No olho da sombra

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Eu matei Voldermort.

Estava lá quando Harry Potter, o grande Harry Potter, no fervor da batalha, no ódio de uma vida lançou-se em uma aventura quase que mortal para vencer as forças das trevas que são os terríveis, pavorosos, feiosos, comensais.

O crucio que ele lançou em Belatrix?HA! Eu estava lá também. Sem querer me gabar, mas, digamos que a cada feitiço que Harry lançava era uns 20% ele e os outros 95% minha pessoa. 

Isso sem falar na dupla fenomenal que nós éramos naquele tempo. Ó, e que tempo! Vivíamos praticamente grudados. Dormíamos juntos, acordavamos juntos e na segunda hora do dia…Bam! Arregaçavamos a cara dos malvados como se fosse nada!

Contei essas histórias tantas vezes, que meio que virei uma sub-celebridade aqui na Olivaras Varinhas. Praticamente todo o Beco Diagonal já ouviu falar na grande varinha que eu sou. Vivem dizendo que a árvore da qual fui feita deveria ser a lenda das lendas por ter feito algo tão poderoso de seu galho! Quando me veem na vitrine, as corujas, ratos e até mesmo os horrorosos sapos param para me perguntar, como alguém como eu pode ser tão incrível assim.

Uau! Então foi você que transformou aquela abóbora em carruagem?”, me perguntou um cupim certa vez.

Pode apostar que sim meu caro amigo” endireitei-me toda pomposa, ponta para acima cabo empinado e tudo. “ E mais, sabe aquele cajado do velho barbudo do chapéu esquisito?

Ele me confirmou com a cabeça.

Pois é, era meu aprendiz antes de se tornar cabide para anel” 

Oh! Minha nossa!” Espantou-se o cupim. “Então quer dizer que aquele feitiço de luz…Foi você quem ensinou?!

Pois sim, meu caro amigo.

E assim se seguiu o diálogo até a hora que o cupim, exausto de entusiasmar-se com minha grandeza acabou por esquecer do seu alimento. Como seu tempo de vida já não era o dos melhores, acabou por morrer antes mesmo de voltar ao buraco na parede em que morava.

Histórias boas essas não? Uma pena serem apenas histórias. Poderia muito bem ter dito a primeira coruja que me levou devolta para cá que era um engano, que nunca sequer tinha visto Harry Potter na vida, mas isso seria uma verdade.  E uma verdade nua e crua é mais dolorosa que cem mentiras bem contadas.

A realidade, é que vi sim a varinha com pena de fênix escolher seu dono, mas não tenho plena certeza se era mesmo o garoto que sobreviveu, pois estava limpando meu pobre óculos na hora. 

Vi sim o cajado de Gandolf ser vendido por um preço mais salgado que o normal, e vi sim a velha fada madrinha entregando a varinha na assistência. Também vi o homem de vestido e maquiagem de drag queen que a roubou 2 semanas depois, mas achei melhor não interferir nos negócios alheios.

Já vi mil e uma histórias sendo iniciadas e finalizadas aqui do meu cantinho. Já me apeguei aos cliente que passaram aqui, mesmo que passageiros, ainda lembro deles com carinho no meu coração.

Como na vez em que um senhor na idade, já lá da era dos dinossauros entrou em busca da varinha perfeita. Olhou as prateleiras, testou as mais novas, bombardeou de perguntas o dono e foi se embora sem levar nada. No dia seguinte, fez a mesma coisa, chegou batendo o pé dizendo.

Busco aqui a melhor varinha!

Olhou as prateleiras, testou as mais novas, bombardeou o dono de perguntas e novamente pôs-se a fora. No outro dia, fez a mesma coisa, no outro também e no próximo, e mais alguns outros seguintes. 

Até chegar a gota d’água. 

Busco aqui a melhor varinha!” Gritou batendo as portas 

O senhor Olivaras estava preparado para expulsa-lo dali, chegou a até mesmo a arregaçar as mangas de cara azeda.

Só que desta vez não estava sozinho, trouxe junto a si uma menininha, que deveria ter mais ou menos 4 anos de idade. Tinha cabelos bem encaracoladinhos e olhos grandes e frenéticos. A princípio, a menina entrou na loja e olhou ao redor, observando varinha por varinha. Quando era dada meia-hora, o senhor agachou-se perto da menina e sussurrou ao pé de ouvido.

Pega aqui uma varinha e finja que cortou o dedo com uma farpa, assim o velho da um desconto

História chula, eu sei, mas me marcou tamanha cara de pau do sujeito. 

Claro, já vi inúmeras vidas passarem aqui além dessa. Aqui do meu canto velho e empoeirado vejo quase que toda a loja. Já vi inúmeras aventuras porém o máximo que já vivi foi quando o sobrinho do senhor Garrick, Don Olivaras, um sujeitinho baixinho e melequento resolveu me usar de apoio para retirar uma das teias de aranha que estava definhando ao lado da minha estante.

Foi um momento perturbador, pois adorava aquela aranha. De vez em quando discutiamos como foi o dia dela, ela me levava uns pedaços de joaninha, reclamava dos 1000 filhotes que não a visitavam e em troca eu a ouvia.

Depois desse dia, Don melhorou da alergia e a aranha não tinha mais com quem reclamar.

Você deve estar achando minhas divagações entediantes certo? Mas o que esperava vindo de um pedaço de árvore?

Nunca vivi uma história emocionante, apenas fico em minha estante sendo uma mera testemunha. Definho, observo, presto atenção até mesmo nos mínimos detalhes. Enquanto o resto da loja pensa que estão sozinhos, eu na verdade estou ali olhando eles, escutando eles, me emocionando, comemorando até mesmo chorando junto. Mesmo que sequer saibam meu nome ou olhem para mim.

Você deveria escolher um bruxo logo” Azevinho me disse certa vez, era uma mosca que vivia importunando o velho Olivaras, mas era simpática comigo nas horas vagas.

Porque diz isso?” Perguntei.

Ora! E tenho o porquê de explicar?” voou de um lado pro outro impaciente “ Está aqui a 50 anos e até hoje nunca a vi se interessar por algo sem ser apenas observar! Fica aqui do alto da sua estante, como se fosse a rainha do mundo bruxo. Vivendo apenas do que seus olhos podem alcançar

Pois saiba já que meus olhos já me fizeram muito mais do que qualquer bruxo.” Rebati, indignadíssima. “Já vi pessoas chorarem de alegria ao ver quem amam, já presenciei o primeiro riso de uma criança, vi pessoas sofrerem e sofri junto delas. Até mesmo já me apaixonei!

E por quem exatamente a senhorita se apaixonou hein? Pelo faxineiro que vem tirar seu pó aqui e acolá?”

Não, me apaixonei por todas essas vidas que vivi

E qual delas foi a sua?

Naquele momento, poderia dar-lhe uma resposta inteligente, dizer meus motivos mais profundos enraizados junto a árvore que me fez. Poderia lhe dar até mesmo uma resposta malcriada, ao invés disso, a ignorei e esperei os 28 dias de vida acabarem para comemorar.

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