Prólogo

3 0 0
                                    

Houve quem, em um dia, na vastidão do tempo, descrevesse o surgimento de uma cosmoenergia como um pequeno universo à beira de se expandir e explodir, vibrante e iminente. Algo de um lirismo arrebatador, um suspiro de inspiração, um toque de dramaturgia que inflamava os corações dos jovens cavaleiros na busca incessante por seu poder interior. Pois que emoção maior poderia existir do que a de abrigar um universo inteiro dentro de si, um cosmos prestes a evoluir, transformando meros mortais em guerreiros de nobreza e poder sem igual?

Mas quando essa cosmoenergia provinha de um lugar distante do Santuário de Athena, ou não emanava de um de seus cavaleiros, o discurso se tingia de outras cores. A verdade é que o Cosmo de um espectro de Hades podia ser profundo, sombrio, alarmante. Contudo, os cosmos dos cavaleiros também podiam carregar tais trevas. Tudo o que fosse banhado pelo tom escuro das súrplices era amaldiçoado, ainda que Hades encontrasse, nesse abismo, uma terrível beleza.

Assim, quando Camus de Aquário, no salão de festas da Casa de Touro, sentiu o pequeno e cruel Cosmo obscuro de um Espectro de Hades, seu coração falhou uma, duas, três batidas, e disparou em um frenesi de quem, instintivamente, planeja a fuga. Ele já havia atravessado o processo de reviver. A Guerra Santa ocorrera há apenas seis meses, e ainda cicatrizava feridas desta e de outras vidas. A solidão o envolvia mais do que nunca. Não havia forças para enfrentar outra Guerra.

Mas não restavam dúvidas quanto à origem daquela pequena e sinistra energia aos pés de Rodorio. Algo, ou alguém, banhado no poder divino, nascia e despertava, mesmo que as estrelas não previssem.

No pico do Observatório, Shion, agora e novamente Grande Mestre, contemplava o trajeto dos astros no céu escuro. Sentiu o mesmo presságio, aquela chama de força maligna, assim que esta surgiu. Buscou conforto ou explicações no céu silente e inerte, mas ali nada havia. Nenhuma pista, nenhum sussurro do destino.

Por mais que desejasse, não podia abandonar StarHill. A angústia o consumia enquanto encarava a abóbada celeste, assombrado pela possibilidade de enfrentar o mesmo inimigo em tão breve intervalo. Seria sua terceira Guerra. Não podia suportar mais.

Admirava seu mestre e seu gêmeo por terem sobrevivido a duas Guerras seguidas, mas não tinha a força de Sage e Hakurei para viver uma terceira. Diziam que a força de um guerreiro se medía por sua coragem de viver. Talvez. Shion preferia acreditar que a força de um guerreiro residia em sua capacidade de morrer por suas causas. Para ele, um homem incapaz de proteger suas crenças era patético, vivo ou morto.

E assim, temeu. Não estava preparado para reviver aquele pesadelo. Não estava pronto para morrer novamente, e muito menos para enterrar seus companheiros de novo.

Tentou se convencer de que, talvez, a vida fosse projetada nestes moldes. Nunca havia ouvido falar sobre duas Guerras Santas no mesmo século, dirá no mesmo ano, e o feito, além de imprevisível, era cruelmente nefasto. As armaduras não estavam restauradas, não havia cavaleiros o suficiente para retaguardas ou defensivas, e sequer havia uma lista de aspirantes grande o bastante para montar um treino básico.

Depois das desgraças que haviam vivido, ninguém almejava o alistamento, mesmo que todo o Santuário fosse visto como o antro dos herois. Uma considerável parcela da população humana próxima considerava, mesmo que entrelinhas e de forma oculta que, se não houvessem deuses, não haveria guerra.

O silêncio absoluto da noite foi rompido por um estrondo ensurdecedor, um som que parecia reverberar de todas as direções e de lugar nenhum ao mesmo tempo. Shion, ainda no pico do Observatório, falhou a respiração como se num arfar, os olhos fixos na direção de Rodorio, onde uma luz sombria começava a pulsar, ameaçadora e irresistível.

No salão de festas da Casa de Touro, o ar tornou-se pesado, quase sufocante. O Cosmo maligno se intensificava, como se estivesse a dançar ao redor dos cavaleiros, imitando uma serpente em ponto de bote. Camus sabia que não poderia fugir. Não desta vez. Estava destinado a enfrentar o inimigo, mesmo que as incertezas lhe destruíssem o desejo de lutar.

Então, no âmago dessa escuridão, a figura emergiu. Olhos brilhantes, com uma luz antinatural, e uma presença que exalava uma aura de poder e destruição. Um Espectro de Hades. O Cosmo ao seu redor pulsava em uma cadência ao mesmo tempo hipnótica e aterrorizante.

— Camus de Aquário — a voz do Espectro ecoou pelo salão, fria e implacável —, você já sentiu o verdadeiro desespero?

O décimo primeiro cavaleiro preparou-se, ajustando sua postura em posição de combate, mas a dúvida ainda permeia seu coração. A nova presença ameaçadora podia ser, além de intensa, quase etérea. Não parecia estar fisicamente presente.

No pico do Observatório, Shion finalmente afastou os olhos do céu, ardendo com uma nova determinação. As chances de vitória eram incertas, e isso o instigou mais. Mesmo duvidando da própria capacidade e das chances de vitória, quis acreditar em tudo o que seu povo sempre defendeu. Havia um papel a ser desempenhado. Refletiu, novamente, sobre estarem em baixa numérica, mas sua esperança reside no fato de que enquanto o Santuário de Athena ainda possuísse cavaleiros dispostos a lutar, a esperança nunca estaria completamente perdida.

E assim, sob a luz das estrelas e a sombra da iminente destruição que se esvai após o chamado, os cavaleiros preparam-se para uma nova batalha, incertos do que o destino lhes reservava. Não havia escapatória, e os tempos de paz foram apenas uma falácia a se acreditar. Afinal, nunca haviam sido reencarnados na mesma era, nos mesmos corpos, exceto desta vez.

A verdadeira batalha estava apenas começando, e o Santuário estaria pronto, custe o que custar.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Jul 19 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

The OfferingOnde histórias criam vida. Descubra agora