Engolidos Pelas Sombras

Capítulo 2: Sam

Entre todos nós, Crystal parecia ser a mais decidida, ela queria Maratonar novamente toda a sequência de Pânico.
Eu juro que me jogaria da sacada se eu ouvisse mais um “Olá Sidney” escapando dos lábios dela. assistimos esses filmes tantas vezes que até Alex decorou as falas, e ela simplesmente é péssima com a memória, considerando que ela sempre esquece a data de aniversário de quase todos do grupo. Mas sinceramente, ninguém no grupo parecia apontar uma nova ideia de filmes. Jogos mortais é muito brutal segundo Peter, ele quer algo mais sofisticado pra hoje, um terror psicológico, talvez?
Lucy parecia não ligar para o assunto, acho que ela aceitaria qualquer coisa (exceto, é claro. Pânico. Acho que ver esse filme a milésima vez também não entraria nos planos dela.)
Entre toda a discussão, bem, não era exatamente uma discussão, já que Peter, Lucy, eu e Honey apenas observamos Alex tentando convencer Crystal de que Pânico já estava batido e que com certeza ninguém ali além dela aguentaria vê aquele filme novamente.  Essas discussões sobre filmes eram frequentes para falar a verdade. Todo ano fazíamos essa festa, mas nunca tínhamos um filme em mente até o dia chegar. Acho que no ano que vem, vou tentar conversar com eles com antecedência.
— Que tal Hereditário? —
Sugeriu Honey de forma rápida, ela me pegou de surpresa. Na maioria das vezes esperávamos Alex e Crystal terminarem de debater sobre qual filme assistir antes de começarmos a fazer quaisquer indicação. ninguém pareceu se opor à ideia, todos apenas acenaram, E acho que Crystal finalmente havia desistido da ideia, que sorte a nossa.
Enquanto Peter colocava o filme na TV desnecessariamente gigante da sala, eu comia a última fatia da pizza de calabresa, Peter demorou 40 minutos para buscar essa pizza e ela havia acabado em menos de cinco. Além da pizza de bacon, que Lucy havia acabado de abrir, a pizza de brócolis era a única que havia sobrado, três fatias, para ser exato. Sem contar todo o brócolis que havíamos tirado da pizza e colocado na caixa, é claro, eu e Alex comemos basicamente apenas massa. Crystal parecia feliz com suas três fatias, então ninguém reclamou.
Enquanto o filme passava na TV, a sensação que eu havia sentido na varanda mais cedo ainda estava ali, pequena, quase inexistente, mas estava.
Eu não tinha medo de filmes de terror, acho que os verdadeiros monstros são as pessoas, já conheci vários, por sinal. Mas por algum motivo eu estava começando a tremer. Não era o filme, pelo menos especulei que não era. Eu nem estava prestando atenção no que estava passando na TV, minhas mãos acariciavam meus ombros em busca de um pequeno toque de calor, qualquer coisa pra aliviar o frio que estava inundando meu corpo.
Creio que eu não estava disfarçando muito bem, pois Peter parecia estar me examinando com os olhos, acompanhado de Honey, que também me olhava. Mas não acho que Honey tenha percebido meu comportamento estranho, ela me olha daquele jeito desde que esbarrei nela em seu primeiro dia de aula, um olhar de cautela e curiosidade, quero dizer.
— Você quer sentar aqui? —
Peter perguntou gentilmente. Eu estava sentado no chão, ao lado de Alex que havia deitado a cabeça em meu ombro. Lucy, Crystal e Peter eram os únicos sentados no sofá, e Honey estava do outro lado, na poltrona. Eu recusei educadamente, não demorando muito até que eu  me levantasse do chão, a sensação havia voltado com tudo, e dessa vez parecia que algo estava arranhando meu estômago.
— Eu vou ao banheiro, coisa rápida. —
Digo me apressando em direção ao banheiro do andar de cima, que era visivelmente mais longe. Eu tiro a cabeça de Alex de meu ombro e saio tão rapidamente que talvez ela nem tenha percebido, eu acho que ela estava quase dormindo para falar a verdade.
Eu me certifico de trancar a porta, Peter era alguém muito prestativo, então se algo desse errado ele com certeza apareceria na porta antes mesmo que a reprise de Pânico passasse outra vez em minha cabeça, então eu tinha que ter certeza que ele e nem ninguém iriam entrar.
Odeio falar para as pessoas que eu não estou bem, e na realidade, eu tenho quase certeza que estou bem. A alguns minutos eu estava ótimo e agora estava agachado no banheiro do andar de cima quase vomitando minhas tripas para fora. Eu odiaria estragar o clima por causa disso, eu estou bem, tenho certeza disso. ninguém fica mal assim do nada, talvez tenha sido a pizza de brócolis? Mas quem fica mal com brócolis? E eu tenho certeza que tirei todo o brócolis das pizzas que eu comi.
Menos um ponto para você, pizza desnecessariamente verde.
O celular em meu bolso começa a vibrar, droga, péssima hora.
Eu tento parecer o mais consciente possível. Tentando ignorar a sensação de meu estômago sendo espremido ou da minha pele coçando. Pego o telefone no bolso, olhando o nome do contato, Elizabeth. O'Que será que ela quer Justo agora?
— Hmm, Elizabeth? —
Eu digo, iniciando a ligação. Eu posso ouvir um barulho de carro na outra linha,  ela estava estacionando, talvez? Ela não me ligaria enquanto dirige, pelo menos eu espero que não.
— Sam? Onde você está? —
Demorei pra responder, ela sabia exatamente onde eu estava.
— No banheiro da casa do Peter. —
Respondi como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
— Vai já pra casa, Megan está sozinha. —
O comando em sua voz me irritou, eu suspirei prolongadamente antes de responder.
— Esse é o seu trabalho, não o meu. VOCÊ deveria estar em casa agora, onde você está?! —
— A Sra Olsen perguntou se eu podia encobrir o turno da Julieta, pensei que a grana poderia me cair bem. —
Esfreguei as minhas pálpebras, ela só poderia estar de sacanagem comigo. Por que caralhos ela aceitou um turno extra sabendo que não estou em casa? Menos um ponto para Elizabeth, jogando suas responsabilidades pra cima de mim, que bela irmã.
— E você não pensa em me mandar uma mensagem antes? Mas sério, Elizabeth, dinheiro? Eu poderia te pagar se fosse pra cuidar da Megan, eu só não queria ser perturbado com isso hoje. —
O tom de irritação na voz de Elizabeth estava presente, ótimo, consegui o que queria.
— Sam, eu passo 12 horas do meu dia com a Megan, e o halloween é amanhã, não hoje. Não sei porque você e os panacas dos seus amigos comemoram antecipadamente, mas você pode adiar isso para que você possa agir com maturidade por um dia? —
Pensei que era óbvio que a virada de halloween era o melhor momento para se comemorar o halloween. Sem o barulho das caixas de som de vizinhos ou crianças batendo em sua porta atrás de doces, e as 3:00 da manhã era a hora do diabo, e sempre víamos filmes até esse horário, então estávamos comemorando da maneira certa. A resposta era simples caso Elizabeth conseguisse usar o cérebro.
— E eu tenho escolha? —
Era uma pergunta retórica, eu já sabia a resposta. Se eu não fosse para casa agora, Megan provavelmente iria queimar a casa tentando cozinha com tutoriais da internet. Que ótimo, Elizabeth era mestra em estragar meus planos.
Elizabeth desliga a ligação, momento perfeito para isso, eu vomito na privada, o'que estranhamente pareceu me dar um alívio, bem, para meu estômago, pelo menos. Minha pele ainda estava arrepiada, e a coceira irritante que parecia me arranhar por dentro ainda estava presente. Eu me levanto, guardando o celular no bolso enquanto me olho no espelho, limpando o rosto com a água da torneira. eu verifico meu rosto no espelho mais uma vez, o frio gélido percorrendo minha pele, como se um cubo de gelo estivesse descendo pelas minhas costas, mas pareciam ser vários cubos de gelo por todo o meu corpo. Um lampejo de algo estranho repassa sobre meus olhos, meu rosto no reflexo do espelho parecia olhar de forma estranha para mim. A água da torneira máscara o barulho do lado de fora, eu não era capaz de escutar a TV no andar de baixo. por tempo momentâneo, juro ter visto meus olhos escurecerem, quase como duas órbitas vazias dando lugar ao que eram antes, como se meus olhos não passassem de nada além de um véu sombrio, um buraco profundo. Meus olhos eram verdes, não negros.
Tão rápido quanto apareceu, meus olhos voltaram a claridade, meu reflexo no espelho se tornou apenas um eu confuso tentando absorver mais uma de minhas alucinações, eu via coisas assim nas pessoas, elas mudavam, e depois, voltavam ao que eram. Mas nunca havia acontecido o mesmo comigo. Duas batidas apressadas na porta me interrompem de meus pensamentos, eu rapidamente desligo a torneira para ouvir a voz de Peter do lado de fora.
— Cara, você tá bem? Você tá aí já faz 15 minutos, tá com dor de barriga? —
Não parecia tanto tempo para mim, acho que quando você está quase morrendo, a percepção do tempo é ignorada.
— Não, não, já estou saindo. —
Eu dei uma última olhada em meu reflexo, certo, está normal. Eu abro a porta do banheiro, o rosto de Peter tinha breve preocupação, era adorável o jeito que ele se preocupava com todos, tenho certeza que se ele não fosse parte do grupo e um grande pacificador Alex e Crystal já haveriam saído no soco uma com a outra.
— Peter, preciso voltar para casa. —
Digo sem rodeios, descendo as escadas enquanto Peter me seguia.
— Oque? Mas já? Nem acabamos o primeiro filme ainda. —
— Eu sei, mas Megan está sozinha em casa, bem, pelo menos espero que ela não esteja, acho que Elizabeth deixou ela na casa da Sra Dallas. E você sabe que aquela velha não é a melhor cuidadora de crianças. —
— Você já tá indo embora, Sam? —
Lucy perguntou no sofá, acho que eu e Peter estávamos falando bem alto, pois a TV estava em pausa e derrepende todos estavam olhando para mim.
— Elizabeth me ligou, ela aceitou um turno extra na Bijuteria da sua mãe, pelo visto tá tendo um bom movimento, não imaginei que a Bijuteria da sua mãe funcionasse 24 por dia. —
Lucy pareceu surpresa.
— Minha mãe ofereceu outro turno a Elizabeth? Cara, sinto muito. Acho que ela tá meio preocupada em vender todas as decorações de halloween antes que o halloween acabe e ela tenha que esperar até o próximo ano. —
— Pera, hoje não era o turno da Julieta? Aconteceu alguma coisa? Minha irmã sempre faz o turno na véspera de halloween. —
Perguntou Alex.
— Olha, eu não sei de nada. Só sei que preciso voltar para casa antes que minha mãe descubra que Elizabeth deixou Megan sozinha, ou pior, com a Sra Dallas. Assistam o filme sem mim, nós podemos fazer algo amanhã, juro. —
— Já faz dois anos que não conseguimos assistir a maratona todos juntos, ano passado Lucy ficou internada por causa do braço quebrado, e no retrasado Peter viajou com os pais, e esse ano agora é você, Sam? —
A indignação na voz de Crystal me pegou de surpresa, até eu estava indignado por ter os planos atrapalhados. Mas sempre conseguíamos achar soluções para coisas desse gênero, e acho que esse ano não será diferente.
— Bem, culpe a Elizabeth. —
— Ahh, mas eu com certeza vou culpar. —
Eu busco a minha mochila, abrindo-a e jogando um salgadinho sabor pimenta no colo de Alex, eu pude vê que ela sentiria falta daquela coisa caso eu a levasse embora. ela rapidamente o abre, agradecendo com um joinha. Eu me aproximo da mesa e pego os pedaços restantes da pizza de bacon, colocando-os na caixa e guardando na mochila. Lucy e Alex me olham de forma ameaçadora.
— Que foi? Vou aproveitar do meu jeito, na minha caminha. E tenho quase certeza que Megan vai querer algumas. —
— Bem, se você quiser, eu posso te levar até sua casa. Vai ser mais rápido do que você caminhar ou esperar um Uber. —
Peter se oferece, ele nem espera eu responder enquanto pega a chave de sua moto em cima da lareira. Eu não nego a oferta, depois dá sensação horrível que eu estava sentindo, sinto que ir para casa sozinho só iria piorar tudo.
— Certo, mas vai me deixar pagar um milkshake para você como retribuição? —
— Claro, mas só se for sabor torta de maçã. —
Enquanto Peter saia pela porta na frente, eu aceno para as garotas com um sorriso breve.
— Tchau meninas, não destruam a casa de Peter até ele voltar. Esse aviso é principalmente para você, Alex.—
Alex responde com uma falsa cara de ofensa, elas acenam de volta e eu saio pela porta, o olhar de Honey parece me seguir até que eu fique totalmente fora de vista.