II
Oliver
Pousada de Denise Mcgonagall - Mistwood Cove, Oregon.
Quando entrei no estabelecimento, um sino soou sobre a porta, atraindo todos os olhares para mim.
Percorri os olhos pelo local. A pousada era pequena, mas aconchegante.
A lareira na sala de espera estava acesa, criando um clima reconfortante. As paredes eram decoradas com quadros de moldura envelhecida, alguns com belas paisagens da ilha, outros com fotografias do que aparentava ser a família proprietária. Também havia prateleiras cheias de livros empoeirados, que chamaram particularmente minha atenção.
Atrás do balcão, uma mulher idosa me encarou com um olhar gentil. Em seu crachá estava escrito: Denise McGonagall.
Ela estava conversando com outra mulher, aparentemente mais jovem, que estava à frente do balcão tentando fazer sua reserva.
Caminhei até lá e parei ao lado da mulher loira, observando os panfletos turísticos em cima do balcão.
— Bem-vindo a Mistwood Cove — ouvi uma voz dizer — Como posso ajudá-lo?
Olhei para Denise McGonagall atrás do balcão. Ela era uma senhora baixinha e rechonchuda, de rosto redondo e cabelos lisos, longos e grisalhos. A pele branca e enrugada pela idade possuía algumas manchas de sol, e ela vestia um longo vestido azul-marinho de mangas compridas sob seu avental de trabalho.
Forcei um sorriso educado.
Há quanto tempo não saio de casa? Há quanto tempo não falo com outra pessoa além do Dr. Nemur?
— Preciso de um quarto por alguns dias. Estou aqui a trabalho.
— Ah, o senhor deve ser o investigador Scratch! Seu quarto já está reservado, assim como o da senhorita King.
Ela indicou a mulher ao lado com o olhar, já se virando para pegar as chaves dos quartos.
— Que coisa horrível foi acontecer, não é? Espero que tudo seja resolvido logo; notícias desse tipo são ruins para os negócios.
Ela entregou duas chaves distintas, uma para mim e outra para a mulher ao meu lado.
Olhei para ela, curioso.
Ela retribuiu o olhar, me medindo de cima a baixo.
— Você deve ser Oliver Scratch. — disse.
Sua voz e aparência eram bem jovens. Eu a vi ajeitar o cabelo e a postura antes de estender a mão para me cumprimentar.
— Doutora Charlotte King.
Aceitei o cumprimento, notando a firmeza de seu aperto.
Charlotte King tinha um semblante sério, mas havia algo em sua postura que indicava confiança e autocontrole. Seus cabelos ondulados caíam suavemente sobre os ombros, como se cada fio houvesse sido cuidadosamente arranjado para emoldurar sua aura sofisticada. Ela vestia um longo casaco marrom sobre uma saia executiva preta e meias-calças que se fundiam perfeitamente com a pele pálida de suas pernas.
No braço direito, carregava uma pasta amarela, enquanto óculos de armação dourada pendiam da gola de seu casaco. Seus olhos verdes brilharam quando ela sorriu, e pequenas bolsas de gordura se formaram abaixo deles.
Ela também usava um crachá, um que eu conhecia bem, da Unidade de Inteligência Criminal de Oregon. Era uma investigadora, assim como eu.
— Prazer em conhecê-la, doutora. Você também está no caso? Achei que viria sozinho...
Soltei a mão dela, talvez de modo muito repentino e agressivo, porque McGonagall olhou para mim com espanto e curiosidade.
Doutora Charlotte pareceu perceber e pediu desculpas a ela com o olhar e um leve aceno de cabeça. Em seguida, tocou levemente meu ombro e fez um gesto para que eu a seguisse.
Fomos até a sala de estar e nos sentamos num sofá velho de couro. Alguns outros hóspedes estavam espalhados pelo local, nos encarando.
— Você é exatamente como te descreveram. — ela disse, me olhando de cima a baixo novamente.
É claro, como não percebi antes? Uma psicanalista.
Estou começando a me habituar a eles. É fácil reconhecê-los, todos têm o mesmo olhar.
— Perdão?
— Me disseram que você é esquisito e um pouco arrogante. — Ela respondeu, abrindo outro sorriso.
Ela tirou o crachá e me entregou, juntamente com a pasta amarela que estava carregando.
— Mas não se preocupe, eu já sei tudo o que preciso sobre você, detetive. Sei que gosta de trabalhar sozinho e que não tem tempo ou paciência para conversa fiada. O'Brien me escalou para auxiliá-lo neste caso. Mesmo que você tenha sido liberado do tratamento, ele não achou prudente deixá-lo sozinho aqui. Confesso que nunca pensei que iria conhecê-lo pessoalmente. Você é uma lenda para os novos internos, sabia? Oliver: o Devorador.
Examinei o crachá dela.
Charlotte A. King, 1973. Psicanalista Forense da UICO.
— Devorador? — perguntei, intrigado com o apelido.
Devolvi o crachá, ficando apenas com a pasta, e folheei rapidamente. Dentro dela havia uma série de documentos meticulosamente organizados. Cartões de identificação, relatórios de análise comportamental, registros de treinamento e uma carta de Cliff O'Brien.
— Eles dizem que você é um devorador de mistérios. Aliás, sou uma grande fã do trabalho que fez em Baltimore.
— Hellhound?
— Não, o caso do açougueiro.
Olhei para ela, surpreso. Poucos se lembravam desse caso. Ela deve ter lido toda a minha ficha.
Senti-me subitamente desconfortável. Talvez porque há muito tempo eu não interagia assim com ninguém, ou talvez pelo quanto ela parecia saber sobre mim. Ela definitivamente sabe que estou doente.
— Não se preocupe, detetive, não tenho a intenção de atrapalhá-lo. — Ela interrompeu o silêncio. — Apenas vou garantir que você não se envolva demais. Além disso, também fui escalada para este caso. Como pode ver nos arquivos, foi tudo tão repentino que acho que se esqueceram de te comunicar. Ah, um legista também deve chegar em breve.
Suspirei, sentindo-me cansado de repente. Estar sozinho num caso como esse já seria ruim, mas ter um parceiro como Charlotte King era muito pior.
Ela estaria comigo o tempo todo, me observando atentamente, procurando pelos indícios de loucura que aos poucos devoravam a minha mente.
— Bem, parece que não tenho escolha quanto a isso. — eu disse, levantando-me do sofá de couro. — Então você vai avaliar as crianças, e eu cuido do resto. Preciso falar com o xerife, você me acompanha?
Ela assentiu e sorriu, fazendo uma continência para mim em tom humorístico. Havia um certo brilho em seus olhos. Notei como ela também era baixinha.
Nos hospedamos em nossos quartos e descemos para tomar o delicioso café que a senhora McGonagall estava preparando. Charlotte aproveitou o momento para perguntar a ela sobre o caso.
Charlotte King é uma mulher inteligente, talvez inteligente demais. McGonagall sequer percebeu que, na verdade, estava sendo interrogada. Mas eu vi a doutora ligar um gravador que estava escondido em seu bolso.
Talvez tê-la por perto seja útil, afinal.
"Eles sempre foram estranhos, sabe? O Morgenstern.
John estava sempre bebendo e arrumando confusão por aí, e ele nunca ia à igreja! Ah, aquelas pobres crianças... Amy, por outro lado, estava sempre nos sermões, pedindo pelo marido e pelos filhos... Ela era uma boa mulher, mas dizem que era louca. Então, não era de se esperar que fossem bons meninos, não é? Acho que essas coisas são de família.
Vou lhes dizer o que acho, diabo finalmente possuiu aquele homem e o fez matar a mulher! E aquele garoto foi igualmente possuído para fazer aquilo com o pai, isso sim! Que Deus tenha piedade de sua pobre alma corrompida."
VOCÊ ESTÁ LENDO
Os Mistérios De Mistwood Cove
Mystery / ThrillerOliver James Scratch, aclamado investigador da Unidade de Inteligência Criminal em Portland, Oregon, vive um momento delicado após ser afastado do trabalho por motivos de saúde. No entanto, sua tentativa de recuperação é abruptamente interrompida q...