Um Dia de Noite

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Um Dia de Noite

Artesilaus olhava a espuma das ondas do mar quebrando sucessivamente na praia. O sol, brilhante, já não era tão intenso, era o sol das quinze para as cinco.  

Era o mar Egeu. A espuma era branca. 

Ao redor a areia. Estava num trecho deserto de praia, para ficar sozinho num momento que para ele era extremo, um momento de dor.  

Às costas de Artesilaus, para além das dunas, do outro lado do cabo onde ele se encontrava, ficava o acampamento grego, que ele não podia ver dali, depois vinha a baía de Tróia e o Helesponto, e do outro lado da baía, mais recuada, era a cidade murada de Tróia, na costa da Anatólia. Mais para lá, à direita de quem olhasse para trás ficava a planície cortada pelo rio Escamandro. Para lá da cidade ficavam o rochedo de Pérgamo e o monte Ida.  

As muralhas de Tróia tinham sido construídas por Apolo e Posseidon. 

- Hoje à noite, Atesilaus, você vai encontrar o seu destino, tinha dito a deusa ***. Disse aquilo e foi embora. 

Artesilaus sabia bem o que "encontrar o seu destino" queria dizer. Era a viagem ao Hades, ou seja, a morte. 

Assim como Aquiles tinha ficado muito triste e tinha chorado e ido pedir auxílio a Tétis, sua mãe, Artesilaus também ficou triste e dirigindo-se para aquele pedaço de praia onde não havia ninguém, chorou secretamente. 

Não agora, Artesilaus pensou em tom de lamento.  

Fazia dez anos que estava lá naqueles arredores. Contava dezoito anos quando tinha chegado. Era de Pteleus e tinha vindo no contingente de Phylace, comandado por Protesilaus. 

Bem treinado para guerrear, era contudo ainda inexperiente quando da chegada para o início do conflito.  

Viu seu chefe Protesilaus ser morto logo ao pisar na praia, confirmando a previsão do advinho Calcas de que o primeiro acaio que tocasse a praia iria morrer. 

Artesilaus comportou-se bem ao longo da guerra e foi ficando cada vez mais adestrado. Era agora aos vinte e oito anos um guerreiro experiente. Sabia ficar vivo em qualquer lugar, embora sem garantias, e estava em casa no campo de batalha. Enxergava coisas que o homem comum jamais enxerga ou percebe ou sabe que existe. Coisas que não sabia explicar a ninguém nem contar como. Sua percepção para os fenômenos da guerra tinha ficado tremendamente aguçada. Via coisas até com o corpo. 

Agora, naquela altura, tinha vindo a deusa e dito aquilo, que ele não queria ter ouvido pois amava a vida. Guerrear, estar junto com os camaradas, e dormir com as mulheres, representava para ele a vida. E se aperfeiçoar sempre. 

Com o coração pesado tinha separado duas moedas para pagar a passagem ao barqueiro para a travessia do Aqueronte.  

Cada vez que pensava naquilo dava vontade de chorar. 

Havia guerreado dez anos e não tinha visto a deusa. Em nenhuma ocasião. Nem havia sentido a presença dela jamais. Nem tinha visto outro deus algum que sabia terem aparecido para outros amigos ou camaradas seus. Nunca tinha posto os olhos em nenhum deles. Mais recentemente um dia a deusa veio. Disse-lhe que havia salvado a vida dele desviando uma flecha troiana que tinha caminho certo até sua garganta, para atravessar de vez. Dispondo de percepção desenvolvida, algo perto da mágica e dos relatos de fantasia, ele pressentiu que ia ser assim mesmo. Só que de repente algo em seu pressentimento saiu diferente e o frio que ele havia sentido na espinha tinha sido desnecessário pois a flecha mudou de rumo, algo da ordem de um milímetro no ponto de intervenção, centímetros quando passou perto de sua garganta. Depois da batalha a deusa surgiu pela primeira vez e aludiu ao fato. 

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