A verdade

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Acordei na manhã seguinte com uma sensação de vazio que havia se tornado minha companhia constante. O hospital me liberou com cicatrizes físicas que logo se transformariam em memórias, mas as feridas emocionais eram profundas e incuráveis. Voltar para a minha vida antiga não era uma opção; as drogas, a violência, tudo aquilo havia me consumido até o osso.

Eu precisava de uma mudança, de uma saída. Encontrei um emprego em uma fábrica de embalagens. Era um trabalho de merda, tedioso e desumanizante, mas era o que eu conseguia sem perguntas inconvenientes sobre o passado. Os dias eram longos, uma repetição interminável de movimentos mecânicos. Era um alívio, em certo sentido, não precisar pensar. Apenas trabalhar, hora após hora, tentando esquecer.

Mas a vida tem um jeito cruel de nos lembrar daquilo que queremos deixar para trás. O bairro onde tudo aconteceu, onde eu a conheci e onde ela morreu para me salvar, foi vendido e transformado. No lugar das ruínas que abrigavam nossa história, agora se erguia um castelo imponente, uma construção luxuosa que destoava do ambiente ao redor. Aquela visão era um lembrete constante da minha perda, uma dor que pulsava a cada dia.

Eu caminhava ao redor do castelo nas noites sem fim, como um fantasma, perdido em pensamentos. O cansaço da vida pesava sobre mim, cada passo uma luta contra a vontade de desistir. Havia algo de estranho naquele lugar, um magnetismo que me puxava, me obrigava a confrontar minhas memórias.

Uma noite, decidi entrar. Pulando o muro, me esgueirei pelos jardins bem cuidados, minha respiração pesada e o coração batendo descompassado. Precisava ver, precisava entender por que aquele lugar me atraía tanto. As luzes no interior estavam apagadas, mas o lugar exalava uma aura de mistério.

Enquanto eu caminhava pelos corredores silenciosos, um sentimento de déjà vu me envolveu. Parecia que cada passo ecoava os momentos perdidos de uma vida que eu achava que tinha deixado para trás. Meu coração batia forte, ressoando nos meus ouvidos, enquanto eu me aproximava de uma grande porta de madeira, ornamentada com detalhes dourados. A mão tremia ao tocá-la, sentindo o peso das lembranças e do destino que parecia me guiar até ali.

Quando finalmente empurrei a porta, fui confrontado por dois seguranças. Seus rostos eram inexpressivos, mas a força com que me agarraram foi firme e inegável. Eles me arrastaram para dentro, e a ironia da situação não me escapou – um invasor no mesmo lugar que antes eu chamava de território.

No entanto, ao invés de violência, fui levado a uma sala elegantemente decorada. O ambiente era luxuoso, com móveis antigos e tapetes persas que pareciam ter sido tirados de um museu. As paredes estavam adornadas com quadros de paisagens que exalavam uma tranquilidade distante da minha realidade atual. No centro da sala, um homem alto, de aparência austera, me esperava.

"Você é Seven?", perguntou ele, sua voz carregada de uma curiosidade contida.

Eu assenti, confuso e intrigado. Ele então revelou uma verdade que mudou tudo. O castelo, aquele monumento ao novo, havia sido comprado por ela. A mulher sem nome que eu amava, que eu acreditava estar morta, estava viva. E mais, ela pensava que eu havia morrido naquele tiroteio.

Ele contou que ela havia se reerguido após o incidente, usando a fortuna que acumulamos em tempos de crime para construir algo novo, algo que pudesse trazer paz a um passado turbulento. Ela havia adquirido o terreno e transformado em algo belo, talvez como uma forma de expiação, talvez como um símbolo de esperança.

Ela não estava lá naquela noite, viajando a negócios, mas a revelação de que ela ainda existia, que ela havia sobrevivido e construído uma nova vida, foi um golpe no meu coração. O homem, que se apresentou como Jonathan, o mordomo da casa, contou como ela comprou aquele lugar, tentando encontrar paz e manter viva a memória de um amor que nunca morreu.

“Ela não sabia que você tinha sobrevivido,” Jonathan continuou, sua voz suave e empática. “Ela acreditava que tinha perdido tudo naquela noite. Foi a dor de perder você que a motivou a construir tudo isso. Ela queria transformar o local de tantas memórias dolorosas em algo belo, um símbolo de renascimento.”

Eu não podia acreditar, era impossível. Mas ali estava a verdade, nua e crua, e meu coração se encheu de um misto de esperança e desespero. Ela estava viva, mas nossa conexão estava perdida no tempo e no espaço. As lágrimas que eu havia segurado por tanto tempo finalmente caíram, cada gota uma mistura de dor e alívio.

A vida cansa, e suas voltas são implacáveis. Fiquei ali, naquela sala, tentando processar o que isso significava para mim. O amor que pensava morto havia sido ressuscitado de uma forma que nunca imaginei. E agora, a única coisa que eu sabia era que precisava encontrá-la, precisava dizer a ela tudo o que estava preso em meu coração, mesmo que o destino insistisse em jogar contra nós.

Cada passo rumo a encontrá-la parecia pesado, carregado de dúvidas e medo. E se ela não quisesse me ver? E se a vida que ela havia construído não tivesse mais espaço para mim? Essas perguntas me assombravam, mas o desejo de reencontrá-la era mais forte. Comecei minha busca, sabendo que o caminho seria tortuoso, mas determinado a seguir adiante. Porque no fim, o amor, mesmo em suas formas mais dolorosas, era a única coisa que ainda me dava forças para continuar.

Os dias se passaram enquanto eu planejava como abordar sua vida nova sem destruir tudo o que ela havia conseguido. Eu sabia que não podia simplesmente aparecer e exigir uma explicação. Precisava entender o que a vida havia feito dela, quem ela havia se tornado. E assim, com uma mistura de ansiedade e esperança, fui atrás de pistas, cada fragmento de informação me aproximando mais da mulher que sempre amei, mas que o destino teimava em manter distante.

A jornada seria longa, e eu sabia que muitas noites insones estavam por vir. Mas, no fim, a esperança de encontrá-la, de talvez, apenas talvez, construir algo novo a partir das cinzas de nosso passado, era o que me movia. E assim, com o coração cheio de incertezas, mas também de uma nova chama de esperança, continuei minha busca, preparado para enfrentar o que fosse necessário para finalmente encontrar paz.

Além da DorOnde histórias criam vida. Descubra agora