Prólogo

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Eram três horas da tarde.

O sol não podia ser visto, uma vez que estava tão nublado que já parecia anoitecer. O dia estava escuro e o vento que surgia da direção do mar era congelante, mas fresco, como uma brisa de menta suave. As árvores farfalhavam acima de cabeça de Huening Kai enquanto ele olhava para suas mãos, que seguravam uma carta. Observava a caligrafia delicada enquanto lia e relia os mesmos parágrafos sem parar.

A chuva começava a cair devagar, pingo por pingo, deixando seu rastro por cima do papel e manchando a tinta da caneta preta que usara para escrever. Olhou novamente o destinatário.

Para: Soobin

Dobrou o papel, agachou-se ao lado de uma pedra e colocou a carta por baixo da mesma, de maneira que fosse possível enxergar um ponta do papel. Se alguém a achasse, foi porque Kai queria que a achassem. Quando se levantou, deu alguns passos para frente, encarando o mar cinza e agitado ao longe.

- O que está fazendo aqui? – A voz de Yeonjun ecoou de repente pelo espaço, surgindo do meio das árvores. – Estávamos te procurando na praia!

Kai não parecia nervoso com a presença do amigo. Apenas o olhou e sorriu de lado, tímido.

- Desculpa. – Respondeu. – Eu quis olhar o mar daqui de cima de novo.

Eles estavam próximos de um enorme penhasco, rodeados por grandes pinheiros, pedras com lodo e o sentimento nostálgico. Aquele era o local favorito de Kai, onde ele chamava seus amigos para passar o tempo quando estavam passando o final de semana na casa de praia de Taehyun, que ficava próximo ao local.

Era calmo, apesar de sombrio.

Yeonjun franziu o cenho, não estava entendendo a ideia do garoto. Por que estar ali sozinho com aquele tempo tempestuoso? Não era melhor se aconchegar perto da lareira junto aos amigos?
Era difícil entender Huening Kai as vezes, tanto quanto era difícil entender a si mesmo.

- Está tudo bem? – Ousou perguntar.

- Sim.

A resposta de Kai foi curta.

- Pode me deixar sozinho por um tempo? – Pediu, voltando seu olhar para o horizonte cinzento.

- Kai, eu...

- Yeonjun, eu não preciso de uma babá. Eu sei voltar para a casa sozinho. - Kai falou enfurecido, olhando Yeonjun por cima do ombro. 

Yeonjun deu um passo para trás, encostando em um dos pinheiros atrás de si. Estava temeroso e confuso. Não entendia o motivo de estar recebendo aquele tipo de tratamento quando estava apenas preocupado com o amigo que parecia... distante.

Distante demais.

Huening Kai sempre foi um garoto alegre, apesar de sensível. Sempre reunia os amigos, os fazia estar sempre por perto, até mesmo em momentos de dificuldade... como uma família.
Mas nos últimos dias ele parecia estranho. Não falava muito, não ria como antes, sequer ficava presente em certos momentos. 

O mais novo sempre tivera seu lado que ninguém além de Soobin conhecia. Yeonjun sentia inveja disso. Considerava tanto os garotos, mas eles acabaram sendo mais íntimos do que os três eram juntos. Era injusto.

O que tanto eles faziam um pelo o outro que Yeonjun era incapaz de suprir?

Kai se virou, olhando no fundo dos olhos do outro loiro.

- Yeonjunnie. – Caminhou pela terra molhada, sujando as solas dos tênis brancos. – Me desculpe.

Levantou as duas mãos na direção do mais velho, indicando para que ele as tocasse com as suas. Yeonjun permaneceu no mesmo lugar, olhando o mais novo de cima abaixo. 

Ele sempre o perdoava. 

Sempre.

Mas agora ele sentiria o gosto de ser rejeitado.

- Te encontro na casa mais tarde. – Yeonjun ajeitou a postura, passando a língua pelos lábios. – Vê se não escorrega por aí.

Limpou as mãos na camisa enquanto olhava para os dedos pálidos de Kai em sua direção. Voltou o olhar para o garoto e se virou, entrando de volta na floresta densa de pinheiros.

Um vento soprou nas costas de Kai, bagunçando os seus cabelos. Ele observou Yeonjun ir embora, passando com dificuldade pelos galhos na altura de seu rosto e pela terra lamacenta. 

Abaixou as mãos lentamente e retornou para a beirada do penhasco. Kai olhou para baixo. O mar escuro estava furioso embaixo de si. As ondas batiam com raiva nas pedras, criando um grande volume de espumas que subiam pelas paredes grossas e desciam rapidamente, sem tempo. 

Deu um passo à frente, sentindo o desequilíbrio em suas pernas assim que percebeu que estava a menos de um passo da queda. Ajeitou a postura, encarando a linha do mar. Em seguida virou a cabeça, levando o olhar vazio até a carta embaixo da pedra ao seu lado. Suspirou, sentindo o peso da consequência de seu ato bater ansiosamente em sua porta. 

Enquanto olhava para a divisão do céu e mar, pensou em como gostava daquela vista. Pensou em seus amigos, pensou em suas risadas, pensou em todos os momentos bons que viveram juntos durante todos aqueles anos, pensou em seus corações puros e inocentes. Kai amava o mar, e amava observar suas nuances. Se pudesse escolher, ele seria uma criatura do mar na próxima vida. Se é que existe uma próxima.

Aquela paisagem seria mais uma das milhões de paisagens na qual ele e seus amigos sentariam para observar, na qual acenderiam um cigarro, fumariam e contariam os seus planos para o futuro. 

Mas ela não era apenas mais uma paisagem. Ela era a última coisa que seus olhos veriam.
O garoto fechou os olhos e respirou fundo, sentindo o ar gelado entrar pelas suas narinas e chegar aos pulmões, os cobrindo de maresia.

- Diga a Soobin que me encontre. 

O impacto foi alto, mas insignificante perto do barulho das ondas batendo contra as grandes paredes de pedra. Não tinha ninguém ali, e se tivesse, ninguém notaria. 

E ninguém notou.

O Lamento Da MaréOnde histórias criam vida. Descubra agora