14. Capítulo

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Eu ainda olhava para o horizonte, onde ele desaparecia em meio à poeira levantada pelo garanhão. Tinha uma visão embaçada do rei Henrik. Parecia loucura, mas tive a impressão de que sua risada ecoava em meus ouvidos. Senti um arrepio ao pensar na sua voz rouca.

— Por que isso tá acontecendo comigo? — Eu perguntei ao vento. — Por que ele me afeta assim?

Um estranho, um inimigo. Por que sentia essas emoções confusas?

— Que atrevido! — murmurei com um sorriso irônico  nos lábios. — Rindo de mim, mesmo de longe. Maldito, desgraçado, tosco, arrogante...

Ouvi um barulho assustador. Sentia uma presença. Meu sexto sentido gritava que estava sendo observada.

— Quem tá aí? Apareça logo! Não seja covarde. — O silêncio respondeu. — Lilja, para de sonhar! Isso é loucura! Você tá perdendo o pouco juízo que te resta — disse para mim mesma. Lembrei-me das palavras de meu pai: "Você vive no mundo da lua, não é tão observadora quanto Itacius, nem tão fria quanto Iracema. Você age por impulso, tem crises de agonia e desespero que te impede de pensar... É impulsiva."
— Mas isso não é fraqueza, é a minha maneira  de ser, ver e viver a eu a vida. — Eu  completei em um murmúrio defensivo. — Lilja, não é hora para perder o juízo! Você já tem muitas preocupações!

Eu gritei para mim mesma. Mas tudo que vinha à minha mente era ele: o seu sorriso de lado, olhar penetrante, palavras misteriosas.

Com um suspiro resignado, pego minha bolsa amarrada na sela de Caelatus e começo a vasculhá-la em busca do lenço, mas não o encontro. Vejo as roupas que trouxe, o cantil... menos o meu lenço. Tudo parece estar exatamente como organizei. Será possível que aquele maldito o levou? Ele deve estar planejando algo.

— Como ele pode ter organizado tudo exatamente como eu deixei?

Eu  murmuro, frustrada.
Preciso conversar com a rainha Sahara Obsidian sobre um ritual de proteção. Espero resolver essa situação sem deixar minha família e Antonius desconfiados. Quanto ao rei Henrik, espero nunca mais vê-lo; já me causou problemas suficientes.

Vasculho a bolsa novamente e sinto algo duro bater em minha mão, arranhando levemente minha pele. Uma dor aguda e latejante irradia do local, como uma pequena queimadura. Minha pele fica quente e sensível, latejos ritmados ecoam em minha mão. Um calafrio percorre meu braço, deixando-me tensa.

— Aí, mas que maldição é isso?
Eu  exclamo.

Tiro a mão e vejo uma gota de sangue vívido caindo sobre uma joia. O vermelho do meu sangue se destaca no azul da pedra e no dourado do bracelete. Duas serpentes se entrelaçam, com pedras azuis nos olhos.

— O quê?

Eu  sussurro, admirada.
Pego a joia, analisando-a. É uma peça belíssima e única.

“Esqueceste de uma regra clássica, caríssima? Não se pode pedir de volta algo oferecido a um rei”
As palavras dele ecoam as palavras em minha mente.

Lembro-me dos ensinamentos reais, regras desde o período do imperador Frederik. Quebrei pelo menos dez regras de etiqueta ao lidar com o rei Henrik.

— Maldito!

Eu  rosno, sentindo um arrepio.
Seu sorriso de lado, sua risada, tudo me volta à mente. Sinto meu coração acelerar.

— Preciso entender o que ele quer.
Eu  murmuro, travando a mandíbula.
Olho para o deserto, sentindo o sol queimar minha pele. O vento leve sopra meu rosto.

Caelatus, minha fiel companheira, relincha suavemente.
Ele citou justamente essa seção e tenho certeza que ele não fez sem uma intenção por trás. Eu poderia jogar fora o presente e desafiar ele.

Mais é exatamente isso que ele quer. Ele pode ler as pessoas, suas personalidades, intenções e atitudes. Esse é mais uma forma dele debochar  de mim.
Esse presente pode ter sido dado para me faze-lo rir quando eu descartar, ou pode haver outro motivo. Algo perigoso, talvez um espião.

Acariciei as pedras azuis e o bracelete dourado; o azul lembra seus olhos, o amarelo, os olhos dos meus sonhos. E também a cor dos seus cabelos, os cabelos dele são como os raios do sol pela manhã, e seus olhos tão azuis e brilhantes como céu.

Preciso de uma bebida forte, daquelas que o papai guarda em seus escritório. Minha mãe morreria se soubesse que já experimentei as bebidas fortes dele.

Guardei a pulseira na bolsa; é melhor ir para casa. Preciso encontrar o papai primeiro e explicar a situação a ele, talvez ter um aliado nessa confusão que me envolvi.

Quando eu estava pronta para ir embora, vi os olhos laranja de um lobo.

— Droga! Arauan está aqui!

Eu penso em voz alta. O lobo grande e negro se aproximava como um caçador. Ele uivou, alertando os outros.
Por que inferno eles decidiram me procurar agora? Já fugi de casa, passei dias fora.

Olho para o céu e reclamo com as mãos erguidas.

— Por que tudo é tão complicado? A deusa Vita e o deus Fatum estão se divertindo comigo. Vocês me odeiam ou gostam de se divertir as minhas custas.
Não sei se por acaso ou instinto, mas minha mão vai em direção à pulseira. Sinto o frio do metal e uma força para seguir adiante.

Ele disse que a verdade é a melhor solução. E o rei Henrik tem razão. Uma mentira pode ser descoberta; a verdade não precisa de nada.

Com um suspiro, coloco a pulseira no pulso e desço de Caelatus.

— Arauan, volte  à sua forma humana? Assim não dá para conversar. — Ele permaneceu me olhando fixamente, o meu corpo se arrepiar. Dou dois passos para trás ficando a distância dele. — Não vou conversar com você dessa forma.
Passaram se alguns segundos quando  ele uivou tanto,  acredito que em forma de aviso para os outros.

Nesse momento ele começou a volta a sua forma humana. E eu o observo horrorizada enquanto Arauan se transforma. Seus músculos se contorcem e se contraindo, como se estivessem sendo rearranjados. Os ossos estalam e se quebram, emitindo um som agudo e dilacerante. A pele se rompe, revelando carne vermelha e sangrenta.

Os pelos negros desaparecem, substituídos por sua pele bronzeada e cabelos curtos.

Os uivos de dor ecoam pelo ar, uma mistura de agonia e transformação. É sempre assim para todos eles, tanto para se tornar feras selvagens quanto para voltar ao normal. Às vezes, me pergunto se vale a pena. Nesses momentos, penso que talvez eu tenha sorte por não passar por isso, por ser a diferente.

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