Capítulo 38

28 6 0
                                    

Jeongyeon Point of View

Dois a cinco anos.

Eu nunca pensei que não iria chegar aos vinte e três anos.

Já fazia horas que eu havia recebido o diagnóstico e eu ainda não conseguia acreditar que estava condenada à morte. A escuridão presente no meu quarto se assemelhava à penumbra que havia tomado conta do meu coração me fazendo mergulhar na mais completa angustia.

"Meu bebê só tem dezoito anos Changjoon!"

Eu estava com os ouvidos tapados e um cobertor cobria a minha cabeça, mas mesmo assim eu conseguia ouvir o choro da minha mãe em alguma parte distante da casa. E o sofrimento contido em voz dilacerava meu coração de uma forma que eu sempre achei impossível para um órgão no qual nós apenas colocávamos a culpa de todos os nossos sentimentos. A dor era real, toda aquela merda era real e eu não submeteria mais ninguém à mesma coisa que meus pais estavam passando.

"Ainda podemos esperar por um transplante, amor"

Eu sabia que meu pai estava tentando ser forte por todos nós e até o momento que eu subi para o meu quarto não o vi derramar nenhuma lágrima, mas naquele momento eu sentia o embargar em sua voz, fazendo com que tudo se tornasse pior. Era verdade sim que o médico havia falado sobre o transplante pulmonar e que talvez eu vivesse o suficiente para encontrar um doador, mas eu era realista e sabia que havia centenas de pessoas na minha frente esperando para que algum pobre coitado morresse para que assim pudessem viver. O pulmão só poderia ser recebido de um doador já morto porque o transplante inter-vivos era ilegal por conta dos riscos de morte aos quais o doador era submetido.

O som da campainha ecoou por toda a casa e eu me encolhi ainda mais sob os cobertores pedindo em pensamento a quem quer que fosse, para ir embora, mas o som continuou por alguns instantes e eu me levantei, me pondo à porta do quarto, caminhando escondida ao encontro de quem quer que estivesse a minha porta.

Lá de cima eu tive o vislumbre da figura de minha mãe tentando inutilmente se recompor enquanto meu pai ia atender a porta.

- Boa noite, tio Changjoon! –O sorriso que Mina deu para meu pai quase me cegou e a noção de que um dia eu não veria mais o seu sorriso quase fez que um grito de agonia rasgasse a minha garganta – O senhor está bem?

- Oi Mina... –A voz do meu pai vacilou – Eu estou tendo um resfriado que não me deixa em paz faz alguns dias – Ele simulou uma tosse e minha namorada assentiu.

- Acho que a Jeongyeon também está contaminada, ela tem tossido bastante nos últimos dias – Ela falou aquilo com a maior inocência do mundo e as lágrimas que minha mãe havia acabado de limpar com o torso das mãos foram substituídas por muitas outras. – Ela está por ai?

- Jeongyeon está dormindo. Eu pedi a ela que me ajudasse com algumas compras hoje e andamos o dia todo, ela só teve tempo de tomar um banho e apagar. – Minha namorada assentiu.

- Por isso ela não atendeu minhas ligações e a janela do quarto dela está fechada... –Ela estendeu uma travessa de vidro para o meu pai – Eu cozinhei um pouco de arroz con leche para ela, mas tem o bastante para todo mundo e se eu deixar lá em casa, ele não vai durar até amanhã – Ela riu e eu levei minhas mãos à boca apertando-as fortemente para que meu choro não pudesse ser ouvido.

- Obrigado minha filha, parece estar ótimo – Meu pai murmurou segurando a travessa e eu pude observar sua mão tremer e a outra apertar fortemente a maçaneta. Mina ficou parada na porta por mais alguns instantes, com o sorriso plantado no rosto e eu me contive para não ir correndo abraça-la.

- Hum... Já vou indo... Peça a Jeongyeon para me ligar assim que puder – Ela se virou e começou a se afastar – Melhoras! – Assim que a porta de entrada foi fechada, eu voltei correndo para o meu quarto e ali desabei.

Eu não poderia submete-la ao martírio de me ver morrer aos poucos. Ela não merecia um amor quer iria morrer em breve. Ela não merecia alguém que dali a algum tempo não conseguiria nem pentear o cabelo sem que tivesse uma crise respiratória. Ela não merecia alguém quebrado, cheia de cicatrizes como eu.

Eu precisava terminar aquilo antes que crescesse, antes que ela me amasse, antes que as coisas começassem a ficar feias. Eu precisava cortar e enterrar o nosso amor antes que a tempestade chegasse, mas eu ainda não tinha coragem.

- Amor... – Ela murmurou para mim no dia seguinte.

- Sim, Minari. – Eu respondi com um sorriso que não passou de um curvar de lábios.

Estávamos no mesmo parque aonde meses atrás eu a chamei para o primeiro encontro, no mesmo lugar aonde semanas antes gravamos o nosso nome em um banco que havia na calçada, estávamos no mesmo lugar aonde eu me permitiria pela última vez imaginar uma vida com Mina.

- Ouça essa poesia – Ela murmurou deitada em meu colo enquanto eu me recostava ao tronco de uma das árvores. – É de um cantor brasileiro e postaram no grupo de estudos de língua portuguesa, eu a traduzi para você. – Ela disse com os olhos voltados para o bloco onde ela, às vezes, escrevia.

- Sou toda ouvidos. –Murmurei acariciando as mechas castanhas de seus cabelos, pensando no quanto sentiria falta daquilo quando tudo acabasse.

E então sua voz rouca começou aquele recital particular.

"Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio;
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca;
Porque metade de mim é o que eu grito,
Mas a outra metade é silêncio...
Que a música que eu ouço ao longe
Seja linda, ainda que triste;
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante;
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade...
Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece
E nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta
A um homem inundado de sentimentos;
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo...
Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço;
E que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada;
Porque metade de mim é o que penso
Mas a outra metade é um vulcão...
Que o medo da solidão se afaste
E que o convívio comigo mesmo
Se torne ao menos suportável;
Que o espelho reflita em meu rosto
Um doce sorriso que me lembro ter dado na infância;
Porque metade de mim é a lembrança do que fui,
A outra metade eu não sei...
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais;
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço...
Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer;
Porque metade de mim é plateia
E a outra metade é canção...
E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade... também."

- Amor, o que aconteceu? –Por entre as lágrimas que eu não conseguia mais conter, vislumbrei sua silhueta preocupada me fitando e aquilo fez com que eu chorasse mais ainda. Era como se aquelas palavras houvessem sido encravadas no fundo da minha alma e depois retiradas a força dolorosamente e postas sobre o papel.

- Eu... –Tomei fôlego – eu achei lindo... – Eu sorri antes de ser acometida por mais uma crise de choro.
- Jeongyeon, o que está acontecendo? –Ela se sentou de frente para mim. – Desde que chegamos eu tenho notado você quieta e não estou reclamando, mas hoje você está muito mais grudenta que o normal. –Eu a puxei pelos braços e a fiz sentar-se em meu colo, logo a abraçando.

- Eu só estou de TPM amor... –Eu apertei sem a vontade de soltar – Eu te amo, sabia? – Ela me abraçou de volta e plantou um beijo em meu pescoço antes de suspirar.

- Eu também te amo, Jeongyeon!

Ela também me amava e a vida era uma merda.

You Hate Me While I Love You • (Jeongyeon + Mina)Onde histórias criam vida. Descubra agora