Porto das Sombras é uma cidade no sul do estado de Rio Grande do Sul, um lugar que poucos têm coragem de mencionar, muito menos de visitar. A princípio, foi um local criado apenas para refugiar apoiadores de Hitler — aqueles cujas ações e pensamentos eram tão abomináveis que não encontravam acolhimento em lugar algum. Era um esconderijo para os piores dos piores, onde crimes hediondos eram a norma e a compaixão era vista como fraqueza.
Com o passar dos anos, muitos desses apoiadores foram assumindo outras identidades e se mudaram para outros lugares. Contudo, Porto das Sombras não perdeu seu caráter nefasto. Pelo contrário, a cidade evoluiu para se tornar um antro exclusivo para os mais cruéis e sanguinários criminosos de todas as partes do mundo. Assassinos, traficantes, mercenários — todos encontraram um lar ali. Era um lugar onde nenhuma autoridade ousava adentrar, onde a lei era ditada pela força e o poder era obtido pela violência.
As pessoas sabem da nossa existência, mas preferem fingir que não. Porto das Sombras é um segredo a céu aberto, um pesadelo que as pessoas sussurram em conversas amedrontadas.
A maioria dos moradores que possuem residência aqui são homens — homens que cometeram crimes tão horrendos que nem mesmo o submundo das grandes cidades os aceitava mais. A boa parte das mulheres são vítimas de algum crime pesado; sequestradas, vendidas, forçadas a uma vida de servidão e sofrimento. Algumas são casadas com criminosos, um vínculo que muitas vezes é uma sentença perpétua de terror e submissão.
De qualquer forma, só entra aqui com a autorização do conselho intitulado Homens da Sombra, uma elite de poderosos que governam com mãos de ferro e corações de pedra. Meu pai, o fundador da cidade, foi presidente desse conselho durante muitos anos. Ele estabeleceu as regras, os pactos de sangue e os acordos sombrios que permitiram à cidade prosperar na escuridão. Agora, após sua morte, eu sou o presidente. Herdar essa posição foi uma maldição tanto quanto uma responsabilidade.
O Conselho das Sombras tem uma influência que se estende muito além das fronteiras da cidade. Mantemos conexões profundas com governos, influenciando políticas e decisões nacionais para servir aos nossos próprios interesses. Controlamos bancos e grandes corporações, manipulando a economia do país como mestres de marionetes. Também temos um poder significativo na mídia, no entretenimento e na cultura popular, moldando a opinião pública e promovendo certos valores que nos beneficiam. É um controle sutil mas implacável, uma rede de poder e corrupção que se estende em todas as direções.
Não concordo com tudo o que fazemos, mas é a vida que decidiram para mim desde antes de eu nascer. Meu pai moldou meu destino com mãos de ferro e expectativas impossíveis, mas eu não era ele e nem queria ser. A prova disso é que, recentemente, um casal veio até mim em busca da sua filha desaparecida. Eles são judeus, inimigos do meu falecido pai, e têm certeza de que ele estava envolvido no desaparecimento. Meu pai nunca fez questão de esconder seu desprezo por certas raças e religiões, e esses preconceitos alimentaram muitos de seus atos mais horrendos.
Não era exatamente um segredo que eu era um homem bastante diferente do meu pai. Nunca compactuei com seus preconceitos e no que ele acreditava ser soberania. Talvez por isso, decidi ajudar aquele casal e comecei a vasculhar todos os lugares possíveis nessa maldita cidade. Porto das Sombras pode ser pequena, com seus 120 mil quilômetros quadrados, mas os arredores são traiçoeiros. Rios serpenteiam através de florestas densas, e o terreno levemente montanhoso oferece incontáveis esconderijos — tanto para vivos quanto para mortos.
Enquanto percorro esses caminhos escuros e sombrios, sinto o peso das expectativas e dos pecados de meu pai sobre meus ombros. Cada passo que dou é um desafio à sombra dele, uma tentativa de encontrar um pouco de redenção em um mundo que ele transformou em um inferno. A busca pela garota desaparecida é apenas o começo de uma luta maior, uma batalha pela alma de uma cidade que, aos poucos, começa a sufocar a minha.
O sol começava a se pôr, tingindo o céu de um laranja macabro enquanto eu adentrava a mata fechada que cercava Porto das Sombras. As sombras das árvores altas projetavam formas grotescas no chão, como se a própria floresta estivesse conspirando para esconder os segredos mais sombrios da cidade.
Meus passos eram abafados pelas folhas secas e galhos quebradiços, mas meu coração pulsava ruidosamente no peito. Estava há quase 24 horas sem descanso, à procura da filha do casal que havia vindo até mim, implorando por ajuda. Suas lágrimas e súplicas ecoavam na minha mente, alimentando minha determinação.
Quando finalmente avistei o portão de ferro gigantesco com o brasão da minha família, senti um misto de repulsa e reconhecimento. Meu pai havia construído muitos desses refúgios, lugares onde ele escondia seus piores segredos. Aproximei-me cautelosamente, examinando o portão. Havia um sistema de alarme, mas não foi difícil descobrir a senha. Conhecia muito bem a mente do meu pai.
— Maldito seja, velho desgraçado — murmurei, sentindo uma fúria antiga borbulhar dentro de mim.
O portão rangeu ao se abrir, revelando um caminho estreito e escuro que levava a um bunker subterrâneo. A atmosfera ali era pesada, sufocante, como se o próprio ar estivesse impregnado de medo e desespero. Desci os degraus de pedra, meu coração martelando contra minhas costelas. A escuridão parecia engolir cada passo, até que finalmente cheguei a uma porta de aço reforçado.
Com um puxão forte, abri a porta, revelando um cativeiro horrendo. O cheiro de mofo e sangue velho me atingiu como um soco. A sala era iluminada por uma única lâmpada pendurada no teto, lançando uma luz fraca e amarelada sobre paredes sujas e um chão de concreto manchado. Havia correntes fixadas nas paredes e restos de comida apodrecida espalhados pelo chão.
No canto mais escuro da sala, encolhida sobre um colchão imundo, estava a garota. Sua pele branca estava pálida e manchada de hematomas, seus cabelos emaranhados caíam sobre o rosto encovado. Ela estava viva, mas apenas seus olhos estavam entreabertos, vazios, como se a esperança tivesse sido arrancada dela.
Aproximei-me lentamente, ajoelhando-me ao seu lado. Peguei a garrafa de água que havia trazido comigo e cuidadosamente levantei sua cabeça.
— Ei, ei, está tudo bem. Vou te tirar daqui — falei, tentando manter a voz calma apesar do tumulto de emoções dentro de mim.
Ela gemeu baixinho, seus lábios rachados se movendo imperceptivelmente. Coloquei a garrafa contra seus lábios e deixei que pequenos goles de água escorressem para sua boca. Seus olhos, antes sem vida, começaram a focar lentamente em mim.
— Quem... quem é você? — Sua voz era um sussurro frágil, mal audível.
— Sou Jan Vries, mas todos por aqui me chamam de Holandês.
— Você é o filho Heinrich Müller? — O terror nos olhos da garota ao falar o nome do meu pai era evidente.
— Não sei quem é esse, só vim te buscar para te levar para seus pais.
Ela tentou esboçar um sorriso, mas a dor parecia ser grande demais.
— Vai ficar tudo bem.
Me levantei e peguei a garota nos meus braços para sair dali.