filho do carro. Sentou-se ao lado do policial e apontou onde fora o acidente. Chegando perto, o policial observou que tinha sido um acidente feio. Pediu para a moça ficar na viatura enquanto ele verificava o bebê. Com uma lanterna, já que a iluminação era fraca, ele se aproximou do carro e viu a mesma moça que tinha parado sua viatura minutos atrás com a cabeça caída no volante, e o bebê chorando alto. Ele então voltou correndo para a viatura, que estava vazia. A mulher que lhe pedira ajuda tinha sumido. Não era possível; ele tinha falado com a moça, dado carona para ela. Como assim ela estava morta ao volante?
O policial soltou o bebê, forçando a porta destruída do carro. Ao tirá-lo daquele emaranhado de ferro, o acalmou até a chegada do resgate. O bebê não tinha sofrido nenhum arranhão. Sem saber o nome da criança, o policial o chamou de Milagre.

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Jun 26 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

O milagre Where stories live. Discover now