"Confusão"

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Hana e eu ajudávamos as outras equipes de busca a descarregar seus jipes, e levar para onde separávamos e distribuíamos recursos, se fosse o caso de algum ferimento eu estava lá para ajudar. Tenho pouca experiência em combate, mas para compensar sou uma ótima médica. Aprendi muitas coisas quando meus pais estavam vivos, eles eram médicos e cientistas formidáveis. Eles procuravam algo, mas não conseguiram terminar as pesquisas, quase tudo foi queimado misteriosamente. E eles... Não gosto de falar disso.
Ao fitar o grupo de busca que estávamos ajudando, percebo algo incomum. Todos estão completamente bem, sem ferimentos, nem o pior dos casos, sem membros ou alguma perda infeliz, no mínimo um arranhão. Isso é bom! Mas quase três dias do lado de fora, sem nenhum problema, num mundo como o nosso, é anormal. Cutuco o líder daquela divisão, alto e moreno de pele, cabelo curto na frente e mais logo atrás, os olhos são quase verdes, ou azuis não sei. Questionando:
ーMateus, ninguém se machucou?
ーAcreditaria se eu dissesse não?
Ele riu levemente.
ーNa verdade sim. ー Devolvo o riso ー Perdemos dois dos nossos...
ーMeu Deus! Sinto muito, Alice... Mas que estranho, a floresta estava tão tranquila nesses ultimos dias.
Afirmo com a cabeça olhando em volta mais uma vez.
ーAlice!ーHana entrou na conversa bruscamente, confusa e irritadaーNão era para falar disso!
ーEu só… estava curiosa. Ninguém se machucou nos outros grupos!
ーDo que cê' ta falando?
ーOlha.
Aponto para outros grupos que foram chegando, completos com todos os integrantes, a ruiva olha ao redor, ficando mais confusa. Ela realmente não entendeu.
ーMas isso é bom.
ーVocês reencontraram o encapuzado e o da touca?
Mateus perguntou.
ーInfelizmente sim. O encapuzado deixou meu braço dolorido.
A garota mostra seu braço agora exposto pela falta do casaco, estava levemente roxo e avermelhado. Mesmo por cima do casaco, havia sido tanta força que chegou em sua pele. Sinto uma pontada no peito, de pensar que não estamos tão preparados quanto pensavamos.
ーCaramba! Deve ter doído.ー Ele olha para os lados. ーSabe, eu escutei uns boatos...
O garoto diz baixando o tom, se aproximando de mim e Hana.
ーSobre o quê?
Perguntei no mesmo tom.
ーUm menino foi mijar a noite, nas árvores próximas, e visível ao acampamento. Quando estava terminando, viu aquele Antro de touca verde, e logo depois o de capuz, pertinho dele.
ーNem foden...
ーShiu Hana! ー ele disse rápido. Suspirando pela boca. ーEram só eles dois, mais nenhum antrocan... Ele se assustou, e acordou o acampamento inteiro, para ligarem as lanternas, e não verem nada.
Hana, assim como eu, sente um frio na espinha. Nós nos entreolhamos.
ーAlucinação?
A ruiva questionou cerrando o cenho.
ーEstavam sendo vigiados...?
ーNão sei..., mas é melhor não pensar muito nisso. Deram sorte de estar bem.
Mateus se afasta sorrindo, para falar com os outros de seu grupo de buscas. Coloco a mão no peito para agarrar meu colar, sentindo a respiração pesada. Se estavam observando eles, talvez estivessem fazendo o mesmo com a gente. A sensação de desconforto toma conta de mim, e minha amiga parece sentir o mesmo, tremendo de leve as mãos. Meu colar não estava no pescoço.
ーMeu colar! Hana, meu colar! Eu preciso olhar o carro!
Corro até a caçamba do veículo usado por nós, e não vejo nada. O coração quase pulava para a boca. Fiquei mais alterada por ele do que pelos canibais. Aquilo era a única coisa que sobrou da minha família além de mim, a única coisa que lembrava meus pais. Eu estava surtando. Hana coloca um palmo em meu ombro.
ーLice, calma.
ーNão, não! Que droga! Preciso voltar no bunker...
ーFicou maluca porra?! É só um colar.
ーVocê sabe muito bem o quanto ele é importante para mim! Você sabe!
ーEu sei! Mas vai arriscar sua vida por isso?
ーVou. E se você não for comigo eu vou sozinha.
ーNão vou compactuar com isso!
ーEntão vou sozinha.
Digo e pulando no jipe, com as sobrancelhas cerradas, e pulso forte no volante. Ela olhou pros lados, revoltada, pensando se ia comigo ou não. Deveria estar me xingando muito em sua mente e todas as minhas escolhas, mas também estava preocupada apesar de tudo.
ーAi meu Deus, chega pro lado! ー Pediu, tomando posse do volante, e eu passando pro carona. Ela liga o carro, indo até os portões, fazendo sinal que iriamos sair. Os guardas confusos, afirmaram com a cabeça.
ーNão vamos demorar.
Se formos lentamente pela estrada, não faremos tanto barulho. Ambas ficaram caladas, até o carro passar pelos portões. Eu suspiro, colocando a mão no coração que batia forte.
ーAi que alívio… Eu não sei dirigir.
ーEi! ー Ela me dá um empurrão (que honestamente doeu), e eu solto uma risada pequena.ー Não ia te deixar sozinha nessa do mesmo jeito... Eu não seria uma boa amiga se eu não fosse.
Hana corou, firmando as mãos no volante, agora ela que estava com o cenho cerrado. Não gostava de dizer algo assim, era orgulhosa demais até pra essas pequenas coisas. Em alguns momentos ela consegue ser mais amável, e não tão estressada. Já me chamaram de ingênua por continuar falando com ela, mesmo ela sendo chata e arrogante. Entendo o por quê dela ser assim boa parte das vezes, por isso continuo falando com ela. Hana quando criança era terrível e não tinha muitos amigos, um tempinho' passou, a ruiva entrou nos eixos. Mas teimosia e estresse faz parte da sua personalidade.
ーEspero que a gente encontre...
ーTambém espero... Mas rápido para voltarmos logo, aqueles dois podem estar por perto. ー ela disse olhando em volta. ーPelo menos tem uma pistola comigo, no pior dos casos.
Assenti com a cabeça, atenta as árvores.
ーA floresta é tão bonita. Às vezes me esqueço que tem medo dela...
Minha amiga fica em silêncio.
ーTenho a sensação de estar sendo seguida. Fica quieta.
Desconversou. Mantemos a quietude até estacionar no acampamento vazio. Nós entreolhamos, afirmamos, procurando no chão, na bolsa perdida sobre o tronco próximo à fogueira, na... Bolsa?
ーHana...
Chamo-a baixo.
ーO quê?
Aponto a bolsa arrumada, suprimentos soltos próximo a ela, isso seria normal se não tivéssemos levado todas as bolsas as pressas sem deixar nenhuma tão arrumada. Aquele som mortal do silêncio, como se qualquer movimento brusco fizesse nós duas cair numa armadilha. O bater do coração foi ficando mais forte a cada segundo, fomos nos aproximando uma da outra, Hana sacou sua pistola. Lembro da história de Mateus, será que eles estavam lá o tempo todo e ninguém viu? E se sim... O que impedem de fazerem o mesmo agora? Estremeço, era muito fraca para lidar com qualquer coisa. Céus, por que não fiz um cursinho' para aprender socos pelo menos.
Um graveto se quebra no nosso lado, e o silêncio que se forma é mais que mortal. Rotacionamos a cabeça lentamente, para a origem do som, e lá estava, o encapuzado
Tão lento e silencioso que nem o escutamos. E o pior, parecia ter pisado no galho propositalmente, para demonstrar como era ágil e imperceptível. Hana arregalou os olhos, cerrando as sobrancelhas, apontando a arma no Antrocan.
ーSe afasta!
Por que Hana hesitou? Tem algo assustador no encapuzado, que não sei descrever. Ele ergue um pouco o rosto, como se houvesse algo no visor da máscara, e só poderia ver se olhasse a parte específica do vidro dos olhos, dando um passo a frente. Mas, porque ele não fez nada? O grito da arma ecoou, fazendo pássaros voarem de cima das árvores. Abalada, ao mirar o Antrocan, o sangue escorreu de sua barriga, aparecendo em sua blusa. Não demonstrou sentir dor, sendo que levar um tiro é uma das coisas que mais doem.
ーMas que… porra?
Outro Antro surge, o de touca verde, me tirando de perto de Hana. Envolveu um dos braços em meu pescoço, ele era forte demais. Só podia gritar, e até isso não permitiram, tapando minha boca. Minha amiga se confunde, em qual dos dois deveria atirar. O de capuz avançou e chutou sua arma para longe. A ruiva ergueu os punhos para defender o rosto, estava pronta para briga, tentando socar o encapuzado no estômago. Seu punho foi desviado, insistiu em vários socos, mas foram desviados, e eram devolvidos de forma certeira na barriga. Me senti uma inútil, não estava fazendo nada e Hana apenas apanhava. Mordo a mão do Antro que me segurava.
ーMe solta cacete!
Um último soco na garota, e ela cambaleou um pouco para trás. De forma surpreendente, o de capuz se vira para mim. Suspirando alto.
ーIsso já se estendeu demais... Solte ela.
O de touca obedece, me libertando. A voz meio rouca do que agora sei, é um garoto. Mas… isso não faz sentido. Estava confusa, com as mãos na garganta e tossindo. Mas feliz por respirar novamente. O olhar de Hana mudou.
ーVocê fala?!
O mesmo choque bate em mim. O de touca, tira sua máscara coçando a cabeça, rindo.
ーÉ né.
Viro-me chocada.
ーVOCÊS FALAM?!
ーFoi mal ter te machucado.
Eu e Hana ficamos ainda mais chocadas e confusas. Nos entre olhando freneticamente.
ーPor que não mataram a gente? Isso é uma brincadeira? Ou vocês só estão brincando com nossas esperanças?!
O de capuz vermelho se virou para mim, suspirando.
ーFique quieta.
Me calo na mesma hora. Hana, porém, ficou com mais raiva.
ーQuem é você para falar assim com ela?! Seu desgraçado.
ーAgradeceria se também ficassem quieta.
ーNão obedeço suas ordens, você é ridículo.
Silêncio. Ele tira sua máscara. Era quase como se um monstro aparecesse atrás dele aos poucos, representando o seu perigo eminente. Parece exagero falando assim, mas nunca vi olhos daquele jeito. Verde vivo, mas tão profundo e morto. Hana dá um passo para trás, e meu queixo cai. Nossa respiração fica pesada, e o pulso aumenta. Entretanto, eu ouso dizer: minha amiga está muito mais assustada que eu.

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⏰ Última atualização: Jul 06 ⏰

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