a primeira carta

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 Aqui se perde, aqui se encontra. 

 Estou arrumando minhas roupas e as colocando na mala rosa, estou separando meu estojo e algumas folhas que eu trouxe junto para o sítio de minha família. Olho para meus primos brincando em volta do quarto e ouço um grito agudo de Mônica, minha mãe.

 - Brida! - Reviro os olhos antes de levantar do colchão e correr até a cozinha, onde minha bizavó está sentada em uma cadeira rindo de minha mãe e minha vó cozinhando. - Não vai fazer nada?

 - Você sabe que eu não cozinho, mas posso lavar a louça depois. - Passo pela pia empilhada de pratos e aperto firme a folha de papel na minha mão para não molha-la.

 - Vai fazer o que agora? - Ela curva as costas para conseguir olhar além da porta, onde está a mesa de madeira para onde estou indo.

 - Vou escrever um pouco.

 Minha mãe some porta a dentro e eu coloco o papel sob a mesa suja de barro. Respiro fundo por alguns segundos e recapitulo tudo que me trouxe até aqui.

 Recapitulo o tombo, o jeito como me levantei, os dias que passaram depois disso. Recapitulo a humilhação na qual me coloquei. Recapitulo o dia de ontem, quando meu pé atingia a água gelada do rio, quando entrei nele de vestido para tirar uma foto no sol. Passo os dedos no meu cabelo, agora no ombro. Respiro fundo mais uma vez.

 Quando eu estava na igreja eu ouvia as mulheres dizerem que haviam feito uma carta, especificando tudo o que queriam em um amor, e de repente eu gostei da ideia, mas sinto que fala mais sobre o meu processo de cura do que sobre o que eu de fato quero. Mas eu realmente sei o que quero, eu sempre soube, mas a verdade sobre nós mulheres é que ignoramos verdades por felicidade temporária, por mais que nada justifique tudo pelo o que eu passei.

 Me lembro de janeiro, quando me agarrei ao livro "É Assim Que Acaba" e tentei acreditar que algum dia eu teria um Atlas. Não existe nada mais adolescente que isso: sonhar. Mas eu sabia que meu Ryle eu já havia encontrado.

 Oi. Sei que demorei muito para fazer essa carta. Não sei bem como começar.

 Hoje é dia 25 de julho de 2022, eu estou no sítio de minha família e tocou em mim de escrever isso... Para não sofrer mais.

Quero alguém que ame a minha família, alguém que esteja do meu lado sempre, que goste de sair e passar tempo comigo. Alguém que confie 100% em mim, e eu confie 100% nele. Mereço alguém que seja muito romântico e não tenha medo de demonstrar isso, que conheça todos os meus lados e me ame mais ainda pois. Alguém que tenha maturidade para resolver as brigas através de conversas sérias e diretas, sem sarcasmo ou ironia. Alguém que seja divertido e engraçado, que saiba descontrair o ambiente. Que goste de cozinhar e entenda as minhas "questões". Quero alguém que eu não tenha medo de ser quem eu sou. Alguém que me ajude nas minhas crises e não faça eu me sentir culpada por isso. Alguém que eu não precise cobrar o mínimo. Alguém que me veja como melhor amiga acima de tudo.

 Quero alguém que a paixão queime, e que seja o amor mais forte que ambos sentirão, alguém por quem meu coração pede e arda com naturalidade. Alguém que trabalhe para alcançar seus objetivos e me impulsione para alcançar os meus. Alguém que sempre veja o lado bom das coisas, que goste de resolver tudo e que seja reciproco de todas as formas.

 Quero um homem alto, bem alto, musculoso e do rosto harmonioso, de preferência moreno do cabelo comprido. Que ele saiba fazer as coisas e seja bom em tudo. Alguém que me ame e que me queira, e faça de tudo por mim.

 Essa carta é um retrato de como meus pensamentos se misturaram no caminho, de como eu estava pensando mil coisas ao mesmo tempo, e eu não sei dizer se quero muita coisa ou apenas o mínimo, pois não sei o que é o mínimo jaz faz um bom tempo. E como a boa garota dramática que sou, gravei um pedaço desse momento. Abro meu Instagram e carrego o vídeo nos stories da minha conta privada, percebo que há barulho demais em volta de galinhas ciscando e vento forte. Pesquiso "love" na aba de músicas e coloco a primeira que aparece: "Home- Edith Whiskers". Dobro a folha e corro até o quarto, enfio em qualquer canto da mala e tiro minha blusa vermelha para colocar uma camiseta verde e então volto para a cozinha.

 Mesmo que demore anos, eu quero esse amor. Quero um amor que seja como um lar.


Estou me ajeitando no banco do carro enquanto aproveito a paisagem sem prédios antes de sairmos do sítio. Meu celular toca com uma notificação de Anna, uma amiga antiga minha, então me lembro da festa do pijama que ela vai fazer em sua casa no sábado.

 ANNA: Ok gente, quem vai mesmo já confirma, quem não for, já sai do grupo para eu não me confundir.

Depois dessa mensagem, Anna enviou seu pix para o pessoal pagar as coisas do macarrão que escolhemos fazer no dia. Mas eu não sabia se eu iria ir de fato, por mais que eu tenha confirmado a minha presença, eu não estava nada bem para enfrentar uma festa cheia de adolescentes que eu não conheço. Kim, amigo meu e de Anna estava no grupo, mas ele saiu duas vezes. Provavelmente não vai ir.

 A única pessoa que eu faço um pouco de noção de quem seja, é um garoto do qual Anna comentou comigo quando me encontrei com ela no shopping no começo do ano, em abril. Eu havia brigado com Tiago e passei no shopping para distrair a cabeça quando nos trombamos e fizemos as pazes (nem me lembro a razão pela qual brigamos) e os pais dela me chamaram para comer Pizza Hut. Depois disso, estávamos andando quando íamos passar na frente de uma loja e ela se escondeu, pedindo para que não passássemos ali. Depois contou uma longa história de como o garoto que trabalhava naquela loja quebrou o coração dela e fez piada com isso para mostrar a todo mundo. Um mequetrefe idiota que eu nem sei por que ela convidou.

 Mas eu poderia levar Amala, minha amiga do ensino médio, pelo menos eu teria um rosto familiar lá. Se eu for.

Brida: Nénem, posso levar uma amiga minha? Ce vai gostar dela.

Anna: Oi nenekinha... Eu real só convidei os próximos, não quero gente desconhecida em casa...

 Droga, ela tem um ponto. Mas eu tenho mais uma desculpa.

Brida: Beleza vida, ce sabe que eu morro de medo do Thor, né?!

Assim que Anna diz que ele vai ficar trancado a noite, eu tento me acostumar com a idéia. Thor, o cachorro enorme de Anna que me deu de presente uma cicatriz enorme no quadril em Novembro do ano passado. 

 Observo mais uma vez o vento levando a poeira da estrada embora, deixando para trás todo e qualquer vestígio da antiga Brida. Da Brida que, por duas semanas fez coisas das quais nunca se imaginaria fazendo.

 Um dia depois do dia 13 de Julho, eu fui até onde Tiago iria jogar e depois ele me trouxe embora, afirmando que não havia mais nada para conversarmos. Cortei o cabelo no ombro assim que fechei a porta do quarto. Na Sexta, ele me levou na casa de sua prima e comprou um bolo para me cantar parabéns, e antes de me deixar em casa afirmou que eram coisas pendentes, que não tínhamos mais nada. No Domingo, fui de bicicleta até sua casa e preparei um café da manhã para ele e sua família, comemos mas não trocamos uma palavra se quer. Nessa Quinta ele veio me trazer a bicicleta, disse que estava tudo acabado e que não havia mesmo uma volta, eu fui no aniversário de um amigo meu em uma churrascaria e um de seus amigos me chamou no Instagram.

 Na Sexta, como a grande idiota que sou, fui até a casa dele e insisti para conversarmos e tudo o que recebi foram xingos e xingos. Cheguei em casa destruída e contei para minha mão tudo o que aconteceu desde o dia 13, e ela chorou na minha frente, me perguntando o porque eu me dignei a isso.

 Deve ser doloroso para uma mãe ver sua filha, a pequena pedra preciosa que ela criou com tanto carinho, se machucar assim. A vida não nos prepara para isso. 

 A vida não nos prepara para as coisas mais óbvias que podem acontecer, e isso é assustador. Isso, de fato me assusta. Ver como eu estava meses atrás: com meu cabelo longo e ruivo, terminando o ensino médio e fazendo o melhor que conseguia no luto. A vida sai passando por cima de você, quer você esteja pronta ou não. 

 Aqui se perde, aqui se encontra. E aqui se recomeça também, mesmo que esteja sem forças para isso, mesmo que as guardas estejam baixas ou má preparadas: a guerra não espera para começar.

 Aqui se morre, aqui se ressuscita. Aqui se começa, dia após dia, uma nova história, mesmo com má decisões, o que eu sou expert em tomar. Mas acho que ir a essa festa do pijama não vai ser tão ruim, nada pode me destruir mais do que eu já fui destruída nos últimos meses. Ah, eu duvido muito.



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⏰ Last updated: Jul 26 ⏰

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