Nosso tempo é imprevisível; tudo o que podemos fazer é aproveitar cada segundo que ainda temos. Apesar dessa certeza, o desperdiçamos com futilidades e passamos a fugir e nos esconder do doloroso abraço da morte. Nisso sou perita: viver com medo e abdicar dos anseios da vida é um exercício que pratico há vinte e sete anos. Como médica, isso é ainda mais desafiador, pois minha profissão exige constante interação e empatia. Conhecer minha verdadeira personalidade é assustador para algumas pessoas; para outras, é entediante, e fingir ser alguém que não sou é cansativo.
Cada dia no consultório é um desfile de rostos desconhecidos e histórias que se entrelaçam brevemente com a minha. No entanto, por trás de cada sorriso e de cada palavra encorajadora, minha mente continua a vagar, sempre presa ao mesmo dilema interno. Minha vida social é limitada ao que é necessário para manter minha carreira em andamento. Fora disso, há apenas Melí, minha gata, e os mundos fictícios dos animes e mangás.
Nunca me envolvi romanticamente com ninguém, talvez por medo do desconhecido ou simplesmente por não encontrar alguém que compreendesse as camadas complexas da minha vida. As interações diárias são necessárias, mas não me definem. No consultório, eu sou a médica dedicada e atenciosa, capaz de lidar com a dor dos outros enquanto escondo a minha. Fora dele, sou uma observadora silenciosa, alguém que mantém uma distância segura do mundo real.Às vezes, fico pensando se um dia encontrarei alguém que me veja além do estereótipo da médica perfeita e compreenda as nuances do meu verdadeiro eu. Mas, por ora, esse pensamento permanece apenas uma possibilidade distante. Meu tempo é gasto entre os pacientes e as horas solitárias em casa, e enquanto a rotina se repete, o medo de enfrentar a vida de forma plena continua a me acompanhar.
- Doutora Marie, tem um paciente esperando na sala 3 - disse a enfermeira Ana, interrompendo meus pensamentos.
- Já estou indo - respondi, ajustando o jaleco.
Enquanto caminhava pelos corredores do hospital, sentia o peso de cada passo. Era como se cada movimento me puxasse de volta para a realidade que eu tanto tentava evitar.
- Bom dia, doutora - cumprimentou o paciente ao me ver entrar.
- Bom dia. Como está se sentindo hoje? - perguntei, tentando manter a voz firme e profissional.
- Melhor, graças a senhora.
- Fico feliz em ouvir isso. Vamos ver o que podemos fazer para melhorar ainda mais. - falei abrindo o prontuário e começando a consulta.
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Para falar a verdade, a medicina não era meu sonho. Mas, vindo de uma linhagem de médicos, acabei sendo influenciada a seguir essa carreira. Com o tempo, passei a me apaixonar e me dedicar cada vez mais ao que faço; porém, há dez anos, meu trabalho era algo que eu mais odiava, em parte devido à obsessão da minha família em me fazer uma miniatura da renomada doutora Helena, minha falecida mãe.
Minha relação com ela sempre foi complicada. Desde pequena, sempre desejei seguir outro caminho, algo que fosse meu, algo que me trouxesse alegria. Queria ser professora, ensinar e inspirar os outros. Mas essa escolha nunca foi bem-vista por minha mãe, que tinha planos grandiosos para mim na medicina. O desapontamento dela era evidente cada vez que eu mencionava minha vontade de ensinar. E meu pai, apesar de mais compreensivo, sempre acabava cedendo à vontade dela.
Quando minha mãe faleceu, tudo ficou ainda mais difícil. Seu falecimento deixou um vazio enorme, mas também uma pressão insuportável para que eu seguisse seus passos. Naquela época, parecia que nada do que eu gostasse ou quisesse realmente importava. Estava exausta de lutar contra as expectativas da minha família, então cedi. Decidi fazer a vontade dela, na esperança de que isso, de algum modo, a orgulhasse, mesmo após sua morte.
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O véu entre nós - DARKROMANCE
RomanceDra. Marie, sempre seguiu o caminho traçado por sua família de médicos renomados, mesmo que a medicina nunca tenha sido seu sonho. Em meio à rotina intensa do hospital, sua vida dá uma reviravolta ao conhecer Adrian, um paciente misterioso e irresis...