O clima primaveril tornava a noite carioca agradavelmente quente com uma leve brisa refrescante. Não sabia se era por conta da pequena multidão ou pelo nervosismo de ter um pouco de sua subjetividade exposta nos quadros, porém a fotógrafa se sentia meio entorpecida mediante ao evento. A galeria estava linda, havia mais pessoas do que o esperado, mas para alegria de Natália todos que chegavam até ela elogiaram seu trabalho.
A atual exposição da fotógrafa, Entre Meios, marcava o retorno do casal Cardoso Soffredini à sua pátria de maneira fixa após três longos anos residindo no Canadá. A curadoria para escolher as fotos que seriam expostas havia sido difícil para Natália. Cada uma delas era carregada por uma mistura de sentimentos e emoções.
Os quadros contavam com cliques de cenários canadenses, brasileiros e o limbo entre os dois, os aeroportos. Em suas fotos, Cardoso tentou transmitir a angústia de se viver em outro país e também o estranhamento de voltar para suas origens em visitas esporádicas.
As fotografias selecionadas variam entre mais despretensiosas e mais conceituais, afinal, o extenso acervo foi iniciado na intenção de registrar o cotidiano de Natália e Carolina se adaptando e explorando a vida em terras estrangeiras, eternizando memórias em cliques. Contudo, a pesquisadora insistiu tanto em dizer que mesmo nos momentos menos perfeitos, Natália tinha capturado beleza e poesia que a fotógrafa não pode evitar de tornar esses registros seu projeto especial.
Os cenários das fotos eram bem diversos, variando entre paisagens naturais e urbanas, pontos turísticos e principalmente aeroportos, onde Natália considerava ter registrado os momentos mais sensíveis.
Em cada clique a fotógrafa tentou expressar a constante sensação ambígua de saudade e realização que sentia e via refletida no olhar de tantos outros imigrantes, os olhares de pessoas desconhecidas desoladas pela separação que toda despedida pede e a alegria contagiante, quase indescritível, de se reencontrar os entes queridos.
O entusiasmo artístico de Natália com esse projeto era tanto que nem havia terminado de desfazer suas malas ainda. Fazia pouco mais de uma quinzena que o casal havia chegado em seu novo lar, uma casa confortável e aconchegante de seis quartos recém comprada e ainda em pouco mobiliada, mas perfeita para os planos futuros das mulheres.
Carol adorava ver a esposa feliz e dedicada a suas fotos, porém nunca tinha visto Natália se empenhar tanto, a ponto de esquecer coisas básicas do dia-a-dia como estava sendo comum nos últimos tempos. Tentava ser compreensiva o máximo que podia quando a esposa passava o dia no quarto transformado em home office da fotógrafa, quando comparecia a um encontro com as amigas sem sua companhia ou dormia sem o aconchego do corpo quente ao seu lado, afinal, conhecia bem a sensação de amar e querer se dedicar a um projeto profissional, é o que tinha feito nos últimos anos. Contudo, era difícil não se sentir meio carente e abandonada.
Os últimos anos ao lado de Natália foram os que Carol mais se sentiu rodeada de carinho, cuidado e principalmente amor. Entretanto, não ser a única prioridade da esposa fez uma a sementinha do medo do abandono crescer em seu peito, a deixando em conflito, se sentindo egoísta e ingrata, mas sabia que era algo inconsciente. Racionalizando entendia como aquela exposição estava sendo especial para Natália, contudo, a criança meio ferida e abandonada dentro de si cismava em dar as caras em alguns momentos para cutucar suas cicatrizes, mas as ignorou o melhor que conseguiu.
Carolina estava determinada a não deixar suas questões com abandono lhe deixarem insegura, nada naquele momento era mais importante do que poder presenciar a alegria nos olhos da fotógrafa ao apresentar seu trabalho. Ainda que mal tenha conseguido ficar ao lado de Natália em meio a multidão, ve-la ser o brilho da festa, assim como era a luz na sua vida, deixou a fisioterapeuta radiante de orgulho ao observar de longe a esposa ser elogiada pelas fotos lindas e sensíveis as quais se dedicou nos últimos meses.
Andou pela galeria conversando com as amigas admirando as fotos expostas. Apesar de já ter visto a maioria das fotos e de ter estado ao lado de Natália quando ela registrou aqueles momentos, vê-las nas paredes da galeria parecia meio mágico para Carolina, assim como quase tudo que envolvia sua esposa.
Passou seus olhos pelo salão na missão de encontrar Natália entre e a multidão de pessoas e a encontrou acompanhada, como muitas outras vezes naquela noite, entretanto, a companhia atual, uma belíssima mulher loira, alta e esguia, estava se lançou contra a fotógrafa a abraçando, abraço esse que foi correspondido calorosamente. Carol sabia que a esposa não gosta de abraçar desconhecidos, então quem era aquela mulher?
Pegou impulso para seguir em direção às duas e sanar sua dúvida, porém antes que desse um passo adiante Adriana segurou seu pulso gentilmente e sussurrou para que apenas ela pudesse ouvir: "Não é o momento para você deixar o ciúme vencer". A doutora sabia que a amiga estava certa, além de ser a pessoa que lhe conhecia melhor depois da esposa, é claro. Contudo, não pode evitar sentir seu sangue ferver um pouco.
Carolina se esforçou para manter um humor agradável até o fim do evento, mas sua mente insistiu em tentar amargá-lo revisitando insistentemente as cenas de outra mulher nos braços de sua esposa, uma outra mulher muito atraente com quem Natália interagiu de maneira atípica. Conforme a galeria foi esvaziando finalmente Carol conseguiu se aproximar da fotógrafa sentiu seu sangue ferver de vez e a raiva tomar conta de si.
Além da típica fragrância cítrica refrescante Natália também exalava notas de um cheiro adocicado marcante, que Carolina sabia não ser de nenhum dos perfumes da esposa, mas sim da loira desconhecida, ela havia sido a única a se aproximar o suficiente da fotógrafa o suficiente para transferir o cheiro, pelo menos a única que viu.
No carro, durante o caminho de volta para casa, Natália contava sobre as coisas que ouviu sobre suas fotos, apesar do conflito interno de Carol ela ouviu atenta tentando interagir correspondendo ao ânimo de Cardoso, no entanto, a maneira meio mecânica com a qual a doutora se comunicava tornou óbvio para a fotógrafa que algo estava incomodando sua esposa.
Natália revisitou os acontecimentos da noite em sua mente até encontrar algo que poderia ter sido a causa do comportamento de Carolina e só encontrou uma resposta: Diana. A fotógrafa nem sonhava que a loira poderia aparecer e muito menos que a abraçasse. Havia sido bom reencontrar alguém que foi parte de sua vida após tantos anos, entretanto, não valia a pena se isso fosse deixar sua amada insegura, afinal, Cardoso tinha conhecimento de que mesmo a relação entre Carol e Ester ter melhorado da água para o vinho, a doutora ainda tinha dificuldade de lidar com o medo do abandono.
– A galeria tinha tanta gente que até quem eu não via há mais de trinta anos apareceu. – Natália comentou fingindo casualidade assim que entraram em casa.
– Para quem não se viam a tanto tempo estavam bem íntimas, não acha? – Perguntou meio azeda confirmando as expectativas da fotógrafa.
– Acho que a mania de abraço é coisa de família, a mãe dela sempre fazia a mesmíssima coisa.
– A mãe é? Engraçado, até onde me lembro você tinha contado nunca ter conhecido a mãe de ninguém com quem ficou fora a minha. – Carol falou sem esconder seu descontentamento fazendo Natália rir baixo. – Está rindo do que Natália?
– Do seu ciúme. – Se sentou no sofá puxando a esposa para fazer o mesmo. – Sua carinha é meio fofa quando você fica brava de ciúme, ainda que ele seja sem justificativa.
– Sério, Natália? Aquela loira cheia de intimidade se esfregando em você, deixando o cheiro dela na minha esposa, não é justificativa? – Questionou indignada.
– Se esfregando? Calma aí, amor. Ela só me cumprimentou e não duvido que o perfume dela tenha grudado em mim, forte do jeito que era. – Esboçou uma careta.
– Ainda bem que não gostou do perfume da sua ex-namoradinha se não ia te fazer dormir nesse sofá.
– Amor, nunca tive nada com ela, Diana só foi uma amiga da época de escola que não vejo desde antes de conhecer você e as meninas. – Explicou olhando diretamente para as íris verde mar. – E mesmo que tivesse tido seria passado, sem qualquer possibilidade de volta. No meu presente e no meu futuro só tem espaço para você, Carol.
– Tem certeza? Essa tal Diana é tão bonita.
– Pode até ser, mas nunca ela ou qualquer outra mulher vai parecer sequer um por cento do que você é aos meus olhos. – Natália se levantou segurando a mão de Carol. – Agora vamos tomar um banho juntas para tirar esse cheiro de perfume de mim e eu tentar transmitir para você um pouco do que acabei de dizer.

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Aos Meus Olhos | Narol
FanfictionCarol não tinha dúvidas de que Natália a amava, mas às vezes era difícil evitar ser tomada pelo ciúme. Ainda mais quando uma mulher bonita desconhecida toma sua atenção em um momento importante.