Prólogo

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O que um título pode fazer na vida de um homem da alta sociedade? Bem, um título de nobreza, independente de sua importância, pode tirar um homem de sua confortável vida libertina e forçá-lo a tornar-se um representante responsável da realeza, e, às vezes, tal título era concedido a certos cavalheiros com este exato propósito.
Quando a cerimônia acabou, Marcel sentiu um peso diferente instalar-se sobre seus ombros. Imaginava que teria um título após o casamento de Brista, mas ser o marquês de Kent não estava em seus planos. De longe, enquanto conversava com os cavalheiros no salão real, via o olhar afiado de sua irmã sobre si e, naquele momento, teve certeza de que Brista havia feito aquilo com um único propósito.
Ela queria casá-lo e desejava tal coisa há um bom tempo.
Fazia quase um ano desde o casamento e a coroação da nova rainha de Kent e seu rei, a essa altura, Brista já era conhecida por todos e cumpria seu papel com maestria, diversos acordos haviam sido selados em seu nome e o reino parecia infinitamente satisfeito com o pulso da rainha, que não aceitava quaisquer injustiças contra seu povo. Impostos acessíveis para o sustento do reino, apoio a orfanatos e fornecimento de médicos que atendiam os menos abastados gratuitamente, sendo pagos com um valor simbólico mensalmente pelo palácio.
Todas ideias da rainha que já era conhecida pelo povo como “a justa”. Jonathan não poderia ter feito escolha melhor.
No entanto, nem todas as tarefas reais e obrigações de uma rainha tiravam os olhos de Brista de seu irmão, nem tiravam da cabeça dela a ideia de que Marcel precisava de uma esposa o mais breve possível.
Há meses ela vinha encurralando-o cada vez mais, colocava moças em seu caminho, pedia a Jonathan que intercedesse pelo assunto, coisa que o rei fazia com dedicação, e até apelou para George, o pai amoroso que jamais negaria nada a rainha e que, para o azar de Marcel, também desejava ver o filho mais velho casado.
Agora ele não tinha mais desculpas, Charlotte e Brista já estavam casadas, Chelsea só seria apresentada a corte dali a dois anos. Era hora de abandonar sua vida de libertinagem para tornar-se um homem casado e quem sabe, um pai.
— Sabe que ela não vai parar, certo? — Jonathan falou com um pequeno sorriso, se aproximando de Marcel.
Os cavalheiros que tentavam manter uma conversa engajada com o marquês se curvaram respeitosamente diante do rei, se retirando quase que imediatamente.
— Você poderia me ajudar com isso — resmungou o rapaz, suspirando levemente.
— Eu? Sinto muito, cunhado, mas conhece sua irmã bem o bastante para saber que eu estaria colocando meu pescoço na forca se intercedesse por você — o rei brincou com um sorriso, desviando o olhar para sua rainha, encarando-a amavelmente.
Apesar do sorriso, Deus sabia como ele falava a verdade. Contrariar Brista quanto a assuntos sobre os quais ela já estava decidida era um caminho sem volta para o inferno, a rainha tinha uma opinião forte, quase irredutível, e seu marido fazia com prazer tudo o que ela queria, apenas para que ela não se irritasse com ele de forma alguma. A adorava, venerava-a de tal modo que contrariá-la era impensável para ele.
Durante aquele ano de casamento, seu amor e devoção por ela apenas cresceu, era grande o bastante para que não coubesse em seu peito, transbordando para fora por meio de olhares apaixonados e atitudes românticas a vista de todos.
Marcel agradecia aos céus pela sorte que suas irmãs tiveram, não pelos casamentos vantajosos, mas por todo amor que seus maridos demonstraram ter por elas. Todos os dias, ele dormia tranquilo sabendo que suas amadas irmãs estavam bem acompanhadas por homens que as amavam quase tanto quanto ele.
No entanto, o Capman não acreditava que, um dia, amaria alguém daquela forma.
— De fato, conheço — resmungou ele. — Amanhã vou conversar com ela sobre isso.
— Então, finalmente decidiu ceder? — Jonathan indagou ansiosamente.
— Não tem algo que Brista Capman queira que ela não consiga, você sabe disso — Marcel decretou, bebendo de uma só vez o vinho em sua taça, deixando-a numa bandeja de um empregado que passava por perto. — Preciso ir, se importaria se eu deixasse minha festa de condecoração mais cedo, majestade?
Jonathan riu, batendo levemente nas costas do amigo.
— Você tem muito o que pensar, não se preocupe com a festa — dito isto, o rei se afastou, caminhando até sua esposa.
De longe, Marcel o viu segurá-la pela cintura, atraindo sua atenção e, antes de voltar toda a atenção para a elegante rainha, Jonathan encarou o amigo de forma cúmplice. Aquela era a deixa de Marcel para escapar sem que Brista percebesse.
E assim ele o fez.
***
O cavalo trotava sem pressa alguma pelas ruas escuras do condado. Marcel havia deixado o palácio algumas horas atrás, esgueirando-se pelas ruas da cidade até encontrar o caminho para a fazenda onde ficou até a noite avançar em direção à madrugada.
A possibilidade de casar-se aina estava em sua mente, tirando-lhe o sono e a paz. Por isso, quando o silêncio reinou pela cidade e quando todas as damas de respeito já estavam em suas casas adormecidas, o recém-nomeado marquês deixou a fazenda, cavalgando pela estrada em direção à cidade, mas não parou nela.
Guiou o cavalo pelas ruas de FoxSpeare sem pressa alguma, observando a cidade que sitiava o palácio real do reino de Kent, no entanto, não se deteve na paisagem bonita da cidade que crescia cada vez mais. Marcel seguiu pelas ruas até a saída norte, avançando pela estrada até encontrar a bifurcação à esquerda, de onde podia ver a grande casa completamente iluminada.
O cavalo acelerou o trote no momento em que ele agitou as rédeas, então, poucos instantes depois, o rapaz estava parado na fachada do casarão, entregando o cavalo para um cocheiro e caminhando em direção a grande porta de madeira aberta.
De dentro do local, a música soava agitada junto as vozes de vários cavalheiros. Alguns já saiam, seguindo rumo a suas casas, outros, como ele, acabavam de chegar.
Aquele era o antro de desejos e FoxSpeare, um lugar onde apenas os homens iam, já que, obviamente, qualquer dama que fosse vista pelas redondezas podia ter sua reputação manchada. Afinal, o que uma dama de boa estirpe estaria fazendo nos arredores de um bordel?
Seria uma pergunta difícil de responder sem perder o decoro.
Fazia algum tempo desde a última vez que Marcel havia estado ali. Normalmente, frequentava o local junto aos membros solteiros da Adsumus, mas, desde que o rei morreu e Jonathan assumiu integralmente o reino, a sociedade se tornou obsoleta, já que prestava um serviço mais que excelente. As reuniões para tratar de assuntos políticos já não se faziam necessárias e os membros estavam dissipados, espalhados pela região cuidando de suas próprias vidas.
Marcel Capman caminhou sem pressa, dali já podia sentir o cheiro de bebida forte e charutos.
Não era qualquer cavalheiro que frequentava aquele ambiente, a maioria dos que entravam ali tinham dinheiro o bastante para sustentar suas noites de libertinagem sem problemas, eram homens abastados o bastante para não sentirem falta do que era gasto ali. Ele se encaixava no padrão da clientela, claro, ainda mais agora, com duas irmãs bem casadas e um título de nobreza.
Assim que adentrou a sala dos cavalheiros, foi notado por todos, recebido com gritos empolgados e comemorações, sua nomeação não passaria despercebida naquele ambiente, e ali todos se sentiam mais a vontade para parabenizá-lo com mais simplicidade e intimidade.
Todo o interior esbanjava uma iluminação amarelada advinda dos diversos candelabros, mulheres seminuas deslizavam aqui e ali, vestidas apenas com corpetes apertados demais e vestidos de tecidos tão leves e finos que deixavam pouco para a imaginação.
— Aceita uma bebida, senhor Capman? — uma moça perguntou, com um sorriso malicioso, oferecendo a ele uma taça.
Ela tinha cabelos loiros e longos, seu corpete apertava-lhe os seios, fazendo-os quase saltar para fora, e seus lábios estavam pintados de vermelho vivo.
— Claro, senhorita — respondeu ele, sorrindo, deixado os ombros relaxarem, pronto para ter uma noite de liberdade que, provavelmente, seria sua última.
No entanto, antes que se deixasse levar pelos encantos da dama a sua frente, algo atraiu sua atenção.
Não muito longe dali, a criatura mais bela que ele já havia visto estava de pé, ao lado de uma mesa com alguns cavalheiros, sorrindo e flertando descaradamente. Ela tinha cabelos negros como a noite, estes caiam em ondas por suas costas, chegando a altura do quadril. Seus lábios eram cheios, perfeitamente desenhados e, quando fechados, quase formavam um coração perfeito. Seu rosto era delicado, queixo fino e seus olhos, afiados e espertos, fizeram o Capman ofegar. Uma máscara cobria a metade superior de seu rosto, era negra, feita de um tecido bonito e coberta por uma renda levemente brilhante, enfeitada com algumas pedras, aquele adereço parecia tornar o olhar dela ainda mais intenso.
Movia-se com graça e sensualidade sem igual, atraindo a atenção de todos os cavalheiros da mesa que pareciam desejar jogar-se aos seus pés. Usava um vestido sem qualquer volume, o tecido era maleável e agarrava-se as curvas de suas pernas e quadril a cada movimento, era de um vermelho vivo que contrastava com sua pele clara. Seu corpete desenhava perfeitamente sua cintura fina e delicada, e seu decote era um perigo para qualquer homem que a olhasse seios fartos e delicados com um colar de ouro sumindo entre eles, atraia os olhos de Marcel, assim como dos outros cavalheiros com quem ela falava.
O Capman deixou-se admirar o monumento artístico que aquela dama era para ele e sequer deu atenção a outra mulher a sua frente, apenas encarando-a com afinco, com desejo.
— Parece que os encantos de Ruby capturam mesmo qualquer um — comentou a loira que havia lhe dado a bebida.
— Como disse? — Marcel indagou, sem desviar os olhos da mulher de vestido vermelho.
— Disse que posso chamá-la, se quiser, senhor Capman — a resposta dela atraiu os olhos de Marcel, que a encarou por apenas alguns instantes. — Já volto.
Então, dito isto, a loira seguiu em direção a Ruby, parando ao lado dela com um sorriso sorrateiro, tocando-a na cintura e cochichando algo em seu ouvido. Naquele mesmo instante, os olhos escuros voltaram-se para Marcel e, por um momento, tudo se calou ao seu redor.
A mulher o encarou e seus lábios cheios curvaram-se num sorriso que tirou o ar do marquês, então, ela deixou a mesa onde estava e, caminhando lentamente, quebrando os quadris para os lados, como uma leoa pronta para tragar sua presa, se aproximou do Capman, parando ao seu lado e erguendo a mão, tocando-lhe o ombro.
— Deseja algo, senhor Capman?

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