Capítulo 2 - Farpas

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Ao sair do edifício Sheine Plaza, me senti feliz por saber que os dias em busca de emprego haviam chegado ao fim. Olhei para o céu e agradeci a Deus por esta oportunidade. Além de um salário que cobriria todas as despesas, ainda dava para juntar um dinheirinho para comprar uma moto. Algo me dizia que eu estava caminhando para uma ótima fase da vida. Pensei no meu irmão, não nos víamos há alguns dias, e queria muito compartilhar sobre o novo emprego. Decidi ir caminhando até o Pet Park. Todas as segundas-feiras, após o expediente, Jonas fazia um check-up nos equipamentos de informática da loja. O som suave de uma música ao vivo, vindo de um violinista solitário, flutuava no ar, misturando-se ao burburinho dos pedestres.Vi crianças brincando nas calçadas e no pequeno parque, e senti uma tristeza dentro do peito por nunca ter tido a oportunidade de sorrir tão despreocupadamente na minha infância. O pouco que lembro da mulher que me colocou no mundo é dela sempre estar muito irritada ou com muita pressa. Não me lembro de um abraço, nem de histórias contadas na cama antes de dormir. A única vez que ela me abraçou foi para me abandonar e nunca mais dar notícias.


 Respirei fundo e substituí as lembranças do meu passado triste pelo som dos pássaros cantando e o farfalhar das folhas ao vento, que criavam uma trilha sonora natural e relaxante. O sol começava a se pôr, as vitrines começavam a acender suas luzes, e eu sentia o aroma inconfundível de café fresco de alguma cafeteria ali por perto. Cheguei na rua Green Boulevard, virei à esquerda, seguindo uma viela que me levou até o Pet Park. Ao chegar na entrada do Pet Park, vi algumas pessoas com seus pets. As risadas e conversas ecoavam pelo ambiente, enquanto os cães latiam alegremente. Dirigi-me ao balcão para me identificar. Como já me conheciam, a moça apenas sinalizou que eu podia entrar, e logo na primeira sala vi meu irmão debruçado sobre um computador desmontado.

— Olá, ET! — saudei Jonas animado.— Olha, que hoje eu daria tudo para encontrar uma nave e desaparecer — disse ele sorrindo e deixando as ferramentas na mesa para me dar um abraço.— Esqueceu que é o padrinho da minha filha? Não apareceu mais!— Não esqueço nem um dia sequer, amo aquela ratinha. Mas estou cheio de trampo extra, você sabe, né? Tenho que aproveitar a maré alta, para depois surfar na baixa.— Tá certo. Eu sabia que ia te encontrar aqui. Vim só para te contar a novidade: estou empregado! Consegui emprego na Sheine, cara! A indústria Sheine, como técnico de manutenção!Jonas abriu um largo sorriso e me encheu de tapinhas nas costas.— Graças a Deus, mano! Fico feliz demais por você, por sua família e por minha sobrinha. Ela merece uma vida melhor do que a nossa. Afinal, você não vai querer repetir toda a merda que tivemos, né?Fiz o sinal da cruz e bati na mesa de madeira à minha frente.— Nunca, jamais. Minha filha será amada e muito bem cuidada.Jonas voltou a atenção ao computador quando ouvimos vozes alteradas no corredor. Ao virar, dei de cara com Anne, a filha da presidente da Sheine, a mesma que chegou após eu salvar a mãe dela de morrer no fosso do elevador. Ela estava de óculos escuros, carregando uma pequena bolsa de grife e segurando a coleira de um poodle minúsculo.— Você não é aquele moço de hoje? — disse Anne, com um tom de surpresa e desdém ao mesmo tempo. Me virei e a vi ao lado de um cachorro visivelmente maltratado. Seu olhar de superioridade era inconfundível, mas havia uma ligeira preocupação em seus olhos enquanto olhava para o animal.— Sim, sou o Ben, o novo técnico de manutenção da Sheine — respondi, tentando manter a compostura.Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Anne olhou para Jonas e, confundindo-o com o veterinário, perguntou:— Você é o veterinário daqui, não é? Preciso de ajuda com este cachorro. Ele estava abandonado na entrada do shopping.Jonas, sempre pronto para uma brincadeira, abriu um sorriso largo, claramente encantado pela beleza da moça. Piscou para mim e respondeu rapidamente:— Claro, sou o veterinário. Posso dar uma olhada no seu cachorro — disse ele, fingindo ser profissional.Eu devo ter mudado de cor. Olhei com cara feia para o meu irmão, mas Anne parecia completamente alheia à situação, focada apenas no cachorro.— Ótimo, obrigada! — disse ela, parecendo um pouco mais relaxada. — Ele parece estar em péssimas condições, e eu não sabia o que fazer. Entrei no primeiro lugar de pet que encontrei.Jonas se agachou para começar a examinar o cachorro, mas não aguentei.— Jonas, pare com isso. Ele não é o veterinário, senhorita. Ele é meu irmão.Anne ergueu uma sobrancelha, claramente irritada e envergonhada.— O quê? Você está brincando comigo?Jonas se levantou, parecendo um pouco arrependido, mas ainda divertido.— Desculpe, só queria ajudar. Vou chamar o veterinário de verdade para examinar o cachorrinho.Anne suspirou profundamente, claramente frustrada.— Tudo bem, faça isso. Mas que seja rápido.Meu irmão passou por mim e me deu um soco no braço.— Desmancha-prazer.— Obrigada de novo, eu acho — disse ela, com aquele tom de superioridade que só quem vive na alta sociedade sabe ter.Eu apenas assenti. Jonas voltou com o veterinário e fez uma reverência para Anne:— Vamos deixar o veterinário fazer seu trabalho. Espero que o cachorrinho fique bem — disse ele galante.— Espero também que ele fique bem e consiga um lar. Minha mãe jamais permitiria um cachorro em nossa casa — disse ela, um pouco triste, alisando o topo da cabeça do bichinho.Jonas rapidamente pegou um bloco de notas e rabiscou o seu número de telefone.— Se a sua mãe não deixar você ficar com o cachorro, a minha mãe tenho certeza que não vai se importar. Qualquer coisa, me liga e eu viro um papai de pet para essa belezinha — disse meu irmão afagando o pequeno peludinho.

Quase puxei meu irmão pela camisa, mas me contive até chegarmos ao pátio.

— Cara, você nunca teve um cachorro! Tá dando em cima da filha da minha patroa? Quer me fazer perder o emprego antes do fim da experiência? Por favor, JhoJho, tem mulheres lindas por aí com seu número de telefone, e aposto que nenhuma delas tem dilemas caninos para você resolver.Jonas se segurava para não rir.— Calma, Benjamim! Você acha que uma garota mimada, rica e cheia da grana vai dar moral para o técnico de informática? O irmão do técnico de manutenção que trabalha para a mãe dela?— É a mãe dela! O pai dela faleceu há alguns meses, pelo que fiquei sabendo. E você tem razão. É muita areia para o seu caminhãozinho.— Bom, tenho que voltar lá dentro e terminar aquele computador antes que ele termine comigo.— Ok, vou para casa contar as novidades do dia para Eliza e ver minha princesinha. Vê se não some. Tem três domingos que você não almoça conosco. A Jheny já está ficando brava, e você não quer deixar sua mãezinha brava, né?Ele fez uma careta engraçada e voltou saltitante para dentro, e eu segui o caminho para casa. Ao entrar no metrô, me dei conta de que meu irmão deu a entender que tem uma mãe em casa. Bufei. Jonas ainda não deixou de desejar ter nossa mãe por perto.

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⏰ Última atualização: Jul 10 ⏰

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