Primeira Canção

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As gotas de chuva pareciam sincronizadas naquela noite. Enquanto o ômega caminhava podia senti-las tocando seu rosto. Havia uma melodia triste tocando em algum estabelecimento ali perto. O universo parecia escutar sua tristeza e chorar junto dele.
Entrou no grande prédio azul, deixando a melodia e a chuva para trás. Ali dentro tudo parecia vivo, diferente da depressão noturna do lado de fora, ali era tudo muito agitado. Todos trabalhavam como se em uma tarde de terça feira.
O ômega cruzou a entrada do local indo até a recepção.
-Boa noite. Levi Sorthin, tenho uma consulta agora.
-Boa noite senhor Sorthin, pode subir ao segundo andar, em breve o médico irá te chamar.
Levi sabia onde tinha que ir, mas era um protocolo se apresentar na recepção, Clara a recepcionista o conhecia bem, o via pelo menos 6 vezes ao ano há cerca de oito dos dez anos que frequentava o local. Ignorou o olhar de pena da mulher e pegou o elevador para o segundo andar.
Nos primeiros anos Levi ia até lá de dia com sua mãe ou mesmo sozinho, mas depois de ouvir tantos comentários idiotas começou a frequentar o local a noite.
Se sentou em um banco próximo a porta da sala de seu médico e aguardou, o local estava praticamente vazio, ao longe podia ver uma enfermeira beta e a algumas cadeiras uma jovem ômega que ria enquanto mexia no celular.
A clínica funcionava 24 horas e tratava de qualquer tipo de necessidade que ômegas ou betas tivessem. O segundo andar era o de controle de cios. Todo ômega solteiro era obrigado a ir até o local uma semana antes do seu cio e aplicar uma substância que garantiria que nenhuma surpresa fosse acontecer.
Há cerca de 50 anos o governo havia determinado uma medida para evitar acidentes e proteger ômegas. Uma forma de controlar a natalidade e evitar prejuízo. Ômegas dominantes tinham o cio apenas uma vez ao ano e possuíam um cheiro muito forte. Ômegas de classe média tinham cios duas vezes ao ano e seu cheiro era um pouco mais suave. Ômegas de classe baixa tinham cios 3 a 4 vezes ao ano e seu cheiro era muito fraco ou inexistente. O cio era determinado pela fertilidade do ômega, quanto mais cios menos fértil ele era. Levi tinha 6 cios no ano, mas seu cheiro era muito forte. Varias vezes fora chamado de aberração. Sua mãe dizia que ele era especial, mas mães sempre diziam isso.
-Senhor Sorthin, pode entrar.
O médico beta o chamou. Levi entrou na sala.
-Como tem passado Levi?
-Muito bem senhor Duarte e o senhor? Como vão as crianças?
-Ah Levi, minha casa está uma bagunça, minha esposa não aguenta mais, trigêmeos não são para qualquer um.
Os dois riram, August Duarte era seu médico desde os 18 anos, era um beta muito gentil casado com uma ômega dominante, com o tempo Levi havia feito amizade com o homem que falava sobre sua vida o tempo inteiro.
-Só uma picadinha.
O beta havia prendido o braço de Levi e preparava a substância verde que seria injetada nele.
-Essa coisa um dia ainda vai me matar.
O médico injetou o líquido no braço do ômega que soltou um pequeno gemido de dor, nunca ficava mais fácil.
-Não vai te matar Levi, mas se não encontrar um parceiro logo, pode ficar estéril, eu já te disse isso. Aplicar o controlador de cio 6 vezes ao ano durante 10 anos é loucura.
-O senhor fala como se fosse fácil encontrar um parceiro para mim.
Levi suspirou, queria encerrar o assunto. Jamais encontraria alguém e já havia aceitado isso.
-Se cadastre naquele site de namoros que te falei rapaz, meu filho achou sua ômega assim.
O médico limpou o braço do ômega e jogou fora a seringa usada.
-Nem todo mundo tem essa sorte August, mas vou pensar na sua ideia. Até a próxima.
Saiu do consultório o mais rápido que pôde, gostava do beta, mas não queria tocar no assunto.
Levi sonhou por anos em encontrar um bom rapaz, ter um filho se possível já que era pouco fértil e viver sua vida tranquilamente. Mas depois de 5 anos desistiu.
Os ômegas entravam no cio pela primeira vez aos 15 anos. O sinal de um cio era claro, calores intensos dores no ventre, lubrificação exagerada e o cheiro se intensificando, quando os ômegas eram de classe baixa o cheiro fraco se tornava mais doce, mesmo que discreto já era um sinal. Quando Levi entrou no cio todos acharam que ele se tratava de um ômega dominante, mas naquele ano com cio atrás de cio, perceberam que apenas seu cheiro era forte. Era um ômega pouco fértil. Hoje com 25 anos a única coisa que ele queria era trabalhar e viver sua vida em paz.
Tinha uma floricultura no centro da cidade e o negócio ia muito bem. Levi sempre amou flores, desde muito pequeno, cuidava do jardim junto de sua mãe e quando ela faleceu continuou preservando sua memória.
Levi era filho único, sua mãe Alanis era uma ômega dominante e seu pai Rodolfo um alfa de classe baixa. Rodolfo era empregado na casa da família de Alanis e se apaixonaram assim que se viram, eram companheiros. Ômegas não conseguem sentir seus companheiros de imediato mas alfas sim, Rodolfo mesmo com medo se declarou para a ômega que correspondeu seu amor. Demorou alguns meses para Alanis perceber que Rodolfo era seu companheiro e finalmente contar para sua família que se casariam.
A família de Alanis não aceitou muito bem, não era comum que classes altas se unissem a classes baixas, não bastasse seu grau de hierarquia na sociedade ainda existia a diferença de posses, uma família rica como a Sorthin jamais poderia se unir a família pobre de Rodolfo.
Alanis precisou fugir com seu marido e só quando Levi nasceu é que os Sorthin entraram em contato com ela novamente. Alanis era a preciosa filha ômega da família e Levi seria o primeiro neto de Oscar e Marina Sorthin. Fizeram uma proposta: seu filho deveria levar somente o sobrenome dos Sorthin, em troca teria seus estudos bancados pela família e seria o herdeiro da grande herança. Mesmo com tantos erros hoje Oscar e Marina podiam admitir que seu neto Levi era sua maior benção.
Rodolfo morreu quando Levi tinha apenas 8 anos e o menino nunca conheceu a família paterna. A verdade era que o ômega não tinha muitos motivos para sorrir. Amava seus avós mas eles exigiam muito de si, era um ômega apaixonado por flores e não um empresário, não poderia assumir a empresa da família, estudou economia, administração e tudo que os avós queriam mas não tinha nenhum interesse em administrar a Soranis.
Soranis era uma empresa conhecida, a maior fábrica de carros do país, daí todo o dinheiro da família Sorith. Apesar disso Levi insistia em seguir sua vida o mais normal que pudesse e ir a jantares na casa de seus avós somente uma vez por semana para não decepciona-los.
-Olha por onde anda seu gordo nojento.
Levi estava tão imerso em pensamentos que nem notou quando a ômega que vira mais cedo cruzou com ele na frente da clínica. Havia esbarrado nela e derrubado o café que ela carregava no vestido branco.
-Serio que eu sou gordo? Desculpa eu nem percebi. Da próxima vez eu tomo mais cuidado se você aprender a ser mais educada.
Levi não era de revidar, mas não ia admitir ser chingando daquela maneira.
-Escuta aqui seu metidinho.
A mulher loira apontava as unhas bem feitas em sua direção.
-Escuta aqui você sua vadia, seja mais criativa na hora de humilhar os outros. Tenho mais o que fazer.
E saiu rapidamente ignorando a mulher que dava um chilique atrás de si. Respirou fundo o ar começava a faltar, costumava passar mal se ficasse nervoso. Tentou se acalmar, viu uma loja de conveniência e correu para lá.
Levi ouviu a vida inteira que era uma aberração, que era gordo demais, que era um ômega errado e quando se passa 10 anos de sua vida ouvindo essas coisas passa a não aguentar mais humilhações. Levi tinha pouco menos de 1,60 de altura, os cabelos loiros os olhos azuis e o rosto delicado eram a marca de que era um ômega, mas o corpo redondo e cheinho demais fazia a maioria dos pretendentes se afastarem. Ômegas gordos era incomuns. Diziam que ele era assim por ser defeituoso.
Foi até a geladeira da loja e pegou uma garrafa de água, pagou por ela e voltou para a rua. A alguns anos atrás os ômegas eram proibidos de trabalhar ou andar pelas ruas sozinhos, mas desde que as novas leis foram aplicadas muita coisa tinha mudado para assegurar sua segurança. Ainda não era muito inteligente andar por aí sozinho, mas Levi tinha certeza de que podia se virar.
A casa de Levi ficava distante da cidade e não tinha como ele ir caminhando até lá. Para sua sorte nenhum carro estava atendendo seus chamados no aplicativo. Resolveu andar um pouco mais para o centro da cidade e ver se encontrava um táxi.
Era uma noite de sexta e os bares ali estavam cheios, já se passava da meia noite e não conseguia encontrar nenhuma forma de ir para casa. Teria que ligar para os seus avós.
Enquanto caminhava passou em frente ao Serpentina, o bar de alfas da cidade, era um lugar sujo onde os piores se encontravam para beber, não acreditava que havia chegado até ali, onde estava se metendo? Do bar dava pra se ouvir a música barulhenta e pesada. Por que deixavam um local como aquele funcionar no meio da cidade?
Levi atravessou a rua para evitar o bar, não sem antes ser notado pelo grupo de 3 alfas sentados em suas motocicletas antigas.
-Ei gracinha está perdido?
Um alfa grande e velho falou, estava totalmente bêbado.
-O que é isso Craig, vai dar em cima de um balofo?
Os homens riram. Levi apressou para sair dali.
-Ei cara volta aqui, não liga pra eles não.
Um alfa correu em sua direção e pegou a sua mão.
-Vem vamos entrar no bar.
-N-não obrigado.
Se odiou por gaguejar, queria responder mas não conseguiria discutir enquanto morria de medo. Tentou pegar o celular mas o alfa moreno o puxou em direção ao bar.
-Fica frio cara, não vamos fazer nada com você, vocês ômegas tem aquele troço de chamar a polícia então não tem com o que se preocupar. A noite tá muito chata hoje. Vamos nos divertir.
O "troço de chamar a polícia" era uma pulseira que todos os ômegas eram obrigados a usar, tinha um botão e em caso de violência a polícia mais próxima era imediatamente acionada.
-Eu realmente preciso ir.
-Olha, eu me chamo Ted, o idiota que te chamou de balofo é o Bryan e esse velho gagá que você conheceu é o Craig.
Levi tremia, pensou em acionar sua pulseira mas se não corresse real perigo seria multado. Respirou enquanto era arrastado para dentro do bar.
-Olha cara, a gente é legal tá bom? Só não dar bola pro que meus amigos idiotas falarem.
Levi assentiu, não conseguia falar no momento. A coragem de alguns minutos atrás sumindo de si. O Serpentina era bem diferente da sua fama, não estava lotado mas podia ver que além de alguns alfas fedidos haviam betas e até ômegas ali. Uma banda tocava ao vivo e o vocalista era um ômega delicado com uma voz que jamais descreveria sua aparência. Levi arregalou os olhos.
-E aí quer beber o que?
Ted tentava ser gentil, muita gente tinha preconceito com o seu bar e tentava aos poucos mudar a visão do local.
-Eu estou bem, obrigado.
Ted foi ao bar e voltou com uma cerveja, entregou ao ômega.
-Toma, por conta da casa.
Levi receoso aceitou, estava fechada então não ia ser dopado. Abriu a cerveja e tomou um gole enorme.
-Ei, cara, vai com calma! Me fala aí, qual é o seu nome?
-Sou Levi. Não sabia que vinham ômegas nesse bar.
-Só Levi? Que nome curto.
-Minha mãe não era muito criativa. E você não pode falar nada.
Ted riu.
-Respondendo sua pergunta, qualquer um pode vir no Serpentina, meu bar não é o local assustador que todo mundo pinta.
Levi olhou para o alfa surpreso.
-Desculpa não sabia que era o dono.
-Tudo bem, sou Teodor Moose. Bem vindo ao Serpentina.
Ted estendeu sua mão para o ômega que apertou levemente e olhou para o palco. A banda havia saído e um homem arrumava alguns instrumentos.
-Ted, foi um prazer, mas preciso ir.
Levi tentou fugir mas o alfa o puxou para perto de si.
-Fica Levi, escuta a próxima música e depois vai, você vai gostar.
Levi suspirou.
-Ei Charles! Vem aqui. Tenho alguém pra te apresentar.
Gritou e o ômega que antes cantava veio na direção deles.

Canções da Meia Noite (Romance ABO)Onde histórias criam vida. Descubra agora