Profano

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Luciano se lembrava bem daquela missa, a maldita missa que foi apenas a pedido de sua mãe, pois gostava de vê-la feliz e se ele entrasse naquela maldita igreja, ela sorriria para ele e tudo valeria a pena, ainda mais que era apenas um domingo, um maldito domingo onde ele não tinha que fazer nada, e sendo totalmente honesto, preferiria passar 4 horas ouvindo um sermão do que passar 4 horas tenso a espera de seu pai embreagado em casa. Tudo era melhor fora de casa.

De qualquer forma, sua primeira missa foi em um domingo de setembro, antes de ir, ele havia sido convidado por sua mãe a participar da próxima missa que seria no domingo daquela semana, ela tinha um sorriso receoso no rosto e parecia tão tímida em pedir a companhia do filho, Luciano vendo isso, não teve a coragem de negar, mesmo que não fosse o mais religioso, acreditava que, se sua mãe estivesse feliz, tudo estaria bem, por ela estaria bem.

Quando chegou, viu uma estrutura intimidante para si, viu estátuas de santos que pareciam chorar pelo tanto de pecadores que não mudavam seu ser e que achavam que sua presença lá já mudava todo o pecado que eles carregavam nas costas. Lá estava o padeiro que traía sua esposa todas as noites, assim como lá estava o filho mais velho do mesmo padeiro afastado do pai pela raiva que não desaparecia, por isso gastava tudo no álcool, mas nunca parando. Também estavam ali duas idosas na casa dos 70 que ao verem Luciano e sua mãe, faltaram queimar de ódio em vê-los, normal nos anos 90, Luciano, mesmo com 14 anos, estava se acostumando com aquilo. Bem, ele também avistou uma das mulheres que se jogavam para seu pai em busca do dinheiro que ele gastava com bebida, a dona do mercadinho da região, uma família formada por um homem moreno, uma mulher loira e 3 crianças vestidas como bonecas de pano. Luciano já viu todos esses e já teve boas conversas, ele sabia bem a índole de cada um.

Lembrava de estar atento com aquelas pessoas ali, como se temesse ser atacado, já que estava em um lugar novo e estranho para si e também se mantinha perto de sua mãe que permanecia em silêncio quanto ao olhar nojento das duas idosas. Luciano queria perguntar se elas perderam a bunda com eles para ficarem os encarando daquela maneira, mas era arriscado só de existir naquele tempo. Mas bem...

Ele se sentou ao lado de sua mãe, que tinha sua única bíblia em mãos e olhava para o altar com paciência a espera do padre chegar começar a missa, isso enquanto ele ainda observava o novo lugar, deixando seus olhos passearem por cada estrutura de aparência medieval ou gótica como denominou seu livro de artes.

Até o momento que seus olhos pararam, avistando algo que nunca pensou que pudesse realmente existir.

Ele estava vidrado.

Dreads longos e bem penteados, pele escura mas com algumas manchas brancas em sua face e mãos, olhos tão escuros e profundos que foi neles que Luciano se perdeu confuso. Vestia uma camisa social com estampa de flores rosas e uma calça cor caqui que estava presa em sua cintura com um cinto de couro da mesma cor, calçando um sapato oxford também marrom e brilhante. Ele era alto, talvez mais que ele e... Esse sorriso... Um sorriso de alguém distraído por estar ocupado demais arrumando algumas coisas ali, ele arrumava o piano da capela.

Aquela visão era algo anormal para Luciano, que não entendia o que via de tão especial naquele homem e muito menos entendia o que sentia naquele momento, isso até que sua mente lhe deu a resposta para essa questão tão óbvia.

Era claro como a luz do dia, Luciano acabara de avistar um anjo.

Passaram 6 anos desde aquele dia e Luciano nunca faltou a uma missa, apenas para poder ver Fernando, o anjo que ele avistou no seu primeiro dia naquela igreja. E desde aquele dia, Luciano, que nunca havia se sentindo bem com tudo ao seu redor, estava lá, sorrindo ao ver um anjo tocando piano, se encantando com cada nota tocada por seus dedos tão ágeis. Como, mesmo de olhos fechados, sabia onde tocar?

Profano (Lucifer)Onde histórias criam vida. Descubra agora