Encontro importuno

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Me pergunto se o que aconteceu na noite anterior foi apenas um sonho, ou melhor, um pesadelo. Eu mais do que ninguém deveria saber sobre as complicações de passar tanto tempo no trabalho. Quando vi aquela mensagem, imaginei que talvez pudesse ser Adrian tentando me assustar, mas qual o sentido disso? Por que uma pessoa que nunca vi na vida se prestaria a este papel? Agradeço por tudo não se passar apenas de coisas da minha cabeça confusa.

Saio sempre trinta minutos mais cedo de casa para comprar o delicioso capuccino de dona Marge e aproveitar um pouco do sol das seis e meia, sentada naquele banco de praça.

— Bom dia, minha filha. Que cara é essa? Dormiu mal essa noite?

— Bom dia, dona Marge. Um pouco, tive um pesadelo horrível de novo.

— De novo os pesadelos de estar sendo perseguida? Você precisa ir em alguém que saiba lidar com isso. Eu tenho uma prima que...

— É apenas cansaço, eu também esqueci de tomar meus remédios para insônia. Nada do que devemos nos preocupar.

— Você quem sabe, cabeça dura. Minha filha cuida muito daqueles seus pacientes e esquece de si mesma.

— Então, o de sempre?

— Exatamente. E a senhora deveria ir fazer alguns exames de rotina, não tente me dar sermão.

— Sim, doutora Marie.

Me sento e observo o quanto o dia está lindo. O silêncio é acolhedor, e sinto como sou sortuda em morar um pouco distante da cidade. Sempre amei a natureza, adorava fazer trilhas com meu pai, quando ele tinha tempo, claro. Mas talvez não fossem as flores, os animais que víamos pela frente, mas sim a companhia dele que me fazia feliz. Ali, sentia que ele podia ser mais do que mostrava para a alta sociedade, do que mostrava para minha mãe, era humano. Na adolescência julguei tanto minha família, achava que seus valores eram totalmente invertidos, e agora, na vida adulta, me tornei uma mini versão da doutora Helena.

Perdida em meus pensamentos, não percebi que estava sendo observada. Um homem alto, elegante e com um sorriso sedutor me olhava como se ouvisse tudo que eu estava pensando, como se eu fosse seu entretenimento favorito. Era ele, Adrian.

— Está me perseguindo agora? — a raiva tomou conta de mim, o confrontei me questionando se aquele encontro no consultório não era apenas um plano para conversar comigo.

— Não sabia que se achava tão especial assim. Confesso que é muito bonita, mas há mulheres mais belas na cidade.

— Mas que coincidência encontrar você aqui, não é mesmo? Logo após você aparecer no meu consultório, logo após seu bilhete, logo após sonhar que você deixava uma mensagem em minha janela.

— Não tenho culpa de você morar tão perto do único hotel dessa cidadezinha, estou apenas de passagem, lembra?

Não conseguia acreditar no papel que estava prestando, acusar alguém de algo tão sério e ainda confrontá-lo. Confesso que agi sem pensar, talvez dona Marge estivesse certa, deveria cuidar um pouco mais de mim mesma.

— Aliás, estava tendo sonhos eróticos comigo?

— O quê? Não, claro que não. Não foi um sonho erótico.

— Que bom, porque se fosse, eu ia te obrigar a me contar cada detalhe sórdido. — disse ele, ficando cada vez mais perto, enquanto colocava meu cabelo atrás da orelha.

Naquele momento, não tive reação. Era estranho esse sentimento que ele me causava, algo que nunca senti por ninguém. Adrian me dava invertidas cada vez mais intensas e era difícil disfarçar o interesse que eu também sentia por ele.

— Desculpa ser tão rude, isso não irá mais acontecer.

— Não se preocupe, doutora. Aposto que você conseguirá me compensar depois.

Desgraçado.

— Claro, com um belo desconto em um dos seus exames.

— É... Isso, era exatamente o que eu estava pensando. — disse ele com um sorriso no canto da boca, o maldito sorriso.

— Bom, novamente lhe peço desculpas, agora tenho que ir. Tenha um bom dia, Adrian.

— Sem problemas, se estiver precisando de algo, estou no quarto 340. Me faça uma visitinha, vou adorar te receber.

— Vou tentar, mas estou com muita demanda. Não garanto nada. Tchau.

Ele era um cafajeste de primeira, me convidar para seu quarto assim, o conheço apenas há dois dias. Apesar de ser atraente e de que para qualquer mulher aquilo ser uma proposta tentadora, não sou do tipo que conhece o quarto de um cara que acabou de conhecer, independente de suas intenções.

Balancei a cabeça, tentando afastar os pensamentos sobre Adrian, e foquei no que tinha que fazer.  Ao menos, o dia estava bonito e o caminho até o consultório me ajudaria a clarear a mente.

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  Depois de mais um dia cansativo no consultório, decidi sair um pouco mais cedo. Queria passar na livraria e comprar o novo romance de Lilian Finix, minha autora favorita. Eu precisava de algo para distrair minha mente dos pesadelos e do encontro estranho com Adrian.

Chegando à livraria, caminhei direto para a seção de lançamentos. Lá estava ele, "A Chama do Destino", o novo livro de Lilian Finix. Peguei um exemplar e fui para um cantinho tranquilo. Sentada em uma poltrona confortável, comecei a ler. A narrativa me prendeu imediatamente, e antes que eu percebesse, o sol já tinha se posto.

"Preciso ir para casa", pensei, levantando-me rapidamente. Paguei pelo livro e fui para o estacionamento. Dirigi de volta para meu apartamento, sentindo um misto de satisfação e ansiedade. Estacionando o carro, comecei a procurar minhas chaves na bolsa, mas não as encontrei. Vasculhei novamente, e então me dei conta de que talvez as tivesse esquecido no consultório.

"Já está tarde, não tenho como voltar lá agora", pensei, frustrada. Ligar para uma das minhas funcionárias à essa hora estava fora de questão. Sem muitas alternativas, lembrei-me da única pessoa que poderia me ajudar naquele momento. Embora relutante, sabia que não tinha escolha.

Andei ate o hotel onde Adrian estava hospedado. Ao chegar, entrei e fui até a recepção.

— Boa noite. O senhor Adrian está no quarto 340, certo? — perguntei, tentando soar o mais profissional possível.

— Sim, ele está, doutora. Deseja que eu o informe sobre sua chegada?

— Não, obrigada. Eu mesma irei até lá.

Caminhei pelo corredor, sentindo meu coração bater mais rápido a cada passo. Parei em frente à porta 340 e bati suavemente. Depois de alguns segundos, a porta se abriu, revelando Adrian, com um sorriso no rosto.

— Doutora Marie, que surpresa agradável. O que a traz aqui a essa hora?

— Boa noite, Adrian. Sinto muito incomodar, mas acabei trancada fora do meu apartamento e não consegui recuperar minhas chaves. Pensei que talvez pudesse me ajudar.

Ele me olhou com aquele olhar penetrante e abriu a porta um pouco mais.

— Claro, entre. Vamos ver o que podemos fazer para resolver isso.

O véu entre nós - DARKROMANCEOnde histórias criam vida. Descubra agora