Você se lembra da primeira vez que passamos algum tempo juntos? Eu não sei dizer se poderia realmente dizer que passamos tempo propriamente juntos, mas foi a primeira vez que te vi.
Eu estava pedalando para a casa do Jin, tínhamos planejado uma tarde de vídeo games e ele chamou minha atenção para mostrar a garota pedalando sozinha um pouco à nossa frente. Ele acelerou e se aproximou de você, chamando a sua atenção. Ele perguntou se poderíamos lhe acompanhar visto que íamos na mesma direção. Você parecia surpresa, mas logo concordou. Você me olhou antes de voltar seus olhos à sua frente e eu senti as minhas orelhas quentes.
Eu não consegui falar uma única palavra.
Você tinha esse poder sobre mim, de roubar minhas palavras. E o ar dos meus pulmões. Depois de algum tempo ficou mais fácil. Ficar em silêncio perto de você. Ao mesmo tempo em que às vezes eu sentia que minha timidez atrapalhava a nossa amizade, eu sentia que o silêncio que compartilhamos também era algo que fortalecia a nossa relação.
Você se lembra do dia em que você riu de uma piada que eu tinha feito com o Namjoon, algum comentário sarcástico meu, apenas uma provocação numa conversa trivial. Mas sua reação foi tão forte, uma risada livre, intensa, sincera. Me pegou completamente de surpresa e me fez cair enquanto eu tentava fazer uma manobra simples no skate. Não acho que você tenha conectado a sua reação ao meu acidente, mas você me acompanhou até o interior da casa do Jin e me ajudou a lavar o machucado ali mesmo na pia da cozinha e trouxe papel toalha para me ajudar a secar o sangramento. Nessa época a gente já conversava, e às vezes eu lhe dava carona de volta pra casa quando ficávamos na rua até tarde.
Eu não sei se você se lembra de quando eu perguntei o que você tanto ouvia nos seus fones de ouvido e você me ofereceu um deles. Eu ouvi as guitarras reverberando por um longo tempo e então lhe perguntei se não ia acontecer mais nada. Você riu e me disse que muita coisa já estava acontecendo, eu só precisava ouvir. Aquele foi outro silêncio que eu compartilhei com você, mas foi a primeira vez que eu finalmente entendi que aqueles silêncios realmente não eram vazios para você também.
No dia seguinte você me enviou um link por mensagem. Você tinha feito uma playlist para mim. Com as suas músicas favoritas. Com a ausência de letras que me faziam refletir sobre as emoções de cada faixa, além das ideias... e eu, tão acostumado com a densidade das letras de rap, usei o silêncio da voz como uma maneira de entender o que eu realmente sentia.
Você não sabe disso, mas o Jin soube antes de mim mesmo, que eu gostava de você. Não como uma amiga. Quer dizer, também como uma amiga. Mas o Jin logo percebeu a minha ansiedade quando chegava a hora de irmos embora de qualquer lugar e eu silenciosamente torcia para ninguém mais lhe oferecer uma carona, ou então para que você pedisse para que fosse eu quem lhe levaria para casa. E foi o Jin, como o espertinho sorrateiro que ele sempre foi, que convenceu todos os nossos amigos a jamais lhe oferecer caronas, para que eu fosse o único a te levar e buscar dos lugares.
Os esforços do Jin foram em vão, pois antes de eu tomar qualquer atitude, você já estava abertamente interessada em outra pessoa. Eu só não imaginava que ela te decepcionaria tão rapidamente.
E toda vez que alguém te deixava na mão, eu tomei como minha missão te mostrar que eu estava ali para ajudá-la a superar o coração partido. Eu queria tanto que você percebesse que eu poderia cuidar bem do seu coração como ninguém parecia estar fazendo.
Mas você nunca vai saber como os primeiros meses na faculdade foram estranhos e como não existia mais silêncio. Tudo ao meu redor era um burburinho constante. Pessoas novas, experiências novas, sensações novas, gostos novos, tudo junto, sempre, o tempo todo. Eu já não me sentia tão confortável na minha própria pele, sentia que já não cabia no meu corpo. Eu era grande demais, ou pequeno demais. E então decidi buscar conforto em outros corpos.
E aquela foi uma época onde eu parecia me especializar em decisões questionáveis, escolhas ruins. Minha cabeça não encontrava conforto fora dos silêncios que eu criava com o mundo que você me mostrou. Mas o nosso mundo estava crescendo e crescendo muito rápido. Seus limites se expandiam continuamente, abocanhando tudo ao seu redor.
Foi num natal em que eu me sentia tão pequeno que você me ofereceu uma bolha, um cantinho separado onde eu podia sentir de novo que eu era adequado. Não existiam professores com demandas absurdas, não existiam treinadores abusivos, não existiam cobranças de garotas me acusando de não estar investido no que construímos juntos. As rugas ao redor do seu sorriso me mostravam tudo o que eu precisava saber naquele momento. Tudo o que eu sempre quis.
Você provavelmente ainda não sabe, mas eu estava disposto a virar o meu mundo do avesso naquele natal.
Se seguir em frente sem olhar para trás era a única opção, eu me agarrei a ela. Eu decidi que eu precisava encontrar uma morada em mim, criar esse conforto. E esse conforto surgiu. E se espalhou. E deu espaço para que outros encontrassem morada em mim.
Mas esses moradores ocupavam muito espaço, não gostavam tanto assim do que eu podia oferecer, tentavam mudar as bases estruturais. Eu, como um bom arquiteto, sabia que não havia futuro. Se eu permitisse que essas mudanças fossem feitas, não existiria futuro que não resultasse em ruínas.
Foi de frente para o mar, numa praia no Peru, quando o sol brilhava forte em sua pele e refletia nos pelos dos seus ombros melados de protetor solar e areia - quando o vento soprava em seu rosto e fazia seu cabelo colar em seus lábios rosados pelo protetor labial, que eu mais uma vez, dolorosa e desesperadamente, percebi que não havia futuro que não incluía o espaço que você criava; o silêncio que você forjava; o conforto que você me dava.
Eu tenho certeza de que você não faz ideia do quão difícil foi vê-la sorrindo com os dedos entrelaçados com um namorado que parecia grudado em você. De onde ele tinha saído? De repente, o nome que surgia em conversas no nosso grupo de mensagens - e nas raras conversas pessoalmente - tinha corpo, pernas e braços longos, sorriso cheio de dentes e olhos que pareciam olhar para você como se você tivesse pendurado as estrelas no céu. Olhos que olhavam para você como eu queria ter a liberdade para fazer.
E você definitivamente não imagina que não foi fácil ver você no dia em que esteve mais linda, num vestido branco, com lágrimas nos olhos e um sorriso permanente, dizer na frente de todos que era o seu desejo passar o resto da vida ao lado do Vernon. E como eu corri ao seu encontro quando você me ligou, meses, anos depois, com a voz fraca, num suspiro, perguntando se eu tinha algum plano para o final de semana.
Eu nunca pensei que veria você tão pequena. Se sentindo tão inadequada. Todas as vezes que sentei ao seu lado com seus petiscos favoritos quando éramos adolescentes nunca se irão se comparar ao que foi estar com você 10 anos depois, ouvindo questionamentos tão parecidos. Como, depois de tanto tempo, você não percebia que não havia nada de errado com você?
Você ainda não sabe. Mas foi naquele almoço, com você cercada pelos seus garotos que já não são tão garotos assim, quando todos contavam histórias e te faziam sorrir para lhe ajudar a se esquecer que estava divorciada aos 28 anos, que eu tomei essa decisão.
Foi ali que eu resolvi quebrar o silêncio.
----
Gente, me desculpa ter demorado tanto para voltar com a segunda parte. Ser adulto dá muito trabalho e consome muito tempo!
Espero que gostem e espero que a próxima parte (a parte final!!!!) não demore tanto quanto essa demorou.
Beijas, se cuidem!
VOCÊ ESTÁ LENDO
Apetite [ Min Yoongi | PT-BR ]
Fanfictionuma coleção de lembranças de um relacionamento onde amizade sempre pareceu pouco demais