De volta á escola

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Hoje é dia 3 de fevereiro, meu primeiro dia de aula no 2° ano do ensino médio. Pra outros, só um dia normal. Pra mim, ter que voltar a conviver com meus amigos, o que é uma coisa incrível, mas também com certas pessoas que simplesmente não podem me ver por perto sem me zoar, o que só atiça a minha ansiedade.

A parte boa do primeiro dia é que é o único dia do ano que a gente espera alunos novos na escola, pra ver se eles são legais e se nos identificamos com eles, na procura de uma amizade sincera.

Sou Luiz, tenho 16 anos e sou deficiente auditivo com surdez absoluta desde pequeno. Já tive que trocar de escola várias vezes por conta do bullying que sofria por usar aparelho auditivo (que parece uma coisa boba, mas acontecia todos os dias, e eu queria estar exagerando), mas hoje em dia eu só tento ignorar os comentários chatos.

Levanto da minha cama (que se dependesse de mim, ficaria deitado o dia inteiro, pois está uma delicia) e vou direto pro banheiro pra tomar um suave banho quente antes de ir pra escola. Depois, vou para a cozinha e encontro minha mãe fazendo o café da manhã:

- Bom dia, meu filho - diz ela
- Bom dia, mãe - digo - O cheiro de pão quentinho estava chegando no meu quarto. Precisa de alguma ajuda?
- Não, só estou fazendo o café para você, seu pai e para sua avó. São só 06:40, você ainda tem bastante tempo pra se arrumar.
- Você sabe que eu não gosto de me atrasar, mãe.
- Olha, você já tomou banho, trocou de roupa e já penteou seu cabelo. Agora só falta escovar seus dentes, já que você arrumou sua mochila ontem de tanta ansiedade.
- Você tem razão, talvez amanhã eu possa acordar até um pouco mais tarde - digo, rindo
- Pega um pão e passa a manteiga, o café está quase pronto.
- Tudo bem - respondo

Como dois pães, tomo meu café, escovo meus dentes, depois pego minha mochila e vou a pé para a escola. São mais ou menos uns 6 minutos andando daqui até lá, isso quando o trânsito da Tijuca colabora comigo. O trânsito do Rio de Janeiro só não é pior do que o de São Paulo e o da Índia.

Chego na escola às 7:10, o que ainda é bastante cedo, já que as aulas só começam às 7:30, mas já encontro minha amiga Marina chegando radiante com seu irmão mais novo.

- Boa sorte, irmãozinho - diz ela pro seu irmão - Nem acredito que você está no seu primeiro dia no 6° ano!
- Você pode parar de me tratar como bebê? - ele responde - Eu sou mais velho agora!
- Como eles crescem rápido... - diz ela, fingindo enxugar uma lágrima, enquanto ele sai andando pra sua sala.
Depois de se "despedir" do seu irmão, ela me vê sentado num banco perto do nosso prédio, esperando ela me ver a esperando.

- Luiz! Como é bom te ver de novo, queria tanto que a gente tivesse se encontrado nas férias - ela diz
- Já estava com saudades de você, pena que você viajou pra fora com sua família... na verdade, foi bom pra você, não é? - digo
- Realmente, foi muito legal. Você teve alguma notícia recente sobre a Lívia? - ela pergunta, Lívia é a outra integrante do nosso trio de amigos
- Não, mas eu ouvi falar que ela estava sem o celular dela por causa de alguma coisa que ela fez e os pais dela descobriram, tenho até medo do que pode ser
- Também fiquei até com medo agora - diz, olhando pro lado - Ah, olha quem tá chegando!
- Oi pessoal, tudo bem? - diz Lívia
- A gente que quer saber se tá tudo bem com você - digo
- Então vocês ficaram sabendo... enfim, vocês sabem sobre mim e o Murilo, né? - Lívia pergunta
- Sim, claro, o seu namorado perfeitinho, o mais popular da escola... - diz Marina - Você fala sobre ele o tempo todo.
- Enfim, alguma pessoa "muito querida" aqui da escola andou falando sobre a gente na rua e acabou que um parente meu ouviu. E assim, meus pais ficaram sabendo sobre nosso namoro e fiquei sem o meu celular - diz Lívia
- É sério isso? - pergunta Marina - Acho demais, é só a experiência adolescente, eles devem ter feito isso também... Eu achava até que era algo mais sério.
- Eles devem ser muito protetivos em relação a você, mas estão bem errados, você está só se divertindo com alguém - digo
- Pois é - diz Lívia, mas enquanto conversamos, o sinal toca
- Vamos pra sala, quero muito conhecer os professores novos - diz Marina

Chegamos na sala e sento nas primeiras carteiras da frente, como sempre faço. Alguns poucos minutos depois do sinal tocar, a nova professora de química entra na sala:

- Bom dia, alunos. Essa é a 2A, certo - ela pergunta
- Sim, aqui mesmo - Manoel, que é uma das pessoas que zoa comigo, responde
- Enfim, meu nome é Ana, sou a nova professora de química de vocês. Sei que é muito duro química ser logo a primeira aula do ano de vocês, mas espero que eu consiga explicar bem.
- Tomara que ela explique mesmo, porque o último professor de química parecia explicar só pra ele mesmo - diz Lívia, sussurrando
Rio do jeito mais baixo possível, pra professora não perceber.
- Eu acho que seria interessante que vocês se apresentassem, já que é o primeiro dia e eu ainda não conheço nenhuma dessas faces desconhecidas. Quem quer começar? - a professora pergunta

Todos da sala se apresentam e eu fico entre os últimos:
- Eu posso ir agora? - pergunto
- Claro, pode falar - a professora responde

Me levanto e vou em direção ao quadro branco da sala, viro pra trás e vejo todas as pessoas com quais estudei todo o ano passado, sinto a ausência de alguns rostos conhecidos, mas também a presença de rostos que pareço nunca ter visto. Começo a falar:
- Pra quem não me conhece, me chamo Luiz, tenho 16 anos e moro aqui no bairro da Tijuca mesmo. Sou uma pessoa um pouco introvertida, mas ando tentando melhorar nesse requisito.
- O que é isso no seu ouvido? - ouço uma voz feminina desconhecida, se eu não me engano foi a última pessoa a se apresentar antes de mim
- Ele é atendente de telemarketing, não notou pelo casaco ridículo que ele tá usando? - diz Manoel, rindo com o seu grupo
- Manoel, que tal você ir atender a ligação dele lá na coordenação? - a professora pergunta, e já percebo que admiro essa mulher
- É... Paula, certo? - pergunto
- Isso - a voz feminina, agora conhecida, responde
- Então, desde criança eu tenho que usar esse aparelho auditivo, por ter deficiência auditiva. Basicamente eu não consigo ouvir nada sem ele, é a minha salvação. - digo, respondendo a primeira pergunta dela
- Você acha que é muito diferente do que ouvir normalmente? - ela pergunta
- Eu não sei como é ouvir normalmente, já que na primeira parte da minha vida eu só conseguia me comunicar por meio de libras, então... deve ter alguma diferença sim, mas que eu tenha notado, só parece uma audição normal - digo
- Obrigado Luiz pelo seu relato, boa sorte nesse ano - diz Ana
- Obrigado, professora - respondo, sentando de novo na minha mesa

Enquanto outras pessoas que já conheço terminam de se apresentar, Marina dá dois toques no meu ombro, me obrigando a olhar pra trás:

- Esse Manoel é um idiota, ele e o grupinho deles - ela sussurra
- Eu só aprendi a me acostumar, esses comentários só não me machucam mais - respondo, também sussurrando
- Não sei como você consegue, eu já teria dado uma surra neles há muito tempo - sussurra Lívia, que de repente entrou na conversa
- Olha, meio que a violência não é a solução - digo
- Mas se eles forem te atacar, você tem que atacar de volta - diz Marina
- Claro, mas se depender de mim, eu não quero briga nenhuma. Só se eles resolverem quererem vir pra cima de mim - continuo

Após todas as apresentações, a professora começa a explicar a matéria do bimestre: estequiometria. É fácil pra algumas pessoas, mas pra mim parece ser um pouco complicada. Quando menos esperamos, já é 9:10, a hora do intervalo.

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