2. Anjo da Guarda

8 1 0
                                    

O que é o amor dos humanos? Uma espécie de dádiva destinada a um único ser? A troca de bons sentimentos de pessoa para pessoa? Um indivíduo apaixonado nem sempre é correspondido

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

O que é o amor dos humanos? Uma espécie de dádiva destinada a um único ser? A troca de bons sentimentos de pessoa para pessoa? Um indivíduo apaixonado nem sempre é correspondido. Por eras acreditei que o único amor verdadeiro existente é o de Deus, meu criador, provedor de todas as coisas, senhor da justiça e do altruísmo. Como anjo da guarda, meu dever é cuidar da humanidade, para que eles trilhem um bom caminho, o que considero certo. Sim, deveria ser uma tarefa fácil, mas não imaginam o quão difícil é convencer as pessoas, e a que mais havia me dado dor de cabeça nesses últimos anos é Evelynn Heinrich, mulher que não aceitava de jeito nenhum que o amor pode gerar frutos significativamente melhores em sua vida.

O amor não funcionava com Eve, de maneira alguma. É de minha ciência que humanos possuem teus defeitos e não cabe a mim, um mero anjo protetor, julgá-los. Porém, não possuo a divina paciência do Senhor, e Evelynn parecia querer testar meus limites conforme metia-se em situações de perigo e enrascadas. A começar pelo fato de ser uma jovem que acaba de sair do que chamam de "adolescência", esta garota não mede esforços para degradar a própria vida, como se tua existência não fosse responsabilidade minha. Ora essa, Eve sequer imaginava que existo e que estive sempre de olho em tuas ações, era uma alma perdida que buscava intoxicar a si mesma enquanto a vida não lhe abandonava, enquanto eu não a abandonava.

Humanos acreditam que os olhos são o espelho da alma, é uma teoria que nem mesmo eu, uma criatura celestial, posso confirmar. Nos olhos de Eve eu não via amor, não enxergava quase nada, mas de alguma maneira, era belo. Há hierarquia dentro da vida, a biologia elucida essa questão para os humanos, é o que eles chamam de "evolução". Se não me engano, existiram vários homens que pesquisaram durante suas finitas vidas o que é uma evolução. Realmente, meu Senhor cria alguns indivíduos muito especiais, embora alguns destes em específico tenham vivido sem crer nEle. Há hierarquia entre os anjos, fui designado para o papel de "anjo da guarda", mas diferente do que os mundanos creem, não existe um anjo específico para cada pessoa, senão seria necessário mais de sete bilhões de anjos pra cuidar de cada um.

É tolo o pensamento de que um anjo deveria guardar uma única pessoa, sendo que Deus guarda tudo o que existe, em sua infinita bondade. Gostaria de dizer à Evelynn que não eras especial, portanto, não havia razão para que eu fosse seu anjo pessoal. No entanto, nos últimos três anos, minha única função fora retirar essa humana de situações de risco e salvá-la de si mesma, e nunca me perguntei o motivo.

Nasci para cuidar de humanos, Eve é humana, logo, nasci para guardá-la também. O amor e compaixão que sinto pelas criaturas mundanas é demasiado, porém evitei ao máximo que estes sentimentos fossem exclusivos de uns e outros, sendo um sentimento igualitário para todos que vigio, não mais importante que o amor que sinto ao meu criador. O amor e a devoção por Deus sempre deverão ser maiores do que qualquer outro.

Eve era uma mulher deveras curiosa para mim. Suas ações tendiam a ser autodestrutivas e peguei-me diversas vezes angustiado com a mínima possibilidade de ela deixar o plano dos mortais antes da hora. Não compreendia essa sensação de dever, claro que eu já deveria estar mais do que acostumado à aflição de falhar como anjo da guarda, toda criatura viva possui o medo do fracasso. Aos poucos percebi que algo em mim havia mudado desde que passei a me dedicar à função de salvar Eve de suas presepadas. Algo como "amor" estava tomando conta de minhas ações nos últimos instantes, a cada dia me sentia mais fraco, como se viver para proteger Evelynn fosse uma doença. Na realidade, era pior do que isso.

Eu estava me apaixonando por uma humana. Por conseguinte, me tornando humano.

E de repente vi-me diante de um impasse. Como anjo, eu deveria ser devoto ao Senhor e amar a humanidade com amor equivalente e semelhante. Cativei-me com a impetuosidade de Evelynn, tornei-me fiel a ela, deixei de lado minhas obrigações como anjo de várias outras almas humanas e permaneci somente ao seu encalço. Deixei-me apaixonar-me por aquela mulher que via a vida como um monte de lixo, mas ao mesmo tempo, um lixo que ela deveria aproveitar ao máximo.

Não desejava mais proteger a humanidade, não desejava pregar a paz. Desejava Evelynn. Desejava tê-la pra mim; um desejo promíscuo, mesquinho, egoísta, humano. Um desejo que não cabia a mim, mas que era estranhamente satisfatório.

Deus teve uma conversa comigo. Cada vez mais estava me desapegando dos outros seres humanos e me dedicava apenas à Evelynn. Era devoto a ela como se fosse minha deusa, isso era uma blasfêmia. Contudo, meu criador misericordioso propôs que eu refletisse minhas recentes decisões. Ele não iria me julgar por fazer uma escolha, afinal, é senhor da misericórdia e da bondade. Cada dia que se passava mais penas de minhas longas asas caíam como folhas no outono, estava tornando-me fraco, a imortalidade escapava entre meus dedos como grãos de areia, ser um humano significaria deixar para trás a minha incapacidade de perecer, tornar-me mortal, permitir-me cometer erros, enfim, poderia ter uma vida ao lado de Eve, uma em que ela veria que existo e que a amo.

Sim, seria bom, seria perfeito. Era assim que ingenuamente eu pensava. Havia escolhido até mesmo um nome humano, Yone, para quando me tornasse um de verdade. A ideia não parecia nem um pouco ruim, por maior que seja a loucura de querer perder minha imortalidade, porém eu poderia viver com plenitude, envelhecer, morrer, tudo valeria a pena se pudesse vivenciar tudo isso com Eve, minha protegida favorita, meu primeiro amor humano. O primeiro estranho amor humano que me fazia feliz.

Mas tudo tem seu preço.

Os dias ao lado dela como anjo da guarda não poderiam se repetir caso me tornasse um homem. Não teria a mesma força para protegê-la, não seria mais o mesmo. Passei anos tentando, indiretamente e por meios divinos, convencer Evelynn de quem ela era, e quase esqueci-me do que realmente eu sou.

Sou um anjo da guarda. E Evelynn faleceu no momento em que deveria, graças a mim, com a expectativa de que sua alma iria para um bom lugar; o paraíso. A vida dela não foi tão ruim e tampouco sua morte, o tempo que passei ao seu lado como seu protetor ensinou-me muitas coisas, tanto sobre este mundo quanto sobre mim mesmo.

Eu amei Evelynn Heinrich como humano, e esta foi a última dádiva humana à que me permiti.

.

.

.

N/A: Saudações!

Espero que não fiquem chateados pelo Yone não ter se tornado humano e ficado com a Eve no final. Como ele mesmo disse, se tivesse escolhido abdicar da imortalidade angelical, ele também perderia os poderes que garantiam a segurança da vida da Evelynn. Escolher permanecer anjo pra conseguir fazer a Eve ter uma vida normal até a sua morte no tempo estipulado, ao invés de arriscar tentar participar da vida caótica dela como um semelhante que talvez não a agradasse, pra mim, é a maior prova de que esse amor que ele sentiu foi profundo e verdadeiro.

Yone preferiu protegê-la até o fim, e isso fez a Eve ter uma boa vida e chegar no paraíso, no fim das contas.

Obrigada a quem leu, até a próxima fic, kisu >3<

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Jul 17 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Elysium「 yoneve 」Onde histórias criam vida. Descubra agora