Ela esfregava o chão do banheiro tentando tirar as manchas de sangue. Seu sangue. Não que isso fosse melhor, mas para ela ser o sangue dela tornava as coisas mais fáceis. Era sangue, mas era dela.
Não pretendia deixar as coisas se agravarem naquele nível, ela só queria esconder os rastros do copo quebrado o mais rápido possível. Engolir o vidro foi a primeira ideia que veio a mente. Agora vê que existia opções melhores.
Ainda sentia uma leve dor no estômago, mas sabia que todas as feridas já haviam sarado, o que importava era tirar o sangue do chão o mais rápido possível, não poderia se importar menos com feridas ou dor.
Ao terminar de limpar o chão, foi trocar de roupa, suas roupas atuais estavam completamente ensanguentadas, teria um pouco de trabalho para lavá-las depois.
Por fim, voltou a fazer o que estava fazendo antes, o almoço. Uma cozinha formosa, era o que eles tinham, grande o suficiente para ser um quarto. O arroz já estava pronto junto com uma pequena salada e a panela de pressão com feijão chiava.
Com a tabua já em cima da mesa, e com o terçado na mão esquerda, posicionou o braço direito da melhor forma que podia em cima da tábua e com força, o cortou. O braço direito tinha um gosto melhor, pelo menos era o que sua mãe lhe falava, o único detalhe é que para continuar, teria que esperar o braço crescer de volta, era destra afinal.
Cinco minutos depois pôde continuar a cortar o braço em pequenos pedaços, não antes de retirar os pequenos pêlos e as unhas é claro. Comer unhas é como comer casca de ovo, uma experiência horrível.
Um cheiro de carne frita infiltrava o ar da cozinha enquanto ela mexia na frigideira, apesar de tudo, era uma ótima cozinheira, ou talvez sua carne fosse deliciosa por si só, não há como ter certeza.
A mesa então foi enfeitada com os pratos de cada membro da família e depois com os acompanhamentos e a carne. Não demorou muito para o cheiro atrair alguém, um de seus irmãos no caso, que foi correndo avisar que a comida estava pronta.
Ela sentou-se e esperou por sua família, amava sua família, e sua família a amava. Seus pais sempre a lembravam disso, principalmente no almoço e janta. Famílias normalmente precisavam se preocupar com comida o tempo todo, mas graças a ela, eles eram fartos. Sua carne era amada. Sua carne. Logo o amor também pertencia a ela.
Gostava de listar mentalmente cada um de seus pertences, mesmo que a lista não passasse de duas coisas. Seu sangue e sua carne. Porque mesmo sendo somente duas, poderia a partir dali adquirir mais pertences, como o amor de sua família.
Dita família começou a sentar-se ao redor da mesa, no total eram três filhos e três filhas, contando com ela. Sentados cada um seu lugar, começaram a comer a comida, esse era seu momento favorito. Olhá-los sendo fartos por sua carne, vê-los devorando tudo, cada pedaço por pedaço, as vezes a emocionava.
Ninguém naquela casa iria passar fome enquanto ela vivesse, esse era seu objetivo, o porquê dela estar viva. Alimentar sua família. Cortaria seus braços, suas pernas, fígado, pulmões, tudo, para mantê-la alimentada.
As vezes mesmo depois de uma refeição completa, eles poderiam ainda estar com fome, então ela os deixava arrancarem pedaços de seu corpo, observava calmamente enquanto seus irmãos e irmãs arrancavam pedaço de suas pernas, enquanto seus país preferiam os braços.
Em alguns dias estavam com tanta fome que deixavam somente o seu esqueleto, mas não tinha problema, calmamente esperava seu corpo se reformar. A fome era mais importante. Esse não era um desses dias, somente sua mãe quis comer mais depois do almoço, então sorrindo ela estendeu o braço direito e viu sua mãe o comer.
Sendo saciada, sua mãe foi embora como seus irmãos e seu pai. E ela ficou ali, sentada, observando seu braço tomar forma, pouco a pouco. E depois se levantou, agora tinha que lavar a louça.