Contarei uma história verdadeira. Conto porque preciso.
E porque a verdade ainda corre em minhas veias.
Bem me recordo da primeira vez que o vi. Era uma festa casual na nova casa de um amigo em comum. Tínhamos grupos de outros amigos que também se conheciam e que eventualmente se misturaram para conversar sobre coisas triviais e fofocas atrasadas.
Cruzamos nossos olhares exatamente cinco pares de vezes antes de sermos formalmente apresentados um ao outro.
No movimento das peças do jogo de xadrez do universo, ficamos frente a frente.
♦
-Venha, John... -Lita me acomodou mais à frente na roda. -Quero que conheça Paul. Ele é a mais nova aquisição da firma.
-Prazer em conhecê-lo, Paul. -Estendi o braço para cumprimentá-lo.
-Igualmente. -Com um imperceptível sorriso ele apertou minha mão.
-Paul, o John trabalhou na companhia há dois anos e hoje está colhendo os louros de um excelente serviço em outra grande empresa; ele surpreendeu até o mais descrente dos homens, fez mágica com os nossos resultados mensais. Garanto que ele dará a você muitas dicas de como começar onde ele também começou- Oh! Amanda! Olá, querida! -Lita acenou enérgica. Havia avistado uma amiga de longa data. -Com licença, cavalheiros. Volto em instantes.
Sorri para ele e iniciei uma conversa com as informações que tinha em mãos até aquele momento. Ele trabalhava na minha antiga firma e estava agora no posto que antes ocupei. Nada dificil, nenhum segredo a se guardar.
Mas durante os minutos que falei ele não me pareceu interessado. Ele nada perguntava, apenas ouvia, bebericava uma taça de vinho e me olhava com atenção, certamente para não parecer mal educado.
Lancei perguntas para ter algum dinamismo, mas ele era bem sucinto nas respostas. Um tipo reservado. Tendo isso em mente eu fui minando a conversa até cessar o suficiente para me retirar com uma desculpa qualquer.
Fui ao banheiro, me demorei um pouco e voltei para me despedir discretamente de três amigos.
Voltei para casa com ele em mente.
Primeiramente a fisionomia... Que belo espécime. Mordi o lábio em um sorriso. Ninguém para me julgar em quilômetros, eu pensei nele por horas a fio. Depois, avaliei o todo: quieto, um quê de mistério talvez... Interessante, mas talvez apenas para ele mesmo, afinal, não acho que fui bem quisto naquele momento.
Suspirei e no fim voltei à minha rotina.
Semanas se passaram até eu revê-lo novamente. Na verdade, nossos encontros foram sendo cada vez mais recorrentes à medida que saíamos com nossos amigos. Vez ou outra trocávamos algumas palavras naquele xadrez abstrato, que evoluíram para sentenças maiores mas nenhuma conversa que passasse de dez minutos de duração. Até cheguei a pensar que era algo que havia acontecido apenas comigo -levando em consideração o tanto de pessoas que ele já conhecia- no entanto, pelo que colhi, ele era assim com todo mundo.
Mas com os meses transcorridos eu já sabia de algumas coisas dele: sozinho, metódico, a única família era um irmão que vivia fora da cidade. O último trabalho foi numa empresa minúscula na cidade ao lado. Decidiu ganhar mais pela capital, então aperfeiçoou o que sabia e tentou a sorte com algumas candidaturas. Duas entrevistas e ele estava empregado. Toda a engrenagem pareceu funcionar a favor dele. É, tem gente com essa sorte...
Ele continuava um mistério pra mim. Eu tentava arrancar mais coisas dele com perguntas que levavam o triplo de esforço para elaborar a fim de parecerem interessantes o suficiente para aquela mente. E ele agindo sempre como da primeira vez: todo ouvidos, mas sem esboçar maiores reações. Olhando-me com uma atenção analítica, já sabendo de mim mais do que todos os diários que eu havia escrito. Mais do que todas os consultórios de psicólogos que eu já havia ido.
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A estranha novidade - Mclennon
FanfictionJohn entra em um jogo com um desconhecido onde ele não sabe as regras.